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PARECER DA COIAB SOBRE AS CONSEQUÊNCIAS DO GASODUTO URUCU - PORTO VELHO

COIAB-Manaus-AM
20 de Mar de 2002

PARA OS POVOS INDÍGENAS DO SUL DO AMAZONAS E RONDÔNIA

A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira - COIAB, articuladora do movimento indígena da Amazônia, integrando mais de 70 organizações indígenas membros dos nove estados amazônicos, e em nome dos povos e organizações indígenas diretamente afetados pelo empreendimento, apresenta seu posicionamento oficial em relação à proposta de construção do Gasoduto, que deverá ligar a base de Urucu, no município de Coari/AM, até a cidade de Porto Velho/RO, com uma extensão de 522 km.
A COIAB teve oportunidade de participar de diversas audiências públicas, levantou informações junto as suas bases em Rondônia e na região do Médio Purus e reuniu grande parte da documentação publicada até o momento sobre a questão. Com base nestas informações, analisou minuciosamente os dados apresentados pela Petrobrás e pela empresa de consultoria CEPEMAR no Estudo de Impacto Ambiental - EIA e no Relatório de Impacto Ambiental -RIMA, inclusive os impactos que o empreendimento acarretará para as populações indígenas assim como as Medidas Mitigadoras ou compensatórias propostas.
Este parecer é portanto sustentado na seriedade de uma organização que, desde a sua fundação, preconiza o reconhecimento efetivo dos direitos indígenas como povos diferenciados, e exige a participação dos povos indígenas no âmbito da sociedade nacional, resguardando as suas especificidades étnicas, culturais e territoriais.
As considerações a seguir abordarão tanto questões gerais relacionadas aos aspectos conceituais e orientadores do empreendimento quanto às questões mais específicas relacionadas com os impactos causados as povos indígenas da área de abrangência do projeto.

1. Não cumprimento da resolução 001/86 do CONAMA

O primeiro problema nos parece, de toda evidência, de ordem ética, uma vez que o EIA/RIMA foi elaborado pela empresa CEPAMAR conjuntamente com a GASPETRO, não sendo realizado de forma independente e contrariando o art. 7, da CONAMA, resolução 001/86 que define:
"O estudo de impacto ambiental será realizado por uma equipe multidisciplinar habilitada, não dependente direta ou indiretamente da proponente do projeto e que será responsável tecnicamente pelos resultados apresentados".

2. O gasoduto, um projeto ameaçador a proteção das áreas preservadas do Estado do Amazonas

O Estado do Amazonas representa, sem dúvida, uma das últimas áreas ainda em grande preservada do planeta, contando com 1,5 milhões de km2, sendo em grande parte coberta por densa floresta tropical, recortada por uma vasta rede hidrográfica representada pelo rio Solimões e seus afluentes. Esta área representa, segundo o saber de nossos povos, um valor inestimável em termos de biodiversidade e, poderíamos acrescentar, de potencial de futuro para a humanidade.
As políticas governamentais, após o evento da ECO 92 no Rio de Janeiro, tem incorporado a preocupação nacional e internacional em torno da preservação da região amazônica, estruturando inclusive o Programa Piloto para a Preservação das Florestas Tropicais - PPG7, cujos componentes incorporaram diversos objetivos em termos de preservação ambiental, apoio para a agilização do processo de demarcação dos territórios indígenas, projetos de desenvolvimento sócio-econômico das populações tradicionais, etc.
Alguns destes programas encontram-se inclusive em fase de implantação na própria região afetada pela construção do empreendimento, tal como o PPTAL e o PDPI, preconizando a preservação ambiental e a proteção das terras indígenas ali localizadas.
Por conta desta preocupação, e da tentativa de implementar uma nova mentalidade em relação à preservação ambiental, está se desenhando, no âmbito do Programa Piloto assumido pelo governo brasileiro, o perfil do Corredor Ecológico do Amazonas, o primeiro a ser implantado no país, que deverá estender-se desde a região do Alto Solimões, até a bacia do rio Negro, abrangendo inúmeras áreas de proteção ambiental e terras indígenas, com o objetivo de proteger as terras localizadas entre estas áreas preservadas.
Tal atitude do governo brasileiro tem demonstrado maturidade na forma de conceber o desenvolvimento sem portanto, provocar graves prejuízos ao meio ambiente e as populações tradicionais que ali se encontram. Se isto é válido para a região localizada nas calhas dos rios Solimões e rio Negro, não entendemos porque deveria ser diferente ao sul desta calha, nos limites do mesmo Estado do Amazonas?
Acreditamos portanto, que o gasoduto, como instrumento de desenvolvimento econômico, não poderia ser realizado sem a efetiva garantia da proteção, não apenas das reservas ambientais, das 11 terras indígenas e 07 sítios arqueológicos, mas de igual forma, nas áreas localizadas entre as mesmas, inclusive resguardando as terras dos índios isolados.
De forma contraditória, a proposta de gasoduto do Urucu a Porto Velho, modifica substancialmente esta postura coerente em relação à proteção ambiental.

3. Informações insuficientes para dimensionar o impacto que será causado às populações indígenas

O termo de Referência ELPN/IBAMA N. 035/00 referente ao projeto de construção do Gasoduto Urucu (Amazonas) - Porto Velho (Rondônia), traz diretrizes claras em termos dos procedimentos e critérios a serem seguidos para a elaboração do (EIA) e o respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). Infelizmente, diversos desses critérios não foram respeitados, sendo que o EIA/RIMA traz uma série de deficiências em relação às informações abordadas a respeito da realidade dos povos indígenas localizados na área de influência do empreendimento, sendo as principais;

? A ausência de informações quanto às áreas de perambulação dos povos indígenas em cada terra indígena, indicando os lagos, igarapés utilizados, áreas de extração de recursos naturais utilizados tanto no quotidiano quanto para atividades culturais específicas;

? A falta de informações relativas as relações de parentesco, grau de proximidade entre os membros de comunidades e terras indígenas. Tais informações são necessárias para compreender a importância dessa rede de relações socais e de dinâmicas inter-clânicas e intertribais existentes;

? A freqüência e os motivos dos deslocamentos dos índios para a sede das cidades circunvizinhas das terras indígenas, informações importantes em termos de verificação dos impactos atrativos com a implantação do empreendimento;

? A ausência total de informações a respeito dos índios isolados, apesar da Petrobrás já ter sido confrontada com atividades similares junto a povos indígenas de outras regiões;

? A falta de mapas representativos da sócio-economia dos povos indígenas assim como apresentar o diagnóstico completo com dados primários, principalmente quanto à situação de pesca, base alimentar dos índios do Purus e forte marca de sua tradição cultural.

4. As Áreas de Influência Direta e Indireta em relação ao empreendimento

O entendimento construído pela empresa em relação às áreas de influência do projeto, não corresponde ao estabelecido pela legislação ambiental (Resolução do CONAMA 01/86), que determina, em seu artigo 05, parágrafo III, as seguintes diretrizes gerais:
"Definir os limites da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos, denominada área de influência do projeto, considerando, em todos os casos, a bacia hidrográfica na qual se localiza."
O conceito de Área de Influência Direta (AID), é classicamente reconhecido como aquele território onde as relações sociais, econômicas e culturais e as características físico-biológicas sofrem os impactos de maneira primária, ou seja há uma relação de causa e efeito.
O conceito de Área de Influência Indireta (AII), é aquele onde os impactos se fazem sentir de maneira secundária ou indireta, e com menor intensidade.]
O próprio EIA reconhece tais definições, mas:
"No caso em questão, tanto pelas características do empreendimento(linear), como pela localização (região amazônica, com grandes bacias hidrográficas), a delimitação das áreas de influências do gasoduto não contemplou a bacia hidrográfica" (Cap. 03, pág. 01 do EIA)".
Portanto, não respeitando normas federais, foram apresentados novos critérios no IEA/RIMA considerando como Área de influência Direta (AID) as faixas de servidão a ser implantada; as áreas destinadas às estações de medição e aos city-gates; as áreas destinadas aos canteiros de obras/alojamentos e armazenamento de tubos; as áreas de acessos, pelos quais deverão ser transportados a mão de obra, os equipamentos e materiais, inclusive os dutos; os locais nos rios, onde ficarão as balsas-alojamentos. Isto significa que são considerados com Área de Influência Direta (AID) apenas os locais situados na área de construção do gasoduto.
Como Área de Influência Indireta (AII), foi considerada uma faixa máxima de 10 km (05 Km. para cada lado do eixo do traçado em análise), acrescida, no caso dos recursos hídricos, dos rios Coari, Urucu, Itanhauã, Purus e Mucuim, pela sua utilização para o transporte de materiais e equipamento.
Esta concepção modifica substancialmente a responsabilidade do empreendimento em relação às Áreas de Influência Direta (AID) e as Áreas de Influência Indireta (AII) reduzindo drasticamente o reconhecimento dos impactos causados e das conseqüentes Medidas Mitigadoras propostas com as devidas reparações.
Além disso, o fato de não contemplar a bacia hidrográfica como base para a definição das áreas de influência direta ou indireta revela a falta de compreensão da própria realidade amazônica e regional, e uma enorme contradição em relação à dinâmica existencial dos povos indígenas da bacia do rio Purus e Madeira, que têm justamente no rio, a sua principal fonte de alimentação, a sua via tradicional de deslocamento para realização das atividades culturais, sociais e econômicas.
A bacia hidrográfica, representa ainda o canal de penetração das frentes econômicas, a "estrada" que permite o escoamento da produção e viabiliza, quando ocorre, o atendimento básico às populações rurais.
A COIAB entende que os povos indígenas localizados na região do empreendimento, principalmente os Paumari do lago Manissuã, os Paumari do lago Paricá, os Paumari do Cuniuá, os Juma cuja terra se localiza no município Canuatama, os índios isolados Katauixi da Terra Jacaréuba/Katauixi, os isolados Hi Merimã, e os Apurinã da Terra Caititu, além de outros isolados em relação aos quais quase nada se sabe, encontram-se numa Área de Influência Direta do empreendimento, em função do impacto que poderá ser causado tanto a população quanto ao ambiente de que dependem para a sua subsistência física e cultural.

5. O Gasoduto, nova via de penetração para o sul do Amazonas ?

O conteúdo do EIA/RIMA assim como as audiências públicas não apresentaram argumentos válidos quanto à justificativa desta proposta de traçado do gasoduto e revelaram uma insuficiência de medidas que deveriam representar uma garantia absoluta quanto à proteção, controle, e monitoramento da abertura causada com a construção do gasoduto, principalmente uma vez as obras concluídas.
Como o próprio EIA/RIMA constata, o aumento da pressão sobre os recursos florestais é esperado quando da abertura da faixa:
"mas sobretudo após o término das obras de implantação do empreendimento, quando todos os equipamentos e pessoal já estiverem desmobilizados, deixando na região apenas a faixa de servidão do gasoduto aberta, onde não será permitida a regeneração natural nos níveis anteriores para que não ocorra o comprometimento da segurança operacional do gasoduto. Esta faixa, mesmo com a inviabilização de todos os acessos à mesma e a retirada de todas as pontes de serviços, sobre os talvegues e igarapés, dificultando o acesso e a circulação de pessoas e máquinas na mesma, poderá representar um acesso a porções de floresta ainda muito preservadas, principalmente por madeireiros com interesses comerciais. Desta forma, a região, que se mostra extremamente rica em recursos florestais, estará propensa a um aumento da pressão sobre estes recursos." ( Cap.10, pág. 39).
Isto significa que sempre permanecerá uma abertura no espaço de 20 metros de largura da faixa ao longo dos 522 Km do gasoduto representando uma ameaça permanente de penetração e invasão, uma via de acesso direto para os recursos naturais ali existentes.
As medidas previstas após o término das obras não condizem com o tamanho da ameaça que tal abertura representa. Não é possível desconsiderar os impactos ambientais causados por um processo de colonização totalmente desordenado do Estado de Rondônia, provocado com a implantação de grandes projetos governamentais, entre eles a abertura da BR 364 entre Cuiabá e Porto Velho e a Transamazônica. Trata-se essencialmente de uma população migrante da região sul em busca permanente de terras e melhores condições de vida.
Por outro lado, o traçado representa um rasgo, uma via de acesso rumo a cidade de Porto Velho, que corta linearmente as vias de acesso da região sul do Estado do Amazonas para esta cidade. De fato, a rodovia que liga a cidade de Lábrea a Porto Velho, exige a passagem por Humaitá perfazendo um total de mais de 500 Km, o que representa praticamente o duplo da distância do traçado do gasoduto que será aberto entre a região do médio Purus e Porto Velho. Este fator aumenta com toda certeza os riscos de invasão por uma população essencialmente instável e necessitada.
Além disto, o IBAMA não pode desconhecer que as autoridades federais e estaduais já perderam há tempo o controle quanto ao processo de ordenamento e regularização fundiária no Estado de Rondônia. Existem centenas de empresas madeireiras clandestinas que extraem ilegalmente madeiras das fazendas agropecuárias, assim como de áreas de responsabilidade do governo federal, como ocorre com os parques nacionais e com os territórios indígenas. Basta saber que os territórios dos índios Cinta larga e Suruí, somente para citar alguns exemplos, encontram-se retalhadas por estradas abertas clandestinamente para retirada da madeira ou para as atividades garimpeiras.
Não são propostas no EIA/RIMA, Medidas Mitigadoras capazes de impedir tal pressão sobre os recursos naturais da região sul do Estado do Amazonas.

6. Os impactos, as Medidas Mitigadoras e os programas de compensação para as populações indígenas

O EIA/RIMA reconhece que as ações necessárias para a implantação do empreendimento, como a abertura de faixa e acessos, a travessia de cursos de água, o transporte de equipamentos/materiais por via fluvial e a presença dos alojamentos e canteiros de obra desencadearão impactos que poderão causar interferências sobre as populações indígenas
Reconhece também que, apesar de nenhuma TI estar situada na faixa de 10 km utilizada como área de influência indireta do gasoduto, os hábitos de grande mobilidade territorial desenvolvidos por estas populações, principalmente na busca de recursos naturais para a sua sobrevivência, fazem com que os mesmos extrapolem os limites das suas terras demarcadas
Por um lado, a mobilidade dos índios é reconhecida, assim como o fato de que a circulação de pessoas na região e a movimentação das obras poderão exercer poder de atração sobre a população indígena, levando-os a se aproximar para vender e/ou trocar seus produtos, como pescado e quelônios, bem como oferecer seus serviços, podendo desencadear processos não desejáveis, como relações interétnicas, aumento de doenças e prostituição ( cap. 10, pag.35).
Por outro lado, ocorre grave falta de identificação de diversos impactos graves que deverão atingir a população indígena.
Esta ameaça recai, por exemplo, sobre a população Juma, atualmente localizada na área dos índios Uru-eu-wau-wau em Rondônia. A pretensão já declarada dos mesmos retornarem em suas terras, os coloca em situação de perigo efetivo de desaparecimento diante da implantação do empreendimento.
O EIA/RIMA está, inclusive, muito aquém de suspeitar a gravidade das inumeráveis interferências causadas no quotidiano das aldeias pelo empreendimento, e mesmo depois do término dos trabalhos, em função da fragilidade sócio-econômica dos povos indígenas na sua relação com a sociedade regional e do peso dos impactos causados, sendo que alguns podem ser irreversíveis. Não se pode modificar de modo brutal hábitos culturais, tradições enraizadas na cultura milenar, formas de subsistência forjadas no dia a dia das comunidades, sem que isto tenha um custo extremamente alto em termos sociais e culturais.
O Estudo de Impacto Ambiental apresenta-se portanto inadequado em termos da compreensão das dinâmicas atuais dos povos indígenas dessa região, por não ter tido capacidade de medir os efetivos impactos que o empreendimento poderá causar-lhes. Tampouco aprofundou o entendimento em relação à concepção das formas tradicionais de ocupação territorial, não apenas nos limites do território, mas, além dessa ocupação específica das terras legalmente reconhecidas. É preciso conhecer o modo pelo qual os povos indígenas garantem a sua organização social, determinam as relações sociais, políticas e culturais entre os territórios e as comunidades. Dessa forma é possível definir os impactos causados sobre esta mobilidade, que ocorre principalmente em função da subsistência das comunidades.
Além disso, as medidas de proteção previstas surpreendem pela sua debilidade e incoerência em relação à dimensão dos impactos apontados no EIA/RIMA, ainda mais em relação a outros impactos nem identificados no documento. As Medidas Mitigadoras previstas giram em torno de:

? A elaboração de um "Código de Conduta" que tem por objetivo disciplinar a ação dos trabalhadores, esperando que os mesma atendam as ordens estabelecidas, evitando o contato com os índios, não fazendo uso dos recursos naturais, etc.;

? A criação de um "Programa de Comunicação Social" que pretende informar as comunidades e populações indígenas sobre os perigos existentes, e intensificar a fiscalização da faixa e dos acessos a fim de impedir a presença ou circulação de pessoas estranhas a obra, evitando possíveis pressões sobre os recursos naturais utilizados por estas populações;

? Prevê-se ainda algumas outras Medidas Mitigadoras, tais como desenvolver programa de conscientização sobre DST, criar sistema de sinalização nos rios, etc.

? Deverá ser desenvolvido o Programa de Relacionamento com as Populações Indígenas, visando beneficiar e melhorar a qualidade de vida das populações afetadas pelo gasoduto. Tal programa, deverá ser elaborado de forma participativa em conjunto com a FUNAI, e com o acompanhamento direto de um antropólogo desta instituição, antes do início das obras de implantação do empreendimento para que os habitantes indígenas da região estejam menos sujeitos aos impactos durante a implantação do gasoduto. Na fase inicial das obras, o empreendedor deverá envolver um antropólogo, com o aval da FUNAI, para acompanhar os trabalhos no sentido de que, caso seja identificado qualquer presença indígena, este profissional possa tomar as providências cabíveis.

? Além disso, em completo desrespeito com a população amazônica e os seus conhecimentos tradicionais, a CEPEMAR tem a coragem de afirmar, no EIA, que a população regional desconhece a utilização de plantas reconhecidas como medicinais, e que pretende criar através de um "Programa de apoio às comunidades" as condições de acesso a estes conhecimentos, para seu uso diário.

Constata-se portanto que o conjunto das Medidas Mitigadoras e compensatórias definidas no EIA/RIMA não apresenta alternativas condizentes com a dimensão dos problemas que o empreendimento causará à população indígena e rural desta região, ameaçando desta forma a integridade dos povos indígenas, com uma série de interferência em relação aos quais a Petrobrás não terá controle.

7. A situação dos povos indígenas isolados

Uma questão de grande relevância para os nossos povos não foi sequer abordada no EIA/RIMA, no tocante a situação dos índios isolados, Katauixi, isolados da margem direita do médio rio Purus, pelo simples fato de não haver disponibilidade de dados oficiais, sendo apenas plotadas, conforme o termo de referência, por se tratar de índios isolados.
Quando questionados por representantes da COIAB na ocasião da Audiência Pública de Lábrea a respeito das Medidas Mitigadoras previstas no sentido de garantir a integridade física e cultura dos povos isolados, os representantes da CEPEMAR e da Petrobrás limitaram-se a afirmar que a abertura do gasoduto passaria a 5 Km do extremo da proposta de identificação da FUNAI para os índios Katauixi, não acarretando danos diretos à população indígena. Em relação ao barulho causado pelas operações de abertura do gasoduto, e outros riscos de atração dos índios isolados, avançaram com total falta de seriedade e profissionalismo, que poderia ser construída uma barreira vegetal para reduzir o impacto sonoro das máquinas e derrubada.
O EIA/RIMA, não apresenta Medidas Mitigadoras capazes de garantir a vida e a preservação destas populações isoladas. O próprio Programa de Relacionamento com as Populações Indígenas ( Cap. 11 pag. 66), define procedimentos no sentido de compensar as populações indiretamente afetadas ( que consideramos diretamente afetadas), orientando inclusive a incorporar de outras experiências de empreendimentos que afetaram comunidades indígenas.
Relembramos na mesma audiência de Lábrea, a trágica experiência tida pelos índios isolados do Vale do Javari, quando, em 1985, sofreram impactos incalculáveis por conta da exploração de gás natural pela Petrobrás e empresas contratados. Na ocasião, justamente, por uma avaliação errônea da realidade dos índios isolados do rio Jandiatuba (os índios Flexeiros e Tsohom Djapá) e da região localizada entre os rio Itaquaí e Ituí (os Korubo), por não respeitar as áreas tradicionais de ocupação territorial e de perambulação destes povos, ocorreu a morte de dois servidores da FUNAI, assim com de vários índios isolados (fato não reconhecido até hoje pela própria Petrobrás). Nesta mesma época, foi confirmado a presença de índios no local do empreendimento, que tiveram os seus pés queimados em poça de soda cáustica.
Infelizmente, tal tragédia deveria ter servido de experiência para a Petrobrás para superar este novo desafio, inserindo desde já informações e propostas no próprio EIA/RIMA, como forma de propiciar, ainda no momento da análise da viabilidade do projeto, informações fidedignas que possam demonstrar mais precisamente, os impactos que o empreendimento poderá causar sobres estas populações isoladas.
Fica dessa forma, a triste constatação de que o EIA/RIMA, apresentam informações capazes de oferecer dados que possibilitem uma avaliação criteriosa dos impactos do empreendimento sobre as populações isolados. Em conseqüências disso, as Medidas Mitigadoras propostas não podem ser levadas em consideração, haja vista a falta quase que completa de informações que possam subsidiar a definição de medidas preventivas sérias. Tampouco apresentam soluções plausíveis de responder a gravidade de problemas como aqueles ocorridos em 1985 no Vale do Javari. Não há absolutamente nada previsto no sentido de garantir, por exemplo a não atração dos isolados nos canteiros de obra.
Outro fator mais grave ainda deve ser levado em consideração. Não se detêm hoje dados que permitem certificar que a área de ocupação ou de perambulação dos índios isolados, não perpasse o limite de identificação proposto pela FUNAI. Já ocorreram diversas situações, inclusive em relação à terra dos índios Korubo no Javari, onde foi averiguado, uma vez a terra demarcada, que a sua área de ocupação ultrapassava tais limites.

Diante destas considerações, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira - COIAB, vem, perante o IBAMA, o Governo Federal e o Ministério Público, exigir:

? A não concessão de Licença Prévia do empreendimento pelo IBAMA, em função das enormes deficiências que apresentam o EIA/RIMA, principalmente quanto aos impactos causados sobre as populações indígenas e ribeirinhas e pelo fato de que as normas legais em termos de independência entre o empreendedor e a empresa responsável pelo EIA/RIMA não foram respeitadas;

? A análise mais aprofundada de outras alternativas para a condução do gás natural, assim como a análise de geração de outras alternativas energéticas, que não constam no EIA/RIMA e poderiam representar um custo social e ambiental menor, inclusive para as populações indígenas;

? A revisão dos critérios utilizados para definição de Área de Influência Direta (AID) e de Área de Influência Indireta (AII) que não atendem as normas ambientais e tampouco correspondem à realidade da Amazônia e suas populações, beneficiando unicamente o empreendedor por reduzir a sua responsabilidade na adequação de Medidas Mitigadoras ou compensatória. Isto deverá significar o reconhecimento que as populações indígenas sofrerão um impacto direto, em relação aos quais deverão ser apresentadas Medidas Mitigados para Área de Influência Direta;

? Em conseqüência disto, deverão ser revistas e adequadas as Medidas Mitigadoras propostas que apresentam-se como inadequadas para responder aos impactos a serem causados pelo empreendimento;

? Um novo estudo a respeito da situação de todos os povos indígenas isolados da região, cuja apresentação demonstrou falta total de seriedade por parte da equipe responsável pela elaboração do EIA/RIMA;

? A realização de estudos mais aprofundados a respeito da realidade sócio-econômica e cultural dos povos indígenas atingidos pelo empreendimento, a fim de permitir uma melhor compreensão dos impactos que poderão ser causados a esta população.

Manaus, 20 de março de 2002

Claudio Pereira - Mura
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira - COIAB
Agnelo Wadzatsé
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira - COIAB
Genival de Oliveira - Mayoruna
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira - COIAB
Tomé Fernandes Cruz - Kambeba
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira - COIAB
Antenor Karitiana
Coordenação da União dos Povos Indígenas de Rondônia e Sul do Amazonas
Heraldo Rocha da Silva - Apurinã
Org. dos Povos Indígenas do Médio Purus - OPIMP
Cecílio Corrêa - Mura
Conselho Indígena Mura -CIM
Josué Tavares da Silva- Satere Maué
Org. dos Povos Indígenas do Alto Madeira -OPIAM
Almir Narayamoya - Surui
Coordenação da Organização Indígena Surui- COIS
Francisco Avelino Batista - Apurinã
União das Nações Indígenas do Acre - UNI-Acre
Miguel dos Santos Correa - Munduruku
Conselho Indígena do Tapajós- CITA
José Alberto Peres - Baré
Associação Indígena de Barcelos- ASIBA
Aldemicio Suzana Bastos - Ticuna
Federação das Organizações e Caciques Indígenas da Tribo Ticuna- FOCCITT
Jeferson Dias Ferreira - Mura
Org. dos Povos Indígenas Tenharim, Torá, Apurinã, Mura, Mura Pirahã e Parintintin OPITTAMPP
João Neves Silva - Galibi Maruorno
Associação dos Povos Indígenas do Oiapoque -APIO
Antonio Sarmento - Piná Tembé - Tembé
Assoc. dos Povos Indígenas Tupi do Amapá, Pará e Maranhão -AMTAPMA
Domingos Barreto - Tukano
Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro - FOIRN
Bonifácio José - Baniwa
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira - COIAB

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