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Os outros mundos possíveis

CB, Opinião, p. 11
Autor: GRAJEW, Oded
01 de Mar de 2004

Os outros mundos possíveis

Oded Grajew
Idealizador do Fórum Social Mundial, é diretor-presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social

Pela primeira vez, o Fórum Social Mundial reuniu-se fora do Brasil. Depois de três encontros em Porto Alegre, a quarta edição anual realizou-se na Índia, em janeiro. A grande dinâmica que o evento gerou na Ásia, com expressiva participação de organizações sociais e delegados desse continente, permite afirmar que o Fórum está definitivamente ''mundializado''.

Foram perto de 130 mil pessoas presentes, representando 2.660 organizações de 132 países de todo o mundo. A organização contou com mais de 800 voluntários, incluindo tradutores e intérpretes que trabalharam nas 13 línguas oficiais da reunião - hindi, marathi, tamil, telugu, bengali, malayalam, espanhol, inglês, francês, coreano, bahasa indonésia, tailandês e japonês. Foram organizados 35 grandes eventos, entre painéis, conferências e mesas redondas, e mais de 1.200 seminários, oficinas e reuniões. Durante os seis dias do encontro foram apresentadas 150 peças de teatro de rua e realizado um festival de filmes.

A própria cidade que sediou o Fórum Social Mundial 2004 é um exemplo de que muitos mundos são possíveis, alguns deles tragicamente desiguais. Em Mumbai, capital financeira da Índia, pode-se ver a miséria e a pobreza à flor da pele. Com cerca de 13 milhões de habitantes, a cidade tem perto de um terço de sua população vivendo, literalmente, nas ruas. Em quase toda parte há um forte cheiro de esgoto e não é difícil encontrar pessoas tomando banho em valas a céu aberto. As favelas de lona e bambu marcam a paisagem urbana. As precárias condições em que sobrevivem os ''dalit'' - indianos que fazem parte da casta dos ''intocáveis'' - mostram até onde pode ir o mundo da injustiça e da concentração de renda.

A cada nova reunião do Fórum Social fica mais evidente a falácia dos dogmas difundidos por anos seguidos em Davos, no Fórum Econômico Mundial, que afirmavam não haver saída fora do receituário do Consenso de Washington, apesar dos desastres resultantes das soluções impostas pelo FMI. As centenas de propostas apresentadas em Mumbai revelam que há um outro mundo - de paz, justiça social e desenvolvimento sustentável - que não só é possível, mas urgentemente necessário.

Apesar disso, o Fórum Social Mundial continua a ser acusado de carecer de propostas mais objetivas. Essas críticas tentam transformar uma virtude - o caráter não-deliberativo do Fórum - num defeito insanável. Para tanto, elas precisam ignorar solenemente as inúmeras alternativas apresentadas nos três encontros de Porto Alegre e nas centenas de outros fóruns (continentais, nacionais e locais) já realizados, e que alcançaram na Índia um novo patamar de consistência e maturação.

É pertinente, então, lembrar que a recente proposta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de criação de uma ''CPMF internacional'' para financiar um fundo de combate à fome e à miséria nos países pobres é um desdobramento da idéia da Taxa Tobin, amplamente divulgada nas edições do Fórum Social. A proposta do secretário-geral, Kofi Annan, de reformar e democratizar a ONU, para que ela seja capaz de evitar guerras e de promover o desenvolvimento humano no planeta, também responde a demandas que surgiram no âmbito do Fórum.

Em 2003, o encontro registrou um protesto generalizado contra a guerra que os Estados Unidos já anunciavam contra o Iraque e denunciou a precariedade das provas usadas para tentar justificar a invasão do país. O balanço feito na Índia mostrou a absoluta falta de legitimidade da invasão anglo-americana, que se deu à revelia da própria ONU.

Em Mumbai, o Fórum Social Mundial reafirmou-se como um espaço de discussão de idéias e de articulação de planos de ação capazes de viabilizar as propostas ali formuladas, como a de acabar com os paraísos fiscais, que dão guarida à corrupção em todo o mundo, e que subtraem dos governos imensos recursos que poderiam ser investidos em educação, saúde, moradia e na geração de empregos. Algumas tarefas foram definidas como prioritárias até a edição de 2005, em Porto Alegre, como intensificar a busca de convergências entre entidades e associações, apresentar planos e iniciativas de ação e implementar a formação de parcerias e redes, pois a força do fórum é coletiva e não individual, e o objetivo maior do processo Fórum Social Mundial é tornar realidade sonhos e programas.

A riqueza e qualidade das inúmeras discussões do Fórum Social Mundial e as estratégias de ação aprovadas mostram que cresce rapidamente a parcela do planeta que, além de acreditar que um mundo melhor é possível, anseia para que esse outro mundo seja real. É preciso escolher e agir para que o mundo possível que queremos seja o nosso mundo.

CB, 01/03/2004, Opinião, p. 11

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