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Ordem no garimpo

CB, Brasil, p. 6
26 de Mar de 2007

Ordem no garimpo
Empresas e etnias terão que participar de leilões para explorar o cobiçado subsolo das terras indígenas. Governo quer regulamentar atividade para evitar novos conflitos, como os ocorridos em 2004, em Rondônia

Clarissa Lima
Da equipe do Correio

Três anos após o assassinato de 29 garimpeiros na reserva Roosevelt, em Espigão do D´Oeste, a 543km de Porto Velho (RO), o governo se prepara para enviar ao Congresso Nacional, até o final do semestre, um projeto de lei autorizando a mineração em terras indígenas. O massacre dos garimpeiros revelou o lado mais sangrento da disputa pela riqueza no subsolo das terras indígenas. Eles foram torturados e mortos por índios cintas-larga descontentes com a atuação dos brancos na exploração de diamante. Hoje, apesar da chacina, cerca de 60 não-índios continuam trabalhando em Roosevelt.

A demora na liberação da atividade mineral em terra indígena rendeu ao governo brasileiro, esta semana, um "puxão de orelhas" da Organização das Nações Unidas (ONU). O relator especial da ONU para defesa dos povos indígenas, Rodolfo Stavenhagen, disse que o governo não consegue impedir a invasão das reservas por garimpeiros.

Enquanto a regulamentação não é aprovada, garimpeiros e índios trabalham na ilegalidade, sem proteção nem segurança. Além da proposta a ser enviada ao Congresso, o governo discute a criação de uma lavra garimpeira indígena. Seria uma saída mais rápida para o problema, por meio de autorização específica para as próprias etnias explorarem suas reservas. O aval seria dado pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). "É um instrumento para dar legalidade, enquanto o projeto é discutido no Congresso, e para evitar que estas áreas continuem sendo terra de ninguém", justifica Walter Arcoverde, diretor de fiscalização do DNPM.

O esboço do projeto de lei, a que o Correio teve acesso, prevê regras rígidas para quem estiver disposto a explorar os milhões de hectares de reservas indígenas, que correspondem a 12% do território nacional. A partir deste documento, o governo vai iniciar debates com as lideranças indígenas e empresariais para tentar um consenso em torno da proposta, antes de enviá-la ao Congresso.

Regras duras
A proposta estabelece um longo trâmite burocrático. A disputa pelo terreno será feita por leilão, após o aval de órgãos federais ligados ao tema, como a Funai e o Ministério de Minas e Energia (MME), e a aprovação do Congresso Nacional. Se um dos órgãos vetar, o pedido é engavetado, antes mesmo de chegar aos parlamentares. O leilão seguirá regras parecidas com as adotadas para a exploração de petróleo e gás natural, onde ganha quem pagar a melhor oferta.

Os índios poderão disputar o leilão, sozinhos ou associados com empresas privadas. Mesmo que não explorem, receberão um percentual mínimo de 3% do rendimento brutal arrecadado na exploração, uma espécie de royalties. "Nosso objetivo é que os índios utilizem bem os recursos minerais e que as comunidades usufruam da riqueza extraída do subsolo", explica Carlos Nogueira da Costa Junior, subsecretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do Ministério de Minas e Energia (MME).

Estas regras subvertem a legislação mineral. Atualmente, a concessão de direito para atividade de exploração segue o critério da antigüidade. Ganha o direito de explorar quem primeiro tiver feito o pedido no DNPM. Com o leilão, essa lista de pedidos será extinta e a disputa, zerada. Quem ganhar o leilão, só poderá explorar o mineral estabelecido no edital e por um tempo determinado, ao contrário do que ocorre em outras áreas onde a autorização não tem prazo para expirar. O governo quer evitar que uma empresa peça licença para extrair um produto de baixo valor e, na prática, passe a retirar uma pedra preciosa, por exemplo.

Para a indústria mineral, o endurecimento das regras pode afastar os investidores. Hoje, o intervalo entre o início da pesquisa do subsolo e a extração do mineral é de 10 anos. "Se dificultar mais, iremos limitar este tipo de atividade a um modelo arcaico, que não traz lucro para o país nem para os índios", pondera Paulo Camillo Penna, presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), que reúne as maiores indústrias do país. Os empresários, até agora, não tiveram acesso ao projeto. E reclamam da falta de diálogo, especialmente com o Ministério da Justiça. "Este assunto está fechado em copas", diz Camillo Penna.

Entre os índios não há consenso sobre o projeto. Apesar de também terem poucas informações sobre a proposta, eles defendem que o tema seja incluído no Estatuto dos Povos Indígenas, que patina há 13 anos no Congresso. As comunidades com rico potencial de minério são as que defendem a rápida liberação da exploração.

Extrativismo
Uma vitória das comunidades indígenas nestes três anos de debates foi a liberação para que possam realizar o extrativismo mineral, ou seja, a exploração de forma artesanal. Os índios estarão livres da burocracia da licitação, mas terão que cumprir as mesmas regras hoje adotadas para os garimpeiros em atividade de baixa escala de produção.

A justificativa é de que muitas comunidades retiram minerais - argila, por exemplo - do seu território para o próprio sustento. Mas o projeto também libera que os índios possam retirar diamantes. A área máxima permitida é de 100 hectares. Na prática, o governo vai estar legalizando o que já acontece em regiões ricas em minerais preciosos, como a reserva de Roosevelt e a dos yanomamis.
A autorização para a exploração artesanal será precedida de uma avaliação do DNPM, que vai verificar o potencial da área e determinar o prazo em que os índios poderão manter o trabalho. O minério retirado poderá ser vendido, e a rendarevertida
para os índios.

O que prevê a proposta

O projeto de lei que será apresentado ao Congresso pelo Executivo estabelece regras duras para a mineração em terra indígena. A principal novidade é o leilão para exploração da área. Confira como será o processo:

Qualquer empresa, associação ou o próprio Executivo pode iniciar o processo para receber a autorização para explorar área indígena.
Após o pedido, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) elabora um laudo técnico com o levantamento das potencialidades do local

Se for o parecer for positivo, o processo segue para a Funai, onde é feito laudo antropológico. Se a área for de segurança nacional, como as fronteiras, é preciso ainda a autorização do Conselho de Defesa Nacional

A partir deste aval, o Executivo envia o pedido para votação do Congresso

Em seguida, é feita o leilão. O vencedor só poderá explorar o minério que foi autorizado. Ou seja, quem pedir para retirar calcário não pode explorar diamante. Terá ainda que obter as licenças ambientais junto ao Ibama.

O mínimo de 3% do rendimento bruto com exploração será repassado aos índios da localidade, além do pagamento pelo uso da área, entre R$ 2 e R$ 4 por hectare

É permitido o extrativismo indígena, ou seja, a retirada artesanal de minério pelas comunidades, em uma área de, no máximo, 100 hectares. Neste caso, os índios não precisam de autorização do Congresso nem de licitação

Um fortuna incalculável

Os 12% do território nacional que pertencem aos índios escondem um tesouro ainda incalculável. Por serem reservas, as áreas nunca foram alvo de estudos geológicos que comprovassem quais tipos de minérios escondem e em qual quantidade. O que se tem hoje são projeções de que existam riquezas a partir do tipo de rochas encontradas em áreas vizinhas. "Os conflitos mostram que há um grande potencial", afirma Paulo Camillo Penna, presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).

Na reserva Roosevelt, em uma área de 2,7 milhões de hectares, quase o tamanho da Bélgica, pode estar uma das maiores minas de diamante do mundo. Uma fortuna que alguns arriscam seria de US$ 3,5 bilhões. Em 2004, logo após o massacre de 29 garimpeiros, o governo federal autorizou a venda do diamante retirado ilegalmente na área. Foi montado um posto da Caixa Econômica Federal (CEF) na reserva para recolher as pedras. E o resultado surpreendeu os técnicos. Os índios arrecadaram R$ 700 mil com a venda do minério que tem qualidade comparável aos retirados na África, considerados os melhores do mundo.

Apesar do desconhecimento sobre as potencialidades geológicas, o que não faltam são interessados no subsolo ocupado pelos índios. Até os anos 90, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) já tinha catalogado 5.970 pedidos de empresas para explorar as reservas. Pouco mais de 70% são para retirar ouro e diamante, minerais ricos no norte da Amazônia. Nesta disputa estão gigantes como a Companhia Vale do Rio Doce.

Além de Roosevelt, outras áreas que atraem grande interesse da iniciativa privada são a Reserva Yanomami, com mais de 700 pedidos de pesquisa já protocolados, e as regiões do Alto Rio Negro (AM), Mundurucu (PA, AM e MT) e Baú (PA). Todas ficam na Amazônia Legal.
Em Roraima, a existência de ouro e de diamante na reserva da Raposa Serra do Sol transforma a região em outro foco de conflito entre garimpeiros e índios. A liberação da mineração nas reservas indígenas vai permitir que, pela primeira vez, se façam estudos geológicos nestas regiões. Hoje, os técnicos do DNPM são proibidos de entrar ou sobrevoar estas áreas. (CL)

CB, 26/03/2007, Brasil, p. 6

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