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O povo sabe, mas o governo resiste

O Globo, Opinião, p. 7
Autor: PESCE, Jorge
17 de Fev de 2007

O povo sabe, mas o governo resiste

Jorge Pesce

O Ibope divulgou, recentemente, os resultados de pesquisa realizada em todas as regiões do país, por encomenda da ONG ambientalista WWF-Brasil, sobre a percepção e atitude dos brasileiros em relação aos problemas do meio ambiente, mais especificamente ao uso da água.
Da pesquisa, destacamos a percepção espontânea de 10% da população brasileira de que o lixo é um dos nossos três principais problemas ambientais. Considerando que a poluição das águas, indicada por mais de 50% dos entrevistados como o principal problema ambiental brasileiro, é, em grande parte, causada pela destinação incorreta do lixo urbano, concluímos que o lixo é o grande vilão do meio ambiente em nosso país.
A pesquisa demonstra haver um quadro de consciência popular para a necessidade de medidas urgentes por parte das autoridades. O fato contrasta com a morosidade da tramitação no Congresso da legislação de resíduos sólidos, que desde o início da década de 90 teima em não ser aprovada.
São dezenas de projetos de leis que vão se acumulando, sem que saibamos qual a atualidade técnica de suas propostas.
Nestes mais de 15 anos de tramitação, os problemas ambientais foram-se agravando, com destaque para a crescente ameaça às reservas de água potável e para o aquecimento global.
Neste mesmo período, as tecnologias de tratamento e destinação final de resíduos também evoluíram sobremaneira.
Uma solução muito defendida em passado recente - os aterros sanitários - é hoje evitada sempre que possível. Além do risco de contaminação das águas, sempre presente ainda que o aterro seja concebido dentro da melhor técnica, há as inevitáveis emanações do biogás resultante da degradação da matéria orgânica ali depositada, composto por cerca de 50% de gás metano, 21 vezes mais prejudicial ao aquecimento global do que o CO2. Na Europa, a proibição do envio de matéria biodegradável para os aterros é uma das principais metas de redução das emissões dos gases estufa. Mesmo as melhores técnicas de captação do biogás de aterro para geração de energia não obtêm eficiência superior a 70%.
Por outro lado, uma rota tecnológica muito criticada no final dos anos 80 aproveitou forte evolução técnica durante os anos 90 e hoje representa o que há de mais moderno em termos de destinação final dos resíduos urbanos: o tratamento térmico do lixo com geração de energia. Mais de 130 milhões de toneladas de lixo por ano são utilizados como combustível para geração de energia, em centenas de usinas espalhadas pelo mundo, totalizando potência instalada equivalente a uma Usina de Itaipu.
A Convenção de Estocolmo sobre poluentes persistentes (2001) relaciona o tratamento térmico dos resíduos urbanos entre as "melhores técnicas disponíveis e melhores práticas ambientais", desde que atendidos preceitos técnicos básicos: combustão dos resíduos em elevada temperatura e tempo de residência adequado, sistemas fechados e a purificação dos gases/vapores.
Um documento do ministro do Meio Ambiente da Alemanha de 2005 afirma que se a mesma quantidade de energia elétrica e térmica gerada atualmente naquele país a partir do lixo urbano fosse gerada por suas centrais de geração de energia tradicionais haveria três vezes mais quantidade de tóxicos no ar.
O Brasil é um dos poucos signatários da Convenção de Estocolmo que, mesmo possuindo tecnologia nacional desenvolvida de acordo com as recomendações da Convenção, ainda não dispõe de nenhuma instalação de tratamento de resíduos urbanos com geração de energia em operação comercial.
Surpreendentemente ainda há resistências, dentro e fora do governo, às tecnologias modernas de destinação final de lixo já consagradas no mundo.
Os argumentos são, geralmente, ambientais, embora tenhamos legislação específica bastante recente (2002) e adequada à realidade brasileira. O desejo, imagino bem intencionado, de possuirmos uma legislação ambiental ótima, acaba por manter imutável o quadro de destinação incorreta do lixo, com o qual, segundo a pesquisa Ibope/ WWF, a população em geral já não concorda.

Jorge Pesce é engenheiro químico.

O Globo, 17/02/2007, Opinião, p. 7

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