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O mundo espera que o Brasil apresente soluções para o meio ambiente

O Globo, Sociedade, p. 21
Autor: TEIXEIRA, Izabella
26 de Dez de 2017

'O mundo espera que o Brasil apresente soluções para o meio ambiente'

Entrevista Izabella Teixeira
Ex-ministra, agora integrante de painel da ONU, afirma que 'rearranjo político global' exige que o país procure parcerias internacionais e novos modelos de gestão no governo

POR RENATO GRANDELLE
26/12/2017 4:30 / ATUALIZADO 26/12/2017 14:26

RIO - A cooperação sobre uso da terra entre Brasil e China será uma das prioridades do Painel dos Recursos Naturais da ONU Meio Ambiente, afirma a ex-ministra Izabella Teixeira, que assumiu recentemente a copresidência do órgão. Em entrevista ao GLOBO, ela diz que o governo precisa procurar parceiros para proteger unidades de conservação e atrair iniciativa privada e sociedade civil para o combate às mudanças climáticas.

Como foi firmada a parceria entre Brasil e China?
Quando eu era ministra do Meio Ambiente, durante a Conferência do Clima de Paris, o Brasil fez um acordo bilateral com a China. Queríamos desenvolver projetos nas área de recursos naturais, biodiversidade e mudanças climáticas. Agora, eles mantêm um grande projeto de reflorestamento, o que é fundamental para reduzir a emissão de gases de efeito estufa no mundo. Falaremos, a partir de janeiro, sobre temas como a recuperação de áreas verdes e o uso do solo, porque nossa produção de alimentos desperta interesse. Esta parceria é parte de um rearranjo político global.

A senhora deixou o governo federal e se tornou representante das Nações Unidas, um organismo multilateral. Está satisfeita com a forma como as discussões ambientais ocorrem no mundo?
É interessante perceber que, até hoje, vivemos a herança da Rio 92. Na década de 1990, tivemos uma série de conferências que ofereciam um projeto humanista para o século XXI. Começou em 1992, quando falamos de sustentabilidade. Nos anos seguintes, tivemos encontros especificamente para discutir os direitos humanos, as questões de gênero, os assentamentos urbanos. E o clima e o desenvolvimento sustentável aos poucos tornaram-se uma questão global. O futuro nunca foi tão incerto, e a nova geração consegue usar as tecnologias para se remodelar a cada dia, mas não escapamos da crise ecológica. Mantendo o atual modelo econômico, não haverá recursos naturais para todos, o que acentuará a desigualdade social. Hoje, um terço da comida produzida no mundo é desperdiçada. Precisamos reduzir esta taxa, proteger as florestas, restaurar áreas degradadas.

E qual é o papel do Brasil?
Temos um papel muito importante na agenda internacional. O mundo espera que o Brasil apresente soluções para o meio ambiente. Hoje, usamos menos de 10% de nosso território para produzir alimentos. Podemos diminuir este espaço e, consequentemente, o desmatamento. Com a vegetação, absorvermos gases de efeito estufa. É o modelo ideal. E uma forma de reduzirmos riscos cada vez mais frequentes. A crise hídrica ocorrida entre 2014 e 2016 em São Paulo foi a maior em 54 anos. Nenhum modelo matemático previa isso. É um exemplo do período de como o meio ambiente nos empurra para um cenário de vulnerabilidade e incerteza, que está entrando na política. Trabalhei 32 anos no governo, dei minha contribuição. Os acertos são de todos e os erros são meus, mas acho que a sociedade deve se posicionar.

E como isso pode ser feito?
Enfrentando a criminalidade, que se manifesta de várias formas, como o desmatamento, o tráfico e a informalidade. Não devemos falar sobre jeitinho brasileiro. Em vez disso, precisamos dar oportunidades para os produtores rurais, porque em suas terras há mais de 100 milhões de hectares de vegetação nativa que deve ser preservada. Devemos consultar os indígenas sobre o que fazer em seus territórios. Aceitar que vivemos em um país assimétrico, com diferentes históricos e formas de ocupação. Não vamos resolver os problemas do Cerrado paulista na mesma hora que as falhas na Mata Atlântica em Pernambuco. Nós temos a maior reserva de recursos naturais do planeta. Para usá-la, é necessário enfrentar problemas estruturais. Por exemplo, a Lei de Recursos Sólidos demorou 21 anos para ser aprovada no Congresso, e ainda não temos todos os mecanismos para implementá-la - é uma miopia, porque deixamos de desenvolver indústrias, gerar empregos e conter o impacto ambiental nas atividades econômicas. Além do governo, a área ambiental exige o engajamento da população e do setor privado. Você não vai resolver todos os problemas sentado num gabinete. Os órgãos ambientais não dão conta de todas as demandas.

A senhora pode dar um exemplo?
Sim, nós temos unidades de conservação na Amazônia do tamanho de países. Quantos funcionários do governo são necessários para monitorar o parque? Nem um batalhão do Exército daria conta. Precisamos de cogestores, e isso implica mudar a lei, negociar e captar dinheiro para criar uma nova economia. Só que as pessoas não querem isso. Aí vão para a Europa e elogiam as hidrovias. Poderíamos fazer algo parecido aqui. Mas, em vez disso, ficamos com trauma de colonizados.

Quais foram suas maiores frustrações à frente do ministério?
Uma delas é o fato de que a pasta tem quatro sistemas nacionais - para meio ambiente, recursos hídricos, florestas e unidades de conservação - que não conversam entre si. É uma esquizofrenia institucional, e o ministro fica desesperado tentando juntar todo mundo. Para fazer a concessão de parques, precisa mudar a lei, e não dá para jogar isso no Congresso, que tem um forte teor anti-ambiental. É difícil conseguir consensos, porque é preciso credibilidade, e isso você perde em um estalar de dedos. A segunda frustração é a distância que existe entre o que você quer e o que o sistema permite fazer. Às vezes, para implementar um projeto, precisamos de acordos com outros ministérios, e isso não se restringe a assinar um memorando. Um órgão acaba não aproveitando os dados que são disponibilizados pelos outros: informações estratégicas como os locais de conflito de terra ou vulnerabilidade hídrica.

E suas principais conquistas?
Sem dúvida, o Acordo de Paris (em 2015). Até porque foi o Brasil que pediu o início das negociações, quatro anos antes. Tenho muito orgulho das metas que assumimos para reduzir a emissão de gases de efeito estufa, das ações que tomamos internacionalmente para manter os princípios da Rio 92. E também me orgulho do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Assim, nós entendemos as várias questões do país, vimos que discutir a Amazônia não é o mesmo que falar sobre um agricultor em Santa Catarina. Abrimos discussões que mantiveram áreas de preservação permanente. Havia uma bancada que queria destruir as dunas no Nordeste para construir hotéis. Foi um aprendizado enorme sobre negociação política, para o bem e para o mal. Eu me lembro das angústias, de pessoas que entravam no meu gabinete acertando um trabalho e, na saída, metendo o pau para aparecer na mídia.

Sua vida pública no Brasil acabou?
Completamente. Vou seguir trabalhando com relações internacionais. No Brasil, não tenho ambição política nem para ser síndica.

E a senhora avalia a atual gestão ambiental, diante de polêmicas como a tentativa de reduzir unidades de conservação e isentar petrolíferas de impostos?
Eu me dou muito bem com o (ministro do Meio Ambiente) Sarney (Filho). Quando você senta naquela cadeira do ministério, você tem que reaprender tudo o que você acha que sabe. Mas percebo sinais que indicam desprestígio na área ambiental, a partir do momento em que posições de confiança, como a direção da Agência Nacional de Águas, são entregues a barganhas políticas. Talvez o meio ambiente seja visto como "criador de casos". Criamos parques com regularização fundiária na Amazônia, e agora o Congresso quer "descriar". O decreto que extinguiria a Reserva Nacional de Cobre também foi um sinal de fragilidade para o meio ambiente, mas o ministério resiste.

O Globo, 26/12/2017, Sociedade, p. 21

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