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O bem pela raiz

CB, Brasil, p.18
04 de Abr de 2004

FITOTERÁPICOS
Embora tenham eficiência comprovada em muitos casos, remédios naturais ainda passam à margem do conhecimento da maioria dos médicos brasileiros
O bem pela raiz

MARIA CLARICE DIAS
DA EQUIPE DO CORREIO
O país com a maior biodiversidade do mundo é um dos que menos estuda a eficácia das plantas como remédio. Além disso, médicos brasileiros mal conhecem os efeitos dos medicamentos naturais. Na Alemanha, por exemplo, os fitoterápicos estão em 30% das receitas médicas. No Brasil, esse total não chega a 5%. A fitoterapia é um dos pouquíssimos casos em que a ciência se dobra, sem constrangimento nenhum, ao conhecimento de curandeiros - 74% das dicas dos indígenas e ancestrais sobre a aplicação das flores, raízes e frutos para tratar de problemas de saúde mostram-se cientificamente eficazes.
A questão é que, entre esses com efeitos comprovados pela ciência, pouquíssimos são brasileiros. Em março, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) dobrou o número de plantas que, por possuírem vasta literatura científica, têm uma tramitação mais simples para receber registro e entrar no mercado.
Eram 17, agora são 34. E dessas 34, menos de cinco são nativas. "De fato, faltam estudos sobre as plantas brasileiras", reconhece o químico e técnico de registro da Anvisa Edmundo Machado Neto. Mesmo com as comprovações científicas, o médico brasileiro não está habituado a recomendar tratamentos mais tradicionais.
Fora do currículo , .
Uma das explicações para essa falta de hábito dos nossos doutores é a absoluta ausência da disciplina que aborde o
uso de plantas medicinais nos currículos das faculdades de Medicina e Enfermagem. Os médicos não têm como receitar aquilo que não aprenderam para que serve. "Apenas 30% dos cursos de Agronomia incluem os fitoterápicos como disciplina no currículo", explica a agrônoma e representante da rede latino-americana de plantas medicinais, Fátima Chechetto.
O Ministério da Saúde montou um grupo de discussão para elaborar uma
Política Nacional de Medicina Natural e Práticas Complementares. A idéia do governo é disponibilizar os tratamentos de fitoterapia, homeopatia, acupuntura e medicina antroposófica para pacientes que usam o Sistema único de Saúde.
No caso específico da fitoterapia, um dos focos é utilizá-la como parte da política de assistência farmacêutica - o projeto é conhecido como Farmácia Viva. Pelo alto risco de intoxicação de algumas plantas medicinais, o Ministério vai treinar agentes do programa de Saúde da Família para ensinarem a população a usar corretamente os fitoterápicos.
"Não podemos controlar aquilo que a população planta no quintal. Mas, já que o fitoterápico está disponível na natureza, nossa intenção é orientar o uso correto", explica Maria José Martins de Souza, coordenadora-geral de suporte às ações de assistência farmacêutica do ministério. "Não é verdade dizer que o que é natural não faz mal. Vamos fornecer informação, e não auto-medicação."
O plano em elaboração no governo deve entrar em consulta pública até junho. O grupo criado está em fase de definir quais plantas serão estudadas com mais afinco e, principalmente, quais têm fundamento científico suficiente para serem utilizadas no Sistema único de Saúde.
Também está em estudo a questão agrícola. A equipe de Saúde estuda, junto com o Ministério da Agricultura, os fitoterápicos que podem incentivar a produção agrícola e também levar renda aos camponeses.
Estudos da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que cerca de 80% da população brasileira depende das plantas medicinais para se curar. Na maioria das vezes, porque a dica do mais velho. ou do vizinho sai mais em conta que a consulta médica e o medicamento sintético vendido nas farmácias.
O alto índice pegou de surpresa a instituição internacional, que pediu ao Brasil para insistir nas pesquisas dos fitoterápicos, para aumentar a segurança da saúde da população.
Um dos principais impedimentos para desenvolver estudos com os fitoterápicos é econômico. Por sua raiz popular e utilização ancestral, a planta medicinal não pode ser de propriedade de nenhuma empresa. Bem diferente dos remédios sintéticos. Por força da legislação, esses são pesquisados intensamente, e só são usados depois de anos de estudos.
Quando chegam ao mercado, o preço deles é exorbitante, mas os médicos e a população costumam pagar caro por aceitar melhor aquilo que a ciência ocidental apresenta como eficaz, com estudos metodológicos rígidos. Pior para o país, que tem potencial para ter soberania na área de remédios se estudasse a natureza que tem com afinco.

TÚNEL DO TEMPO
O papiro de Ebers, um pergaminho datado do século XVI, encontrado nas ruínas do Antigo Egito, contém 877 receitas de medicamentos, nas quais constam espécies medicinais até hoje usadas, como a babosa, sene, funcho, óleo de rícino e tomilho.

OS MAIS RECONHECIDOS
A Anvisa listou 34 medicamentos que têm vasta literatura científica e que, por isso, recebem registro em processo simplificado. São eles:
Castanha da índia, alho, babosa, uva-ursi, calêndula, centela, cimicífuga, alcachofra, equinácea, ginkgo, hipérico, camomila, espinheira-santa, erva-cidreira, hortelã-pimenta, ginseng, maracujá (passiflora),,guaraná, boldo, erva-doce, kava-kava, cáscara sagrada, salgueiro branco, sene, saw palmetto, confrei, tanaceto, gehgibre, valeriana, guaco, hamamelis, polígala, eucalipto e arnica montana.
ESPINHEIRA SANTA
(Maytenus ilicifolia)
Parte usada: toda a planta, principalmente as folhas
Uso popular: contra úlcera, dor no estômago, gases, fermentação, dores, vômitos, náuseas.A planta é laxante, diurética e analgésica
Efeitos colaterais: pode haver redução da produção de leite materno
CHAPÉU DE COURO
(Echinodonus grandflorus)
Parte usada: folhas
Uso popular: contra reumatismo, alergia, psoríase, sífilis, calor de figo, estômago, feridas, problemas nos rins, hérnia, problemas na pele
Efeitos colaterais: não descritos
PRÓPOLIS
(obtido de várias plantas)
Parte usada: toda a resina
Uso popular: em caso de uso externo, tem efeito antiinflamatório, cicatrizante e antimicrobiano. É indicado para tratamento de queimaduras, escoriações, abscessos e outros ferimentos infectados Efeitos colaterais: podem surgir reações alérgicas
ROMÃ
(Punica granatum)
Parte usada: cascas do fruto, do caule, raízes e sementes
Uso popular: contra infecção do útero e ovário, problemas de próstata, diarréia, infecção da garganta, gengivas inflamadas, cólicas intestinais, disenterias, problemas no estômago, febre, hepatite e vermes. Para cada problema, é usada uma parte específica da planta
Efeitos colaterais: como atua sobre o sistema nervoso central, pode provocar paralisação dos nervos motores e, em casos extremos, morte por asfixia. Há registros de intoxicação seguida de morte com a ingestão de 150g do pó da casca da raiz. Deve ser usada com cautela por mulheres no primeiro trimestre de gestação
GUAÇATONGA
(Casearia sylvestris)
Parte usada: folhas
Uso popular: é diurético, também usado para emagrecimento, circulação, e contra pressão alta, reumatismo, doenças da pele, inchaço nas pernas, sífilis, herpes, úlcera, picada de cobra, febre e diarréia
Efeitos colaterais: pode ser abortiva. Há relatos de pessoas que têm problemas de pressão baixa reclamarem de tontura e escurecimento da visão
GENGIBRE
(Zingiber officinale)
Parte usada: rizomas e folhas
Uso popular: contra flatulência, cólica intestinal, asma brônquica, amidalite, rouquidão, tosse, nevralgias, reumatismo. O óleo da raiz também é muito utilizado para massagens
Efeitos colaterais: em casos de cálculos biliares, só deve ser usado com orientação médica. Se aplicado na pele, pode provocar queimaduras
ARRUDA
(Ruta groveolens)
Parte usada: toda a planta, principalmente folhas
Uso popular: contra conjuntivite, sarna, piolhos, micoses nas unhas, varizes, hemorróidas, inflamação dos olhos Efeitos colaterais: o uso interno é desaconselhável, por sua toxicidade.A ingestão excessiva pode causar hemorragias, congestão uterina, violenta inflamação gastrointestinal, vertigens, tremores, convulsões graves e até morte. Não deve ser usada por grávidas, pois é abortiva
BARBATIMÃO
(Stryphnodendron barbadetiman) Parte usada: cascas do caule
Uso popular: contra câncer no útero, frieira, corrimento, úlcera, tosse, asma, bronquite, hemorragia uterina
Efeitos colaterais: pode afetar o sistema nervoso central, o sistema respiratório e o trato gastrointestinal
BABOSA
(Aloe vera)
Parte usada folhas, polpa e seiva
Uso popular: contra tumores, problemas no fígado, queimaduras, eczemas, erisipela, queda de cabelo, inflamações, hemorróida, estimulante da menstruação e fortalecedor e alisante de cabelos.
Efeitos colaterais: a ingestão da planta pode causar nefrite. Não deve ser usada contra varizes, apendicite, disenterias e cistite
ERVA-DE-SANTA-MARIA
(Chenopodium ambrosioides)
Parte usada: folhas, sementes e raizes
Uso popular: como inseticida.As sementes são vermífugas, digestivas. As raízes frescas são usadas no tratamento de reumatismo e em contusões. Não deve ser ingerida Efeitos colaterais: o óleo é bastante tóxico para rins e fígado.Tem ainda ação depressora sobre os aparelhos circulatório e respiratório. Devido a essa toxicidade, o Ministério da Saúde proibiu a produção de medicamentos à base dessa planta

CB, 04/04/2004, p. 18

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