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Novo relatório da PEC 215 pode ser votado amanhã sob suspeita de ter sido elaborado pela CNA

ISA- http://www.socioambiental.org
02 de Dez de 2014

Na tarde desta quarta (3/12), pode ser votado numa Comissão Especial da Câmara o novo relatório da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215. Segundo diálogos gravados pelo Ministério Público Federal (MPF) e Polícia Federal (PF), o projeto teria sido elaborado por um suposto funcionário da maior organização de produtores rurais do País ao custo de R$ 30 mil.

Osmar Serraglio (PMDB-PR) incluiu uma série de novas restrições aos direitos indígenas em novo relatório
Em ligação interceptada legalmente, em agosto, Sebastião Ferreira Prado, líder da Associação de Produtores Rurais de Suiá-Missu (Aprossum), menciona a intenção de pagar a quantia a um assessor da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) para produzir o novo parecer da PEC 215.

A proposta transfere do Executivo para o Congresso a tarefa de aprovar a oficialização de Terras Indígenas (TIs), Unidades de Conservação e territórios quilombolas. Por causa da força ruralista no parlamento, na prática vai significar a paralisação definitiva da formalização dessas áreas.

"O cara que é relator, o deputado federal que é o relator da PEC 215, quem tá fazendo pra ele a relatoria é o Rudy, advogado da CNA, que é amigo e companheiro nosso", diz Prado nas conversas gravadas. "Esse trem custa 30 conto. Eu dei cinco conto, o Navo vai dar cinco, precisa arrumar 20 conto de hoje pra amanhã, que essa semana vai ficar pronto esse trem", afirma.

Nas gravações, ele diz que o pagamento para a elaboração do relatório serviria para "colocar as coisas de interesse nosso" e informa ainda que seria coordenador da campanha do então candidato à Presidência Aécio Neves (PSDB-MG) (ouça o áudio).

"Rudy" seria o advogado Rudy Maia Ferraz, que foi consultor da bancada ruralista, até o início deste ano, e, segundo a assessoria da CNA, funcionário da organização até agosto de 2013. "Não sou advogado do produtor rural", afirmou ao Correio Braziliense, em agosto. Ele disse ao jornal que presta "serviços jurídicos a entidades representativas do setor produtivo rural, que atuam em estreita sintonia" com a bancada ruralista (veja aqui).

"A entidade tão somente enviou parecer técnico favorável à PEC. O parecer foi elaborado pela Superintendência Técnica da CNA, depois de o referido assessor já ter deixado o quadro de funcionários da Confederação", diz nota da assessoria da CNA enviada ao ISA.

Prado foi investigado e ficou preso por mais de dois meses por seu envolvimento com uma quadrilha que promovia invasões à Terra Indígena Marãiwatsédé, no nordeste de Mato Grosso. Segundo o MPF, o grupo recebia recursos de outros Estados e apoiaria ações semelhantes na Bahia, Paraná, Maranhão e Mato Grosso do Sul.

Apesar de ressalvar que o lobby seria atividade normal, o juiz federal Paulo Cézar Alves Sodré, que decidiu prender Prado, destacou que o meio supostamente usado para influenciar o relator da PEC seria indevido. "O fato de o relatório da PEC 215/2000 ter sido, supostamente, 'terceirizado' para a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), representa, a princípio, um desvirtuamento da conduta do parlamentar responsável pela elaboração da PEC, eis que a CNA é parte política diretamente interessada no resultado da mencionada PEC", argumenta Sodré em sua decisão (saiba mais).

Substitutivo

Da prisão de Prado, em 7/8, até a semana retrasada, a única movimentação na tramitação da PEC 215 foi a apresentação pelo relator, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), de um substitutivo, muito diferente da proposta original, com restrições ainda mais drásticas aos direitos indígenas. O fato aumenta a suspeita sobre a participação direta da CNA na elaboração da proposta.

O novo parecer adota a data de promulgação da Constituição (5/10/1988) como "marco temporal" para comprovar a posse indígena, ou seja, a comunidade teria direito à terra se puder demonstrar sua ocupação nessa data. Também veda ampliações de TIs; exige que as demarcações tramitem no Congresso como qualquer projeto, com a diferença de que deve ser de iniciativa do Executivo; abre as TIs à exploração do agronegócio, por meio de arrendamentos; e exige a participação de estados e municípios nas demarcações, entre outras limitações.

Algumas das propostas são inspiradas no acórdão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o caso da TI Raposa-Serra do Sol, de 2009, e em decisões recentes da corte nele baseadas. O problema é que ainda há divergências no STF sobre a aplicação da decisão de 2009 a outros casos.

"O Congresso está usando decisões do STF para ir muito além do que a corte decidiu. O STF nunca referendou conceder ao Congresso a atribuição de demarcar Terras Indígenas, por exemplo", alerta Márcio Santilli, sócio fundador do ISA.

A PEC tem tramitação complexa: se for aprovada na comissão especial, segue para os plenários da Câmara e do Senado, onde precisa ser aprovada por dois terços dos parlamentares, em dois turnos de votação.

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, e a própria presidente Dilma Rousseff já manifestaram-se contra o projeto. O presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), disse que ele não seria votado sem acordo.

Diante das dificuldades, a PEC vinha sendo usada como meio para pressionar o governo a mudar por si mesmo o procedimento de demarcação. Uma proposta com esse objetivo está na gaveta de Cardoso há meses: ela cria uma série de obstáculos às demarcações ao incluir nos processos ministérios e órgãos auxiliares, como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

Com base nas decisões recentes do STF, no entanto, os ruralistas decidiram dar novo fôlego à PEC. Pelo menos sua aprovação na comissão especial parece mais viável diante da maioria absoluta da bancada do agronegócio no colegiado e do clima tenso entre Planalto, base aliada e oposição neste fim de ano.

PL de regulamentação da Constituição

Para tentar aproveitar esse clima, os ruralistas pretendem aprovar ainda, também na quarta e quase no mesmo horário, o Projeto de Lei Complementar do Senado (sem no) que regulamenta o parágrafo 6o do artigo 231. A proposta tramita numa Comissão Mista e pretende excluir das demarcações áreas com atividades e projetos econômicos, como fazendas e linhas de transmissão (leia projeto). O projeto é de autoria do senador Romero Jucá, (PMDB-RR), um dos mais notórios adversários dos direitos indígenas.

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