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MPF entra com habeas corpus em defesa de indígena impedida de ser cacique por decisão judicial em Tomé-Açu (PA)

MPF - https://www.mpf.mp.br/
14 de Mar de 2024

MPF entra com habeas corpus em defesa de indígena impedida de ser cacique por decisão judicial em Tomé-Açu (PA)

Medida viola o direito à livre organização do povo Tembé Tenetehara, apontam procuradoras e procuradores da República

O Ministério Público Federal (MPF) pediu à Justiça a anulação urgente de decisões judiciais que determinaram a prisão preventiva de uma indígena e a proibiram de cumprir a função de cacique. O pedido de habeas corpus foi feito nesta quarta-feira (13) ao Tribunal de Justiça do Pará (TJPA), contra decisões tomadas pelo juízo criminal de Tomé-Açu, no nordeste do estado.

Além de a decisão de prisão da cacica Miriam Tembé ter sido ilegal, a decisão seguinte - que relaxou a prisão e impediu a liderança de seguir na função de cacique - também violou diversas normas constitucionais, convencionais e legais, segundo procuradoras e procuradores da República que atuam no Pará.

Segundo o MPF, essa medida judicial afronta a livre organização do povo Tembé Tenetehara, privando os demais indígenas de terem Miriam Tembé como liderança e cacique da sua aldeia.

Ilegalidades e violações - Na ação de habeas corpus, o MPF descreve, em detalhes, normas e direitos que considera terem sido violados nas decisões judiciais:

omissão e falta de indicação de requisitos para a prisão;
inexistência de conduta que justificasse a prisão;
insuficiência de fundamentação para a necessidade de prisão preventiva;
falta de indicativo de que a liberdade da indígena representaria ameaça à ordem pública;
inexistência de indícios de que Miriam Tembé evitaria participar da instrução criminal (fase processual penal destinada a deixar o processo em condições para o julgamento);
violação à livre organização das comunidades indígenas, representada pelo afastamento de uma liderança indígena do exercício da função de cacique e pela restrição de sua locomoção e convívio com os demais integrantes da aldeia, por meio de uma decisão judicial;
desrespeito à autodeterminação e à auto-organização, que estão entre os direitos coletivos mais fundamentais do regime constitucional e internacional de direitos indígenas;
punição de caráter coletivo representada pelo afastamento da indígena da condição de cacique, o que viola o princípio constitucional da intranscendência penal;
desrespeito aos costumes e às características econômicas, sociais e culturais do povo Tembé Tenetehara;
não cabimento de imposição obrigatória, por meio de decisão judicial, que determine mudanças na estrutura social indígena.

Criminalização sistemática - Para o MPF, a prisão manifestamente ilegal da cacica Miriam Tembé está dentro de uma sistemática de criminalização de lideranças indígenas existente no município de Tomé- Açu, no contexto do conflito entre o grupo empresarial Brasil BioFuels (BBF) e os indígenas Tembé.

A ação de habeas corpus registra que a prisão não deve ser vista isoladamente, mas sim examinada considerando as especificidades e o caráter multifatorial da demanda que expõe uma crescente onda de violência contra os indígenas Tembé na região, paralelamente ao avanço dos grandes empreendimentos na localidade.

"Nesse sentido, ao analisar a decisão judicial que decretou a prisão ilegal, bem como a decisão que estabeleceu posteriormente as medidas cautelares diversas da prisão, evidencia-se implicitamente o objetivo de isolar a Cacica Miriam Tembé das decisões, orientações, organização e representação de sua própria comunidade", registram os autores e autoras da ação.

Vulnerabilização de um povo - O MPF alerta, na ação, que a decisão judicial coloca em situação de vulnerabilidade o povo Tembé Tenetehara frente ao conflito contra as grandes empresas de dendeicultura no município de Tomé-Açu, tendo em vista a imposição da ausência de uma forte liderança local.

"Afastar uma liderança indígena da função de cacique não é o mesmo que afastar, por exemplo, um prefeito ou governador do cargo. A liderança indígena, enquanto investida na função de cacique, representa e sustenta toda estrutura organizacional da etnia, e, em algumas situações, é a única referência dentro da estrutura social e política de uma etnia que luta junto aos órgãos e instituições por regularização fundiária, melhorias na saúde e educação, dentre outros direitos básicos", ressalta o MPF.

Nesse sentido, quando uma decisão judicial afasta uma indígena dessas funções, consequentemente coloca em risco os direitos coletivos da comunidade indígena como um todo, uma vez que provavelmente não haverá outro indígena para ocupar essas mesmas funções de forma urgente ou mesmo a médio prazo, destacam os autores e autoras da ação.

Habeas corpus - Habeas corpus é uma ação para assegurar a liberdade de locomoção, quando violada ou ameaçada de violação por ilegalidade ou abuso de poder.

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