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A Lei da Mata Atlântica: e agora?

FSP, Tendências/Debates, p. A3
Autor: FELDMANN, Fábio
13 de Dez de 2006

A Lei da Mata Atlântica: e agora?

Fabio Feldmann

Espera-se que a Lei da Mata Atlântica surja para ser cumprida, como sinal de esperança para nós e para as futuras gerações
Há praticamente 20 anos, foi criada a Fundação SOS Mata Atlântica, revelando a preocupação com um dos biomas mais importantes do planeta do ponto de vista da sustentabilidade, quer pela importância de sua biodiversidade, quer pelos serviços ambientais por ela prestados ao povo brasileiro.

Nesses 20 anos, muitas conquistas foram obtidas no campo ambiental. A própria mata atlântica se tornou objeto de afeto dos brasileiros, o que se revela em manifestações diárias na mídia e na venda de empreendimentos imobiliários. Na Constituição de 1988, a mata atlântica foi considerada "patrimônio nacional", cujo uso ficou dependente de legislação definidora de regras claras quanto a sua definição legal, bem como quanto a sua utilização, de modo a assegurar aos brasileiros de hoje e de amanhã a possibilidade de seu usufruto perene.

Como conseqüência, em 1992 foi proposto o projeto de lei regulamentador da Constituição, ainda no calor da Conferência do Rio, que marcou o início do século 21, que consagrou o conceito do desenvolvimento sustentável. Esse ambiente de entusiasmo fez com que se subestimassem as dificuldades enfrentadas pelo projeto, cuja tramitação no Parlamento demandou 14 anos, com o apoio decisivo dos deputados Luciano Zica, Jaques Wagner e Zequinha Sarney.

Em um primeiro momento, se quis restringir à proteção legal a porção da mata que recobre a serra do Mar, deixando o restante à mercê da especulação imobiliária, como se os problemas urbanos do país se devessem à ausência de disponibilidade de terras para atender as demandas habitacionais.
Até 2003, a grande resistência ao projeto de lei se concentrou nessa discussão, ou seja, praticamente uma década foi perdida.

A partir de 2003, com o empenho decidido da ministra Marina Silva e de João Paulo Capobianco e por delegação pública do presidente Lula, o projeto readquiriu força política, sendo aprovado na Câmara dos Deputados com o entendimento adequado de que a mata atlântica como um todo merece proteção legal.

Entretanto, um dispositivo introduzido no decorrer da negociação bloqueou a tramitação no Senado, uma vez que, se mantido, poderia comprometer o erário público com indenizações milionárias para proprietários de porções de mata atlântica, sendo a atuação do senador César Borges relevante para a resolução do conflito. Mais três anos foram exigidos para que o Congresso Nacional enfim aprovasse uma lei regulamentadora da Constituição de 88.

O resultado contido no projeto de lei é inovador, pois cria novos mecanismos de estímulo à conservação e à preservação da mata atlântica. A lei é condição necessária, mas não suficiente para a proteção desse bioma.

É fundamental a existência de vontade política e liderança para haver efetivamente fiscalização por parte dos órgãos governamentais, punição aos degradadores e estímulos reais aos proprietários que promovam medidas de conservação e preservação.

Sem isso, a lei será mais um instrumento decorativo a desmoralizar o poder público pela sua incapacidade de nos proteger, enquanto cidadãos, da ação dos sanguessugas do nosso patrimônio ambiental.

Torna-se necessário, nesse momento de tiroteio contra o licenciamento ambiental e de tentativas de reduzir ou mesmo eliminar a reserva legal do Código Florestal, afirmar que a implementação efetiva da sustentabilidade e do desenvolvimento sustentável traz enormes resistências por parte de alguns setores da sociedade brasileira, que esquecem das advertências que o aquecimento global trouxe para a humanidade: não é mais possível, hoje, que se olhe o mundo com a visão do século 19.

Diante desse quadro, a continuidade da ministra Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente representa simbolicamente a clara opção pelo desenvolvimento sustentável. Parte das críticas a ela dirigidas se deve ao descompasso entre a retórica e as ações práticas, o que fica claro com a pouca prioridade que é dada em termos orçamentários e institucionais ao meio ambiente.

Os órgãos ambientais do país sofreram nas últimas décadas inegável esvaziamento. De um lado, novas exigências em consonância com novas demandas da sociedade, e, de outro, a incapacidade operacional do setor público de cumprir e fazer cumprir a lei. Acrescente-se a isso a má vontade de setores empresariais arcaicos em assumir o ônus da sustentabilidade.

Concretamente, se espera que a Lei da Mata Atlântica surja para ser cumprida, como sinal de esperança para nós e para as futuras gerações.

Fabio Feldmann, 51, formado em administração de empresas e direito, é consultor em desenvolvimento sustentável. Foi deputado federal pelo PSDB-SP, secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo (1995-98) e autor do projeto de lei da mata atlântica.

FSP, 13/12/2006, Tendências/Debates, p. A3

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