Valor Econômico, Especial, p. A14
30 de Dez de 2014
Ibama acelera emissão de licenças e estuda redução de exigências
Daniel Rittner e Murillo Camarotto
Alvo frequente de reclamações empresariais, o licenciamento ambiental e passará por ajustes importantes no segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. A emissão de licenças pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) disparou nos últimos anos, o que é motivo de celebração no governo, mas a autarquia trabalha agora para restringir sua atuação.
O objetivo é limpar os "excessos" de condicionantes socioambientais aplicadas para autorizar obras de infraestrutura, mediante a retirada de obrigações que nada têm a ver com o impacto dos empreendimentos. Outro desafio é delimitar de forma bastante clara quem fica responsável pela análise dos processos: União, Estados ou municípios.
Em 2003, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu, o Ibama emitiu 139 licenças - aproximadamente uma a cada três dias, em média. Dez anos depois, o volume aumentou para 833 liberações. A média ficou em mais de três por dia e o fôlego se mantém. Em 2014, até meados de outubro, foram 650 licenças.
Vários fatores explicam essa trajetória. Além do avanço expressivo no número de processos analisados, que reflete a ampliação dos investimentos em infraestrutura, o quadro de servidores praticamente triplicou no período. Ações de desburocratização liberaram técnicos de atividades puramente administrativas. Foram criadas cinco unidades especializadas para lidar com as áreas mais sensíveis: usinas hidrelétricas, térmicas, petróleo e gás, portos e compensações ambientais. A informatização dos processos também ajudou a dar mais agilidade às avaliações dos impactos das obras.
Apesar dos avanços na produtividade do órgão, o presidente do Ibama, Volney Zanardi, reconhece a necessidade de ajustes no licenciamento. Um dos primeiros passos, segundo ele, é que contrapartidas sem relação direta com os impactos não sejam mais colocadas como exigências para a obtenção das licenças.
Zanardi recorre ao projeto da hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira (PA), para ilustrar o conceito. Para receber o sinal verde do Ibama, a concessionária responsável pela usina teve que se comprometer a implantar todo o sistema de esgotamento sanitário da cidade. A lista de compensações não parou por aí. Incluiu ainda, entre outras condicionantes alheias ao impacto ambiental, um programa de formação de gestores municipais.
"O licenciamento não tem que assumir esse paternalismo. O que ele tem a obrigação de fazer é o gerenciamento dos impactos, e não propor uma estratégia de desenvolvimento sustentável para a região. Isso está muito além do licenciamento", diz Zanardi. Para ele, carências sociais prévias à chegada das obras devem ser atendidas pelo poder público ou até mesmo pelos empreendedores, desde que de forma pactuada e desvinculadas das licenças em si.
"Historicamente, o licenciamento foi se tornando um fio de condutor da ausência de políticas públicas. Isso fica claro nas audiências públicas com as comunidades afetadas. O poder público não consegue fazer a sua parte e a carga sobre o empreendedor fica muito forte, inclusive em termos de custos", acrescenta Thomaz Miazak de Toledo, diretor de licenciamento do Ibama.
Miazak aborda outro dilema que deve ser enfrentado nos primeiros meses de 2015: a definição das competências de cada ente federativo na análise dos processos ambientais. Aprovada há mais de três anos, a Lei Complementar 140 foi o pontapé inicial para estipular com clareza que tipos de projetos devem ser licenciados pela União, por Estados ou municípios. O problema é que a regulamentação da nova lei ficou na gaveta e sobram bolas divididas. Na ausência dela, não fica totalmente claro quem licencia efetivamente cada tipo de projeto.
A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, disse ao Valor que uma minuta de decreto com essa regulamentação está pronta e circula entre outros quatro ministérios - além de sua própria pasta - que precisam assiná-la: Minas e Energia, Transportes, Portos e Advocacia-Geral da União.
Izabella não quis entrar em detalhes sobre o conteúdo do decreto. É certo, no entanto, que o texto promoverá mudanças e ajudará a dirimir dúvidas. O Ibama passará a se concentrar, por exemplo, no licenciamento dos portos organizados - como Santos e Paranaguá - e deixará terminais de uso privado nas mãos dos órgãos estaduais. A União também deve puxar para si a responsabilidade pelas licenças de blocos de exploração de petróleo e gás não convencional, hoje sob responsabilidade dos Estados.
Haverá ajustes ainda no licenciamento de hidrelétricas. Hoje a autarquia federal cuida dos processos que envolvem usinas com impactos em terras indígenas, em unidades de conservação ou em rios de divisa estadual. Se não se enquadrar em nenhum dos critérios, as hidrelétricas costumam ser licenciadas diretamente pelos órgãos estaduais.
A tendência é que o Ibama assuma empreendimentos com capacidade de geração superior a 300 megawatts ou 400 megawatts - a faixa de corte não foi definida - para ter voz ativa em projetos com maiores riscos de impacto.
Juntas, a "limpeza" dos excessos no licenciamento e a regulamentação da Lei Complementar 140 vão ajudar o Ibama, segundo seu presidente, a incrementar sua expertise em determinados tipos de empreendimento e, consequentemente, entregar suas análises com maior agilidade.
Mais especializado, o órgão quer ampliar a abrangência das licenças, ou seja, liberar um volume maior de intervenções com o menor número de processos. Como exemplo, Zanardi mencionou a licença ambiental da segunda etapa da exploração de petróleo na camada do pré-sal, expedida este ano. "Foi uma licença só para um conjunto de 24 atividades e 13 plataformas", lembrou o presidente do Ibama.
A partir de processos mais "robustos" de licenciamento - como definiu a ministra Izabella -, a tendência é que o Ibama inverta a lógica que pautou sua atuação nos últimos anos e reduza o número absoluto de liberações expedidas. "Cada licença autoriza mais. Essa é a lógica. Antes, colocavam hotel em beira de praia para o Ibama cuidar. Nossa carteira inchou muito", diz Zanardi.
Empresários reclamam de custos e excesso de normas
Por Daniel Rittner e Murilo Camarotto
Excesso de normas, imprevisibilidade dos custos e descumprimento de prazos ainda são queixas constantes de empresários nos processos de licenciamento ambiental. A iniciativa privada reconhece, no entanto, que houve melhorias nos últimos anos e que o nível de tensão para levar adiante projetos de infraestrutura diminuiu. Enquanto isso, órgãos federais que dão suporte ao Ibama no licenciamento alegam estar sobrecarregados e sem pessoal em quantidade suficiente para atender à demanda crescente.
Em documento encaminhado aos presidenciáveis, na campanha eleitoral, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) apontou a existência de mais de 27 mil normas federais e estaduais de ambiente. Para dar mais racionalidade à legislação, a CNI pediu empenho da União em "compatibilizar minimamente" regras e procedimentos, lembrando que a maior parte dos empreendimentos e atividades é licenciada por órgãos estaduais.
"A ausência de regras gerais mais claras permite que os demais entes federativos estabeleçam regras e critérios próprios, sem que haja um mínimo de harmonia e coerência quanto às exigências. Isso acaba por gerar insegurança jurídica, afastando investimentos e dificultando a realização de obras necessárias", diz o documento.
Um exemplo das disparidades apontadas pela CNI é o tempo de validade das licenças de operação, que autoriza o funcionamento dos projetos, quando eles ficam prontos. Essas licenças podem ter entre um e oito anos de vigência, dependendo do Estado.
Na esfera federal, um dos pleitos do Fórum de Meio do Setor Elétrico (Fmase) é a criação de um "balcão único" para o licenciamento. A proposta do fórum, que reúne quase 20 associações empresariais, é concentrar em uma única estrutura oficial - podendo ser o próprio Ibama - todo o intercâmbio documental e troca de informações durante o processo de anuência a projetos de geração e transmissão de energia.
A Fundação Nacional do Índio (Funai), a Fundação Palmares, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) são frequentemente chamados a opinar sobre esses empreendimentos. Uma portaria interministerial de 2011 definiu prazo e procedimentos para a manifestação de cada um deles. Para os pedidos de licença prévia, esses "órgãos anuentes" dispõem de 90 dias para enviar um parecer ao Ibama, mas o prazo nem sempre é seguido à risca.
A Funai diz que tem apenas 17 técnicos, quando seria necessário pelo menos o dobro, na área de licenciamento ambiental. O quadro insuficiente resulta em uma média de 200 processos por analista. São mais de 3.000 projetos sob acompanhamento da autarquia. Ela é chamada a se pronunciar sempre que há impactos, diretos ou indiretos, em comunidades indígenas. Mas afirma que esse não deve ser um trabalho meramente cartorial e isso, muitas vezes, requer tempo.
Existem povos, conforme ressalta uma fonte da Funai, que não têm domínio da língua portuguesa e precisam de relatórios de impacto ambiental traduzidos aos seus idiomas. "Qualquer tradução feita às pressas e com erros pode criar conflitos desnecessários. Há comunidades indígenas sem caciques e nas quais as decisões são tomadas por consenso. Tudo isso demanda tempo, paciência e respeito", afirma.
Para o setor privado, um problema não justifica o outro. Alexei Vivan, presidente do Fmase e da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica (ABCE), entende que a falta de pronunciamento dos órgãos anuentes, nos prazos máximos estabelecidos, deve implicar concordância automática com a emissão da licença ambiental. "Para que os prazos sejam efetivamente respeitados, é preciso que haja consequências em caso de descumprimento."
Vivan pede mais previsibilidade no tempo gasto para a obtenção das licenças e no perfil das compensações. "Reconhecemos as melhorias no licenciamento ambiental, mas isso ainda não foi suficiente. Como o empreendedor não tem clareza sobre o prazo e a abrangência do licenciamento, ele acaba precificando o risco nas tarifas dos leilões."
Gestão de Marina criou base para avanços, diz aliado da ex-ministra
Daniel Rittner e Murillo Camarotto
De Brasília
O aprimoramento e o ganho de velocidade no licenciamento ambiental não escapam de uma disputa política. Para o grupo ligado à ex-ministra Marina Silva, foi na gestão dela que houve os principais avanços na área. Bazileu Alves Margarido, ex-presidente do Ibama e atualmente um dos coordenadores do Rede Sustentabilidade, elenca mudanças que permitiram o crescimento das licenças concedidas pela autarquia desde 2003.
Quando ela assumiu o ministério, segundo Bazileu, havia apenas 78 técnicos dedicados ao licenciamento - dos quais oito concursados. O restante era contratado, de forma precária, por meio de convênios com organismos internacionais. Além de ter estruturado o aumento do quadro, a gestão de Marina criou o sistema informatizado de licenciamento ambiental (Sislic), que funciona até hoje. Estudos e relatórios de impactos ambientais, pareceres técnicos e convocações de audiências públicas passaram a ser divulgados de forma transparente na internet.
Em 2005, lembra Bazileu, uma reforma administrativa criou a diretoria de licenciamento - que tinha status de coordenação-geral - e quatro núcleos especializados. Dois anos depois, saiu do papel o Instituto de Biodiversidade Chico Mendes, tirando do Ibama as funções de administração e fiscalização das unidades de conservação. "Com isso, foi possível alocar maior número de analistas no licenciamento", diz o ex-presidente. "Esses aperfeiçoamentos refletiram-se em resultados e a emissão de licenças ambientais saltou de 139 licenças em 2003 para 388 em 2007", afirma. Marina deixou o governo no ano seguinte.
Valor Econômico, 30/12/2014, Especial, p. A14
http://www.valor.com.br/brasil/3839564/ibama-acelera-emissao-de-licenca…
http://www.valor.com.br/brasil/3839566/empresarios-reclamam-de-custos-e…
http://www.valor.com.br/brasil/3839568/gestao-de-marina-criou-base-para…
As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.