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Governo vai licitar lagos e rios para o cultivo de peixe

FSP, Dinheiro, p. B1
19 de Nov de 2007

Governo vai licitar lagos e rios para o cultivo de peixe
Processo prevê concessão de áreas para pescadores e ribeirinhos e para empresas
Famílias passarão por processo de seleção, e empresas pagarão por uso; Comissão Pastoral da Terra vê riscos ambientais e sociais

Eduardo Scolese
Da sucursal de Brasília

Depois das rodovias, agora é a vez das águas da União. O governo federal lançou o primeiro edital de licitação neste mês e prepara pelo menos outros quatro até o fim do ano para conceder o direito de uso por 20 anos das chamadas "áreas aqüícolas" em lagos, rios, açudes, reservatórios ou em pontos do litoral.
As concessões serão exclusivas à aqüicultura -a criação de pescado em cativeiro-, tanto em água doce como salgada.
O primeiro edital publicado é para a concessão de 155 lotes no reservatório da hidrelétrica de Itaipu, no Paraná. Cada um dos lotes (ou áreas aqüícolas) tem 0,2 hectare em lâmina d'água, o equivalente à área de duas piscinas olímpicas.
A concessão será entregue a pescadores e ribeirinhos que forem aprovados num processo de seleção da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência, ao estilo das entrevistas para a escolha de famílias nos projetos de assentamento da reforma agrária.
Haverá dois tipos de edital: os de seleção, como no caso de Itaipu; e os de cessão onerosa, no qual tanto empresas nacionais como estrangeiras poderão disputar o mesmo espaço. Os primeiros editais para licitações onerosas serão abertos para áreas no litoral de Pernambuco (169 hectares) e de São Paulo (8,4 hectares).
A empresa vencedora será aquela que, na abertura dos envelopes, oferecer o maior valor pelo uso do lote por 20 anos. Além disso, terá de pagar anuidade para cada hectare concedido -entre R$ 200 e R$ 300 (valor ainda não definido).
Nos editais, já constará o tipo de pescado a ser produzido naquele conjunto de lotes. No caso de Itaipu, a produção será exclusiva de pacu.
Neste ano, ainda estão previstos editais para o açude do Castanhão, no interior cearense, e na bacia do Jatobá, em Pernambuco. O governo estima em 5,5 milhões de hectares o espaço disponível em águas da União para projetos de aqüicultura -segundo a legislação, apenas 1% de cada área poderá ser entregue à concessão. Por exemplo: uma represa de 500 hectares terá apenas 5 hectares abertos à concessão.
Uma instrução normativa interministerial publicada no mês passado tirou do caminho os últimos entraves jurídicos que até então impediam o lançamento dos editais. Nela, por exemplo, a responsabilidade pela escolha das áreas de concessão passou da Secretaria do Patrimônio da União para a Secretaria de Aqüicultura e Pesca.

Porta de saída
Segundo o governo, o uso legalizado das águas da União, como em açudes e reservatórios de hidrelétricas, pode ser uma "porta de saída" ao Bolsa Família. "Essas concessões vão beneficiar tanto o pequeno [pescador] como o empresário. A cessão é democrática e gera emprego para gente de baixa qualificação. É porta de saída para o Bolsa Família, ao colocar essa gente para produzir peixe", diz Felipe Matias, diretor de Desenvolvimento da Aqüicultura da Secretaria da Pesca.
Já a CPT (Comissão Pastoral da Terra) vê as licitações de outra forma. Para a entidade, braço agrário da Igreja Católica responsável por pesquisas sobre o chamado "hidronegócio", o cultivo de pescado em reservatórios da União ou em tanques-rede no mar pode trazer riscos ambientais e sociais.
"Haverá um problema sério do ponto de vista social. Tanto o litoral como as águas interiores não serão espaços mais livres. Haverá restrição do acesso às famílias pobres", afirma Roberto Malvezzi, pesquisador da Pastoral da Terra.
A publicação dos editais somente ocorre depois da autorização do Ibama, do governo do Estado, da Marinha e da ANA (Agência Nacional de Águas). As áreas escolhidas pela Secretaria da Pesca, em geral, serão aquelas nas quais já existe a presença de criadores de peixe -todos na ilegalidade, segundo o governo.

Produção de pescado pode crescer 70%

Da sucursal de Brasília

Diante do potencial de uso de 5,5 milhões de hectares em águas da União, o governo federal prevê um avanço de 70% na produção nacional de pescado até 2011.
Neste ano, a Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência estima a produção nacional de pescado (pesca e cultivo) em 1 milhão de toneladas. Em quatro anos, com a abertura dos editais de concessão, essa quantidade avançaria para 1,7 milhão de toneladas.
Hoje, o governo federal desconhece quantos trabalhadores, mesmo sem autorização, já atuam em reservatórios da União. "Toda a piscicultura em áreas da União não está regularizada. Está ilegal. Em vez de punir, vamos dar a oportunidade de regularizá-los", afirma Felipe Matias, diretor de Desenvolvimento da Aqüicultura da Secretaria da Pesca.
Sabe-se que 150 mil produtores atuam no cultivo de pescado. Até 2011, a meta é mais do que dobrar esse número. (ES)

Empresas européias aguardam licitação em áreas de água doce e pontos do litoral

Da sucursal de Brasília

Já espalhadas pelas plantações de cana-de-açúcar e de soja do país, empresas estrangeiras poderão agora explorar águas da União. De acordo com o governo, já existem escoceses, noruegueses, franceses e espanhóis interessados na abertura dos editais de licitação, tanto para reservatórios em água doce como em pontos do litoral.
Esses estrangeiros atuarão em igualdade de condições aos brasileiros, em qualquer um dos editais para licitações onerosas. Um grupo da Noruega com participação em uma empresa nacional está aguardando a abertura do edital para um lote de 169 hectares no litoral pernambucano. Lá, a produção será de bijupirá, peixe exportado com o nome de cobia.
"Não há interesse de proibir os estrangeiros. Não queremos proibir ninguém, e sim garantir que o pequeno tenha acesso", afirma Felipe Matias, diretor de Desenvolvimento da Aqüicultura da Secretaria Especial da Pesca.
Já a CPT (Comissão Pastoral da Terra) vê com preocupação a futura presença de estrangeiros em águas na União.

Predadoras
"São empresas predadoras. Deixam para trás locais [no exterior] já deteriorados e procuram novos espaços, sem nenhuma preocupação com o ambiente. Elas vêm no sentido de produzir pescado em larga escala", afirma Roberto Malvezzi, agente do braço agrário da Igreja Católica e um dos coordenadores de estudos da entidade sobre os impactos do agro e do hidronegócio nas pequenas comunidades. (ES)

FSP, 19/11/2007, Dinheiro, p. B1

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