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Garantir o Ministério Público

CB, Opinião, p. 19
28 de Nov de 2006

Garantir o Ministério Público

Francisco Carlos Teixeira da Silva
Professor titular de História Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Na reunião ministerial do dia 17, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou uma lista de 120 grandes projetos de infra-estrutura (100 na área de energia e 20 no setor de transportes públicos) paralisados por pendências jurídicas originadas na área ambiental. Uma parte significativa deles encontram imensa dificuldade de chegar a relatórios e pareceres conclusivos nos aspectos relativos ao meio ambiente, em virtude da ausência de funcionários públicos qualificados na área ambiental. Isso é particularmente verdadeiro na Amazônia, que possui hoje pouco mais de 2 mil funcionários ambientais para toda a região (São Paulo, por exemplo, tem 6 mil dos 18 mil de todo o país).

Grande parte da defesa do meio ambiente, em face de tamanha ausência dos executivos estadual e federal na Amazônia, tem sido dirigida pelo Ministério Público. Da mesma forma, a constituição de uma "reserva pensante" da própria região - que não seja importada, com seus preconceitos, de outras regiões do país e do exterior - é bastante frágil. A região amazônica tem apenas 2,7% dos pesquisadores-doutores do país (contra 34,7% de São Paulo), dos quais mais da metade deles têm origem fora da região.

Tais deficiências estruturais, decorrentes de uma fraca presença do Estado-nação na Amazônia, permitem uma série de desvios e erros graves para o desenvolvimento regional, para a geração de renda e para o emprego, no âmbito de políticas ativas de desenvolvimento sustentado. Assim, obras fundamentais para o desenvolvimento regional acabam por ser levadas a debate em fóruns não-qualificados, seja do ponto de vista técnico, seja do ponto de vista do Estado de Direito. Esse é o caso do Ministério Público em Rondônia. Criado para a defesa do cidadão e das leis, o Ministério Público tem muitas vezes se pronunciando sobre fornecimento de remédios pelo poder público, saneamento, número de leitos hospitalares etc.

Quando isso se dá na ausência de espaço legal adequado (já que não é aceitável a tese de vácuo jurídico), consideramos o fato de grande relevância para os direitos civis e para o Estado de Direito. Contudo, quando o Ministério Público passa a agir sobre competências constitucionalmente atribuídas a outras entidades (e que estão em plena função de tais atribuições), tais como tarifas públicas, índices econômicos e relatórios de impacto ambiental, nos vemos perante um grave risco de duplicidade de ações, invasão de competências e, mais importante de tudo, enfraquecimento das instâncias e instituições do Estado de Direito. Ao mesmo tempo amplia-se enormemente a insegurança jurídica existente, impondo uma tremenda elevação dos custos dos investimentos em desenvolvimento.

Assim, as manifestações constantes do Ministério Público desconhecendo decisões do Ibama (e mesmo adiantando-se a tais decisões) e obrigando ao estabelecimento de outras instâncias decisórias geram grave disfunção institucional. As audiências públicas, por exemplo, são grande conquista da democratização do Estado brasileiro e sua capacidade de fornecer subsídios e explicitar dissensos é fundamental no processo decisório sobre desenvolvimento e meio ambiente no Brasil. Mas quando o Ministério Público exige relatórios estranhos ao processo decisório e de forma antecipada; e, pior ainda, legitima fóruns paralelos não previstos no ordenamento jurídico do Estado democrático, atua na direção de minar a credibilidade e a representatividade do Estado de Direito.

Foi nesse sentido que o presidente Lula da Silva solicitou aos ministros das áreas afins medidas legais imediatas para a redefinição das competências do Ministério Público, trazendo para o âmbito exclusivo da União os estudos de impacto ambiental dos grandes projetos de desenvolvimento. Assim, o risco maior é o esvaziamento do Ministério Público, em prejuízo das ações verdadeiramente básicas de garantia de direitos de cidadania (como na vigilância da lei e das regras no amparo à infância, aos pobres e velhos desprotegidos) em decorrência de ampliação desmesurada das próprias competências.

CB, 28/11/2006, Opinião, p. 19

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