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Funasa contraria parecer e prorroga acordo sob suspeita

OESP, Nacional, p. A10
21 de Fev de 2006

Funasa contraria parecer e prorroga acordo sob suspeita
Mesmo sem prestar contas de gastos, entidade que atende ianomâmis ganhou mais um ano de convênio

A Fundação Nacional de Saúde (Funasa)desconsiderou seus próprios relatórios e ignorou normas técnicas de aplicação de recursos públicos para manter um convênio firmado em julho de 2004 com a Fundação Universidade de Brasília (FUB) para assistência médica a índios ianomâmi. A FUB até hoje não explicou ao certo como gasta o dinheiro que recebe. Mesmo assim, em setembro passado, o prazo para a prestação de serviços foi ampliado por mais um ano. O valor repassado à fundação duplicou: dos R$ 10,9 milhões iniciais, a FUB passou a ter direito a R$ 25 milhões.
Apesar de a prestação de contas da FUB não ter sido aprovada, a Funasa manteve em dia os repasses ao convênio, desrespeitando normas da Secretaria do Tesouro Nacional. Mais de R$ 5,4 milhões foram repassados entre setembro e dezembro de 2005. Até a primeira semana deste mês, R$ 6,7 milhões dos gastos da FUB não tinham sido aprovados pela contabilidade da Funasa.
A dificuldade na aprovação da prestação de contas não é exclusividade da FUB. Dos mais de 50 convênios na área de saúde indígena, menos de 10 foram aprovados sem ressalvas. A diferença é o tipo de irregularidade. A maioria dos convênios tem problemas mais simples e em valores mais acanhados. No caso da FUB, as irregularidades incluem pagamento de não funcionários, despesas pagas em duplicidade e documentos contraditórios. O assunto já está sendo analisado no Tribunal de Contas da União (TCU), onde foi aberto um processo para apurar suspeitas de irregularidades no contrato.
Mesmo antes do resultado do TCU, a Funasa reconhece que uma série de irregularidades foi cometida pela FUB e diz que a empresa será descredenciada, mas não agora. Só quando houver outra entidade disposta a desempenhar a função. A Funasa, porém, está pessimista. Acha difícil encontrar rapidamente um candidato. "Em vez do descredenciamento, pode ser que o contrato apenas não seja renovado", diz o coordenador-geral de Convênios da Funasa, Alcides Soares de Souza.
De acordo com a Funasa, a FUB já foi comunicada desta decisão. Há duas semanas, uma carta lhe foi enviada alertando sobre o risco de o convênio não ser renovado. A FUB também mantém contrato com a Funasa para atender índios xavantes e uma casa de saúde indígena próxima da capital.
Alexandre Lima, da FUB, afirma ter realizado um ótimo trabalho e alega que problemas na prestação de contas são corriqueiros e fáceis de ser solucionados. Como exemplo da satisfação da Funasa ele cita convite feito há menos de um mês para que a fundação apresentasse seus resultados a uma missão do Banco Mundial. Souza, o coordenador-geral da Funasa, diz que o tratamento dado à FUB é procedente. Observa que o repasse de recursos não pode ser simplesmente suspenso, sob pena de agravar mais ainda a situação de saúde dos ianomâmis. O Estado procurou, sem sucesso, o representante da FUB novamente para falar sobre o fim da renovação.
Outras entidades recebem tratamento diferente da Funasa. Muitos grupos se queixam de que a fundação suspendeu o repasse de recursos justamente por não concordar com a prestação de contas. Ano passado, vários convênios no Maranhão foram desfeitos depois de constatadas irregularidades. A própria Funasa assumiu a execução da assistência médica - com resultados negativos que produziram protestos das comunidades indígenas.

FUB recebe mais verbas e tem menos atribuições
Além do tratamento diferenciado no momento da apresentar suas contas, a Fundação Universidade de Brasília (FUB) se destaca dos outros convênios pelo valor recebido. Para cuidar de cada ianomâmi, ela recebe uma média diária de R$ 5,50. A média per capita diária de outros convênios que também são encarregados de prestar assistência a ianomâmis fica entre R$ 1,98 e R$ 3,33.
Mesmo significativos, os recursos concedidos à Fundação Universidade de Brasília trouxeram benefícios duvidosos para a população ianomâmi atendida pelo governo. No período da administração da FUB, o número de casos de malária explodiu. Na semana passada, uma força-tarefa da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) foi enviada para a região, para tentar controlar a situação.
Mas Alexandre Lima, da FUB, exibe outros números para tentar mostrar o sucesso de seu trabalho. Um deles é o da redução da mortalidade infantil: o índice baixou de 64,9 para 51,7 por mil nascidos vivos.
Transporte
O contrato com a FUB foi firmado em 2004. Até então, atuava na região uma organização não-governamental, a Urihi. A forma de administração, no entanto, era distinta. A ONG recebia uma verba para realizar todo o serviço, desde contratação de pessoal e meios de transporte até compra de medicamentos. Para um ano de trabalho, de julho de 2003 a julho de 2004, a Urihi recebeu R$ 8,4 milhões.
Ao assumir, a FUB recebeu menos atribuições. Ficou responsável apenas por prestação de serviços e contratação de pessoal, mas para isso recebeu bem mais recursos. A compra dos remédios e a contratação de transportes ficou por conta da Funasa. E foi justamente nesse período que o preço da hora-vôo disparou. Até 2003, quando a ONG contratava o serviço de avião, a hora-vôo na região custava cerca de R$ 760. Quando a Funasa assumiu, o valor aumentou para R$ 1.300.
A Procuradoria-Geral da República em Roraima está analisando esses contratos. Uma das denúncias é a de que a empresa ganhadora da licitação, por não ter condições de cumprir a tarefa, acaba repassando os vôos para outras empresas da região, que também participaram da licitação.

OESP, 21/02/2006, Nacional, p. A10

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