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Estrutura de órgãos ambientais é gargalo para licenciamentos

Carta Maior
06 de Dez de 2006

Estrutura de órgãos ambientais é gargalo para licenciamentos
Regulamentação do artigo 23 da Constituição deve ajudar a definir competências dos órgãos ambientais. Mas estes necessitam de melhor infra-estrutura para acelerarem processos de licenciamento, dizem organizações socioambientais.

Natália Suzuki - Carta Maior

Em meio às acusações de que a legislação ambiental é responsável por "travar" o desenvolvimento do país, o governo federal decidiu, em meados de novembro, regulamentar o artigo 23 da Constituição, que, entre outras determinações, refere-se à competência dos níveis do poder público em cuidar das suas questões ambientais. Um dos objetivos dessa regulamentação, que ainda será encaminhada como projeto de lei à Câmara e pode ser aprovado ainda este ano, é definir mais claramente as responsabilidades dos órgãos federal, estaduais e municipais em relação ao meio ambiente. Contudo, o movimento socioambiental defende que essa medida deve vir acompanhada também de outras políticas públicas e que haja atenção à infra-estrutura desses órgãos, caso contrário a situação de lentidãonos processos ambientais, apontada pelo governo federal, não mudará muito.

Com a regulamentação, pretende-se organizar melhor as atribuições dos processos de licenciamento ambiental. O critério para descentralizá-los é a dimensão dos impactos que as obras causariam ao seu meio. Se as conseqüências atingirem o âmbito federal, a responsabilidade pelo licenciamento fica por conta do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Caso o impacto seja estadual ou municipal, os órgãos dos Estados e municípios são os que devem cuidar da questão.

Cláudio Langone, secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, explica que a lei, hoje, não deixa claras as competências dos órgãos e que a maior parte dos conflitos entre Estados e Ibama acaba culminando em ações do Ministério Público (MP). Com a regulamentação, o secretário acredita que haverá maior clareza não só para os processos ambientais, mas também para o próprio MP, que não vai mais perder tempo com a questão administrativa e sim discutir o mérito dos processos ambientais.

"Atualmente, o foco das atenções tem sido os licenciamentos ambientais, especialmente os das hidrelétricas. Com essa regulamentação, que vai além dessa questão, vai haver uma certeza maior sobre a competência da licença, embora ela não traga grandes novidades. Hoje, de certa forma, seguem-se as regras da resolução 237 do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente). A grande preocupação é evitar o questionamento judicial, mas isso não vai necessariamente acelerar as medidas administrativas", afirma Raul Silva Telles do Valle, assessor jurídico do Instituto Socioambiental (ISA). A resolução do Conama já prevê a competência dos três níveis de poder nessas questões. Para Langone, a medida deve acelerar os processos de forma indireta, conforme os processos e suas competências se tornarem mais transparentes.

Segundo Volney Zanardi Júnior, diretor do departamento de Articulação Institucional do Ministério do Meio Ambiente, quando as competências são atribuídas aos órgãos municipais ou estaduais de forma apropriada, o controle social sobre uma ação é maior e, em determinados casos, consegue-se livrar órgãos superiores de problemas que podem ser resolvidos em instâncias locais. "A regulamentação dá mais estabilidade para questões administrativas e evita que haja perda do controle administrativo de um processo ambiental", afirma Zanardi.

Ao contrário do que se pensa, o maior sobrecarregado não é o Ibama, responsável pela emissão de 230 licenças anuais, mas sim os órgãos estaduais, como explica Langone. Para ele, a regulamentação vai ajudar a desafogá-los, além de incentivar que os licenciamentos de cadeia produtiva e regionais sejam feitos e, assim, melhorar os processos de aprovação para a pecuária e poços petrolíferos, por exemplo.

Para Mário Mantovani, presidente da SOS Mata Atlântica, o governo já poderia ter resolvido essa situação independente desta regulamentação. Mantovani diz que ela não facilita o desentrave de projetos polêmicos, como as hidrelétricas do rio Madeira e Belo Monte, cujas licenças ambientais tem sido o tema das principais discussões ambientais. "Isso é um delírio. O governo hoje aprova qualquer coisa que desejar. O Rodoanel em São Paulo é um exemplo. Nada no Brasil é barrado por questões ambientais. Se há demora, é por conta da incompetência e da falta de infra-estrutura nos órgãos", contesta. Mantovani afirma que hoje já existem mecanismos capazes de descentralizar as atribuições ambientais. "Mas falta vontade política e políticas públicas que façam tudo isso funcionar. Não adianta apenas transferir as responsabilidades", afirma.

Atualmente, um dos maiores desafios para que a regulamentação não fique no plano das intenções é a necessidade de criação de infra-estrutura dos órgãos dos Estados e municípios, suficiente para atender a demanda que deve crescer. Na prática, apenas 230 municípios - 132 estão no Rio Grande do Sul - conseguem atender de forma eficaz à demanda ambiental por serem suficientemente estruturados, de acordo com Langone. Zanardi afirma que essa é uma das preocupações do Ministério do Meio Ambiente, que investiu cerca de US$ 20 mil em capacitação em 12 Estados brasileiros. O diretor do MMA ressalta a dificuldade de se formar um técnico na área ambiental, processo que leva até 25 anos. Contudo, Zanardi diz que, hoje, os órgãos ambientais são mais estáveis e apontam na melhoria da estruturação do pessoal do próprio Ibama.

O secretário executivo do MMA diz que a questão de financiamento dos Estados e municípios é outro ponto importante. Por isso, o Ministério estimula para que os mecanismos de arrecadação local sejam colocados em prática. Algumas taxas referentes aos processos ambientais não precisam necessariamente ser repassadas ao Ibama, mas podem ser pagas aos Estados ou municípios, lembra Langone.

"Em 10 anos de existência da resolução 237 do Conama, apenas 230 municípios estão aptos. Se continuar neste ritmo, vamos demorar 500 anos para descentralizar os processos em todos os municípios do país. Por isso, o governo federal viu a necessidade de acelerar a descentralização", explica o secretário-executivo do MMA. De acordo com ele, um texto consensual do projeto de lei vem sendo preparado entre o governo federal, estados, municípios e ONGs para que não corra o risco de ficar parado no Congresso. "O projeto está praticamente pronto e, na semana que vem, será encaminhado para o presidente da República, que decidirá qual o melhor momento para enviar à Câmara. Mas a expectativa é de que ele seja aprovado até o final deste ano", diz.

O presidente da SOS Mata Atlântica avalia que a situação do meio ambiente no país só não é pior, porque a legislação ambiental brasileira é "moderna e avançada". "O problema é a postura anacrônica do Estado que não investe nessa área. O orçamento para o setor de meio ambiente é tão baixo que beira à fixação", diz Mantovani. Por outro lado, ele enfatiza a responsabilidade de os estados e os municípios criarem suas estruturas para atuar no campo ambiental e assumir as suas demandas.

Debate na mesa
Com os preparativos para o crescimento do país no segundo mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem apontado ações para o "destravamento" do Brasil. O setor do meio ambiente tem sido bastante pressionado por ser um dos protagonistas nos planos de desenvolvimento.

"Esse debate é salutar e não estamos assustados com ele. Pela primeira vez o meio ambiente ganha visibilidade nacional. As medidas ambientais não teriam novos espaços sem contrariar interesses estabelecidos. As leis ambientais foram aprovadas ao longo do tempo e todo mundo achava bacana, porque não acreditavam que pudessem valer de verdade ou que serviriam mais como declarações de princípios, mas quando se começa a aplicá-las, os empreendedores começaram achar um absurdo não poder levar os seus projetos adiante. Isso é bastante significativo", avalia Valle.

Mantovani chama a atenção para o modelo de desenvolvimento que é proposto hoje e defende que esse desenvolvimento tem que trazer qualidade de vida à sociedade. "Na década de 70, o país cresceu 10% ao ano, mas os indicadores sociais apontaram cidadãos com péssima qualidade de vida. Quanto mais pobres e maiores as diferenças sociais, a pressão sobre os recursos naturais aumenta", lembra.

Carta Maior, 06/12/2006

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