VOLTAR

Ensino com cara de índio

Kalunga n. 117, out., 2000, p. 26-28
31 de Out de 2000

Ensino com cara de índio
Descendentes dos primeiros habitantes e profundos conhecedores dos clima, solo, rios e outras características da terra, os índios capacitam-se como os melhores professores para alfabetizar e ensinar suas crianças
Texto: Alessandra Motta e Fabiana Nascimento

A preservação da cultura, o fortalecimento das tradições e a busca da melhoria da qualidade de vida dos povos indígenas - que, no Brasil de hoje, não chegam a 400 mil indivíduos ou 0,2% da população nacional - são algumas das metas definidas pelo grupo de educadores e antropólogos, que implementou um projeto de formação de professores indígenas. Os cursos, que podem ter de um mês a oito anos de duração, equivalentes ao ensino médio, vão ensinar aos índios as disciplinas de matemática, português, história, geografia e ciências, com uma mesclagem de conhecimentos entre a cultura da sociedade dos "brancos" e a dos índios; sem descaracterizar a cultura destes últimos.
Os formandos ficam habilitados a ministrar aulas para crianças de primeira à quarta série. A vantagem neste sistema de aprendizagem é que as aulas de geografia, por exemplo, são ministradas, a partir do ponto de vista do índio, bastante diferente daquele do "branco". Ou seja, o índio vai explicar a vegetação, os pontos cardeais e nomes de rios com conhecimentos provenientes da própria cultura, numa visão difícil de ser assimilada pela sociedade ocidental. Esse sistema de ensino está fundamentado na medida prevista no artigo 281, da nova Constituição Federal, que reconhece aos índios o direito de pertencerem a etnias diferenciadas, com modos próprios de organização social, línguas e costumes.
O projeto criado em 1983, no estado do Acre, é tido como referência para o Ministério da Educação (MEC), e foi apoiado pelas Fundações Nacional do índio (Funai) e Abrinq. Um exemplo de seu acerto é a sua expansão para o Parque Indígena do Xingu (Mato Grosso), Olinda (Pernambuco) e Ticuna (Amazonas). O projeto, no entanto, ainda sofre com os baixos salários dos professores e a falta de patrocinadores para o lançamento de livros didáticos e compra de materiais específicos. O caso mais problemático é o do Xingu, onde 15 etnias participam do projeto implantado em 1994 pelo Instituto Sócio Ambiental (ISA), uma organização não-governamental. Lá, os 50 professores, que trabalham com mais de 1.500 crianças, assinam contratos temporários com as secretarias da Educação do Estado e municípios, mas têm seus salários, de aproximadamente R$ 240, constantemente atrasados.
Para Maria Cristina Cabral Troncarelli, do ISA e também co-ordenadora pedagógica do projeto no Xingu, a verba de R$ 250 mil anuais para manter as aulas é muito alta, e se não houver um patrocínio ficará difícil garantir os direitos dos índios previstos na Constituição. Apoiado pela Fundação Mata Virgem, o projeto foi submetido a uma ONG norueguesa. Para a sua aprovação, a única exigência dos noruegueses foi de que, para ministrarem aulas, os indígenas deveriam ser indicados pela comunidade, falar e escrever em língua portuguesa. A partir daí, o projeto foi implantado e passou a ser coordenado pelo ISA, pois, a Fundação Mata Virgem foi extinta.
Na FRONTEIRA
O projeto Escolas de índios, implantado em 96, em Olinda (PE), exige professores com diploma do magistério, mas enfrenta deficiências ainda maiores. Os mestres passam por concurso e se credenciam a dar aulas e receber um salário que varia de R$ 80 a 120.0 projeto é apoiado pelo Centro Cultural Luiz Freire (ONG que atua na área social) e também pela Abrinq e Unicef, que conseguem levantar juntos uma verba de R$ 135 mil para cada dois anos. Segundo Eliene Amorim de Almeida, que está concluindo mestrado em educação indígena e coordena o Centro Cultural, o dinheiro é usado na contratação de profissionais para dar orientação aos professores e compra de materiais. Atualmente, 180 professores estão habilitados para o sistema, que atende cinco mil crianças.
Em Ticuna (AM), onde o projeto foi desenvolvido em 1993, pela Organização Governamental de Professores Ticuna Bilíngües (OGPTB), e atende 7,6 mil crianças, o quadro de problemas pode mudar com relação aos funcionários contratados pela Funai. Na região, os 212 professores do projeto recebem um salário de R$ 600, valor que acreditam pode ajudar a acabar com as dificuldades, por exemplo, de locomoção até as aldeias distantes, como na fronteira com o Peru.
O ESTADO PIONEIRO
"Escola é onde as sociedades aprendem o valor da sua própria cultura e a dos outros povos, e conhecem os direitos e os deveres de cada um de seus integrantes". A afirmação, do professor índio Joaquim Kaxinawá, resume o objetivo do projeto "Uma Experiência de Autoria dos índios do Acre", desenvolvido pela ONG Comissão Pró-índio (CPI). O projeto, criado em 1983, serviu de modelo para que outros Estados o implementassem e envolve nove etnias, distribuídas por oito municípios do interior do Acre: Jordão, Tarauacá, Cruzeiro do Sul, Assis Brasil, Santa Rosa, Marechal Thaumaturgo, Porto Valter e Sena Madureira.
Para formar os professores, é realizado um curso intensivo (45 dias) nas áreas de língua, matemática, geografia, ciências, história, jogos, educação e pesquisa. Como metodologia, a comunidade indígena participa do processo de reflexão e elaboração de conteúdos e procedimentos de ensino aprendizagem. "As escolas têm um ano letivo estabelecido pelos próprios professores, com 500 horas/aula ao ano, distribuídas em três dias na semana, com os demais dedicados às atividades de socialização tradicional nas aldeias", explica Maria Luzia.
Na opinião de educadora, o projeto visa respeitar as dinâmicas culturais e os padrões de aprendizagem indígena, ao oferecer conteúdos de natureza diversa. "O professor precisa ser um especialista, que saiba trabalhar com uma dinâmica cultural diferente", enfatiza. De acordo com a equipe de educação da CPI, o projeto mudou e continua mudando a idéia em relação a um povo minoritário. "Valorizamos a riqueza da diversidade cultural, pois os índios aprendem também a cultura do branco, ao complementas e não sobrepor o conhecimento", conclui.

Kalunga n. 117, out., 2000, p. 26-28

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.