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Energia ganha status diplomático

CB, Mundo, p. 19
Autor: SIMÕES, Antônio José Ferreira
25 de Jun de 2006

Energia ganha status diplomático
Ministério das Relações Exteriores brasileiro cria departamento para coordenar estratégias do setor e aproximar investidores estrangeiros. Biocombustíveis e supergasoduto do Sul são as prioridades

Cláudio Dantas Sequeira

Uma folha de papel colada na porta do gabinete 739 do Ministério das Relações Exteriores identifica precariamente a iniciativa mais concreta da diplomacia brasileira pós-crise do gás na Bolívia. Trata-se do Departamento de Energia (DE), cuja idéia de criação foi anunciada pelo chanceler Celso Amorim em abril, mas que se concretizou há menos de duas semanas. Inaugurado sem pompa, o despacho abriga duas divisões - recursos renováveis e não-renováveis - e cerca de 15 diplomatas e funcionários, que se apressam em adequar o local para sua função estratégica: coordenar as múltiplas frentes externas que dão a dinâmica atual da política energética brasileira. E servir de linha direta para autoridades e empresários de todo o mundo interessados em investir no país.

À frente da complexa missão está o discreto ministro Antônio José Ferreira Simões, homem de confiança de Amorim e seu assessor econômico por quase oito anos. Na quinta-feira passada, ele recebeu a reportagem do Correio.
Em pouco mais de uma hora, explicou que a questão energética ganhou um status político sem precedentes, e já não pode estar subordinada a uma determinada relação bilateral ou a diferentes hierarquias administrativas.

"Muita gente ainda pensa que o problema da energia é tecnológico ou econômico, mas é acima de tudo político", sintetiza. Não à toa, o DE foi colocado sob os cuidados da Subsecretaria-Geral Política (SGAP-I) do Itamaraty.

Para conscientizar a comunidade diplomática sobre as mudanças que estão por vir, Simões elaborou um relatório que fará circular na forma de capítulos temáticos. "América do Sul: energia como veículo de integração" será um dos assuntos principais.

No início de julho, ele ministrará uma palestra a professores de relações internacionais do Rio. O ministro garante que será uma boa forma de evitar críticas desmedidas ou análises prematuras de projetos polêmicos, como o supergasoduto do Sul - unindo Venezuela, Brasil e Argentina. Hoje, Simões está em Caracas para participar de uma reunião de alto nível, em que se discutirá os estudos mais recentes da grande rede de dutos para o transporte de gás.

"A idéia faz sentido, mas precisa de tempo para amadurecer", garante. De acordo com Simões, é preciso considerar a viabilidade econômica e o estabelecimento de uma relação de confiança. Ele defende que os críticos precisam entender que o mercado de gás é regional, e que o gás natural liquefeito (GNL) significa apenas 7% do comércio, com potencial de atingir os 10% nos próximos anos. O diplomata fez questão de ressaltar que a criação do Departamento de Energia não foi uma reação imediata à nacionalização das reservas bolivianas, mas a uma percepção de acontecimentos globais, como o impasse sobre o preço do gás entre os governos de Rússia e Ucrânia, no início do ano.

Ao decidir fechar as torneiras do gasoduto da Sibéria por 1 dia e meio, Moscou provocou comoção na Europa Ocidental, que consome cerca de 25% do combustível russo. Simões prefere não se pronunciar sobre as tensas negociações entre a Petrobrás e o governo de Evo Morales. "O preço e a indenização são questões meramente técnicas, e devem ser mantidas assim", afirma. De fato, baixada a poeira da nacionalização e da ocupação militar das refinarias da Petrobrás, o abastecimento de gás no Brasil segue normalmente.
Nada indica que essa situação mudará, uma vez que a Bolívia não conta com outras fontes de ingresso imediatas, e sofreria um revés econômico e político de conseqüências imprevisíveis.

Segurança
A cúpula do Ministério das Relações Exteriores está fazendo um importante movimento, que segue a lógica da segurança energética praticada pelas grandes potências mundiais, ávidas consumidoras de combustíveis fósseis.
Estados Unidos, China e Europa - para citar alguns exemplos - colocam o problema da provisão energética no topo de suas prioridades, e mobilizam seus recursos diplomáticos, econômicos e militares para garantir o crescimento. Com o objetivo de sentir o impacto das gestões diplomáticas brasileiras, Simões partiu no último mês para uma visita aos centros do poder mundial. Foi recebido no Departamento norte-americano de Energia e no Conselho de Segurança Nacional, em Washington. Esteve na Comissão Européia e se reuniu com representantes de Índia e África do Sul, com quem preparou debates para a reunião do Fórum IBAS, em 13 e 14 de julho.

O carro-chefe do Brasil é, certamente, o etanol, seguido de perto pelo biodiesel. "Minha prioridade é transformar o etanol numa commodity energética", revela. O ministro também se encontrou com diretores da Petrobrás que, no embalo da auto-suficiência na extração de petróleo, se lança em parcerias internacionais para a exploração de biocombustível.
A estatal brasileira também mantém projeto em curso com Nigéria, e vem travando negociações com Japão.

PONTO A PONTO// Ministro Antônio José Ferreira Simões
Chefe do Departamento de Energia do Itamaraty,o ministro Antônio José Ferreira Simões defende que o problema da energia é político,não apenas econômico. Leia trechos da entrevista ao Correio.

Convite
"O ministro (Celso) Amorim me convidou para chefiar o Departamento de Energia na noite anterior a seu depoimento na audiência pública no Senado, em maio. Ele queria que eu me dedicasse a essa função pois sentiu que era algo muito importante para o Brasil. Nossa missão é criar idéias."

Concentração
"Ter um ponto focal de pensamento estratégico é extremamente importante.Na administração existem muitos órgãos que se dedicam à área de energia, além do próprio Ministério de Minas e Energia.
No Itamaraty, não existia num só departamento o enfoque na área energética. O assunto era dividido em três ou quatro departamentos. O etanol era cuidado pela Divisão de Produtos de Base, Promoção Comercial e pela Agência Brasileira de Cooperação. Agora, vamos criar uma noção de conjunto."

Motivos
"Existe interesse crescente sobre os recursos renováveis do Brasil, em especial os biocombustíveis, etanol e biodiesel. Não há visita diplomática em que o tema não seja tratado.E isso é natural pela posição de liderança que o Brasil assumiu na produção do etanol.Outra questão é a preocupação com a escassez de combustíveis fósseis. A estimativa conservadora é de que,em 2030, cerca de 37% da matriz energética mundial seja formada por petróleo,28% pelo gás e 28% pelo carvão."

Supergasoduto do Sul
"Não é o primeiro gasoduto do mundo de grandes dimensões e complicações. É preciso entender que o mercado de gás é regional, enquanto o de petróleo é global. O primeiro depende sobretudo dos dutos, e isso se verifica em que somente 7% do comércio mundial de gás é feito por gás natural liquefeito (GNL). É uma obra complexa, ousada, mas não é diferente de outras regiões.É preciso ter uma relação de confiança e contratos de longo prazo, e o interesse econômico."

Auto-suficiência
"A integração energética é fundamental para a sobrevivência da nossa região. A Petrobrás é hoje a terceira maior empresa petroleira da Argentina,a primeira na Bolívia, e explora petróleo no Peru, no Equador,na Colômbia e na Venezuela.A Argentina compra gás da Bolívia e exporta para o Chile.
Nós vendemos energia para o Uruguai.Esses países querem continuar a fazer esse tipo de cooperação.O Brasil é auto-suficiente na exploração de petróleo e a Petrobrás acaba de comprar duas refinarias nos EUA para refinar o óleo da Bacia de Campos."

Etanol
"O Brasil é parâmetro para o mundo.Nosso projeto tem 30 anos e está maduro.Nossa idéia não é usar o etanol como poder, mas para criar oportunidades de crescimento e bem-estar para a sociedade brasileira.Assim como o biodiesel, podemos contribuir para a melhoria social interna.Nossa estratégia é trabalhar o etanol e o biodiesel como commodities energéticas. Há muito poucos países que usam etanol como combustível de forma integral, como o Brasil." (CDS)

CB, 25/06/2006, Mundo, p. 19

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