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É preciso salvar o rio Paraíba

O Globo, Opinião, p. 7
Autor: MINC, Carlos
17 de Nov de 2005

É preciso salvar o rio Paraíba

Carlos Minc

O grande rio da integração da região sudeste agoniza. Suas águas são contaminadas com metais pesados das indústrias, com o esgoto lançado sem tratamento; as represas das usinas hidroelétricas seccionam seu curso, extinguindo várias espécies de peixes migratórios; suas margens são desmatadas, seu leito é assoreado, a qualidade da água é deteriorada e o seu uso múltiplo está ameaçado.

O triste Paraíba vem poluído de São Paulo. Em pesquisa recente detectaram mercúrio, chumbo e cromo na represa do Funil, em Itatiaia, e no fígado de peixes carnívoros, como o tucunaré e a traíra. Obteve-se, no entanto, uma vitória significativa: a Companhia Siderúrgica Nacional, maior poluidora do rio, depois de décadas de manifestações e de ações na Justiça, cumpriu em grande parte o termo de ajustamento de conduta, tratou seus efluentes e diminuiu a carga de poluentes.

A CSN poluía mais do que o conjunto das indústrias do médio Paraíba, com metais e hidrocarbonetos. Em 1997, uma pesquisa da Comissão de Defesa do Meio Ambiente da Assembléia Legislativa do Rio, coordenada pelo engenheiro químico José Roberto Araújo e pelo biólogo Gustavo Nunan, diretor do departamento de Ictiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, demonstrou que os sedimentos do rio e suas águas apresentavam concentração de benzopireno até 16 vezes acima do máximo tolerado (a jusante do ponto de lançamento da CSN) e que peixes como piaus, cascudos e lambaris apresentavam deformações nos olhos, nas nadadeiras e papilomas cancerígenos devido à contaminação.

Com base neste estudo que estabeleceu um nexo causal, o BNDES sustou um grande financiamento à siderúrgica, até que ela despoluísse seus lançamentos no rio, de onde provém a água consumida por 9 milhões de pessoas através do sistema Guandu.

Em 2000, a empresa assinou o termo de ajustamento com o governo estadual e o Ministério Público e em 3 anos investiu R$ 180 milhões em equipamentos antipoluentes. Estudo realizado em 2004/2005 indicou melhora de 80% na saúde dos peixes; apenas os cascudos, que vivem em contato com os sedimentos contaminados, ainda apresentam problemas que refletem a memória da poluição passada.

O eixo da batalha pela vida do Paraíba do Sul se concentrou na urgência do tratamento adequado do lixo e do esgoto, onde há omissão da Cedae e das prefeituras - 90% de todo o esgoto das cidades ribeirinhas chegam in natura às castigadas águas do Paraíba! E também na devastação causada pelos reservatórios de Furnas (Funil) e do sistema Light (Santa Cecília e Ilha dos Pombos), que extinguiu 25% das espécies de peixes do médio Paraíba, como o dourado, o surubim e outras 14, tendo grande parte de espécies migratórias sido afetada pelas barreiras das represas, com alteração da qualidade das águas, desmatamento com eliminação de nutrientes e alterações significativas no curso, no regime e no volume das águas.

A recente pesquisa de Araújo e Nunan, comparando inventários das espécies de 20 e de 10 anos atrás com o realizado em 2004/2005, analisou exemplares, idade e saúde, detectou o extermínio e demonstrou as causas: Furnas e Light pouco investiram na manutenção e na reprodução das espécies, no reflorestamento, no monitoramento e em STPs (sistemas de transposição de peixes) eficazes. Funil e Santa Cecília não possuem "escadas de peixes" para viabilizar a piracema e a da Ilha dos Pombos funciona mal por falta de monitoramento e correção. O reflorestamento do Funil se restringe a 5% do perímetro de 120km, com eucaliptos, e a insignificante criação de peixes se resume a poucas espécies para a pesca esportiva.

Exigiu-se na Justiça e no MP que seja firmado um TAC para que estas empresas invistam forte num programa detalhado de recomposição da ictiofauna devastada. E que as novas hidrelétricas propostas, como Simplício, Itaocara e Cambuci, obedeçam a uma moratória de um ano, realizem relatórios do seu impacto conjunto sobre a vida do rio, como determina a lei 3.111/98, e que demonstrem mecanismos eficazes para não repetirem os erros das represas já existentes; isto no caso de que sua necessidade seja demonstrada, que as medidas sociais e ambientais sejam aprovadas e que os impactos negativos não superem seus benefícios, evitando um apagão nos agricultores e nos peixes sobreviventes.

Com os rios amazônicos sofrendo com a vazante provocada por alteração climática e o rio São Francisco tendo sua revitalização cobrada por todos, inclusive pelos que querem integrar sua bacia para perenizar rios nordestinos, nos perguntamos se teremos todos de jejuar por peixes, agricultores e águas do nosso Paraíba do Sul.

Carlos Minc é deputado estadual (PT-RJ).

O Globo, 17/11/2005, p. 7

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