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Dever de casa para o acordo do clima Lima determinará as bases das ações futuras.

Valor Econômico, Opinião, p. A13
Autor: MARGULIS, Sergio; UNTERSTELL, Natalie
05 de Dez de 2014

Dever de casa para o acordo do clima Lima determinará as bases das ações futuras.
Vai fazer um bom negócio e proteger a vida de seus habitantes quem melhor aprender a lidar com enchentes e secas, com agricultura sujeita a eventos extremos, com regiões costeiras vulneráveis a inundações, com infraestruturas sujeitas a grandes variações

Por Sergio Margulis e Natalie Unterstell

Das trajetórias projetadas até o fim deste século, o mundo já caminha naquelas mais extremas quanto ao aumento de temperatura, o que coloca pessoas, ecossistemas e economias sob séria ameaça.
A Conferência das Partes (CoP) que está sendo realizada em Lima, no Peru, vai oferecer as bases para um novo acordo climático global, a ser adotado em Paris, em 2015. O que os cidadãos comuns querem saber é: como é que esse acordo os protegerá dos impactos da mudança climática?
Para ensaiar uma resposta, o acordo deve focar na implementação do compromisso, já acertado entre os países, de limitar o aumento médio da temperatura na Terra em 2 graus Celsius. Esse aumento é aceito como "suportável" em termos de impactos e factível mediante esforço comum, o que vem sendo negociado nas CoPs, das quais Lima é a 20ª edição.
As dificuldades são estratosféricas, mais do que literalmente. Manter a humanidade nos 2 graus até 2100 requer a transformação dos padrões de produção e consumo das sociedades. Numericamente, o limite do acumulado de emissões tem que ser menor que 1 trilhão de toneladas de carbono, das quais já consumimos 54% desde a Revolução Industrial.
No ritmo atual de emissões, as restantes 460 bilhões de toneladas disponíveis serão exauridas antes de 2045. Quem poderá emitir essas (poucas) toneladas restantes? Em vez de se definir isso de modo centralizado, os governos acordaram oferecer números "dos países para a Convenção". Lima determinará como serão essas ofertas em termos de emissões e ações de redução, e orientará as contribuições a serem apresentadas pelos países em março do próximo ano.
A soma das contribuições será comparada com o limite tolerável de emissões futuras e oxalá suficiente para nos manter nos 2 graus de aquecimento - mas esta seria a história da carochinha. Esse cenário não parece plausível e o grande desafio entre Lima e Paris será definir como e quando chegar ao nível suficiente de esforços coletivos. Impor limites? Acordos com penalidades comerciais? Só permitir as emissões mais eficientes e que geram maiores retornos econômicos? Criar uma moeda de carbono? Para pensar isso, podemos olhar em quatro direções.
Olhar para trás: no acumulado histórico, os países ricos emitiram mais que os países em desenvolvimento, mas a China já ocupa desde 2005 a segunda posição nesse quesito, atrás dos Estados Unidos e à frente da Rússia e da União Europeia. Em termos de emissões históricas per capita, os países ricos emitiram cerca de cinco vezes mais que os pobres e a China desaparece da lista dos grandes emissores. Se incluirmos na conta as emissões decorrentes dos desmatamentos, da agricultura, e de gases além do CO2, o Brasil piora sua posição relativa, assumindo incômodas posições de liderança. Portanto, olhar para trás pode não ser tão boa ideia para o Brasil. Além do mais, olhar quanto para trás, dado que o problema era desconhecido até há cerca de 40 anos?
Olhar para frente: para maior benefício da humanidade, deveríamos permitir apenas aquelas emissões que geram o maior retorno econômico e social. No entanto, as emissões por dólares gerados pelos países ricos são muito menores que as dos países em desenvolvimento, porque aqueles são mais eficientes. O Brasil neste quesito se iguala ou mesmo supera os países mais desenvolvidos e fica muito à frente dos parceiros emergentes por conta de sua matriz energética limpa. Os países dependentes de carvão são os que se saem pior nesta fotografia, principalmente China e África do Sul, mas também nossos outros parceiros nos Brics, que são ineficientes e intensivos do ponto de vista energético.
Olhando para o lado: uma das principais dificuldades das negociações é a partição binária entre países ricos e pobres. É preciso superar essa polarização de modo criativo. O Brasil propôs que a diferenciação entre países seja dinâmica e busque uma convergência de esforços ao longo do tempo. Para quem acompanha o processo global de negociação, fica a impressão de que todos estão realmente preocupados em pegar carona nos esforços dos outros: os ricos já sinalizaram que não vão pagar a conta sozinhos (Japão e Canadá saíram do Protocolo de Kyoto sem qualquer penalização), e os emergentes perceberam que não vão poder pegar carona na onda dos ricos (vide acordo recente entre China e Estados Unidos). Para equalizar essas "caronas", uma medida seria criar uma "moeda do carbono". Sobre isso, o Brasil apresentou proposta de reconhecimento do valor social do carbono, de modo a incentivar ações de mitigação adicionais (ou seja, que ultrapassem as próprias metas futuras) e antecipadas (a serem realizadas antes de 2020). Isso pode gerar um sinal de longo prazo importante para o setor privado e ligar a Convenção do Clima ao sistema financeiro internacional.
Olhar para o próprio umbigo: o que parece ser um problema para se tentar varrer para debaixo do tapete representa hoje uma das maiores oportunidades de negócios no mundo. De um lado, existe a corrida pelas energias limpas. O Brasil, exemplo mundial de uso de fontes renováveis, precisa se colocar na fronteira da ciência e da inovação no setor, ou perderá o bonde para China, Alemanha e Estados Unidos. Uma corrida que não é entre países, senão de empresas, mas uma mãozinha do governo ajuda, pelo menos com sinalizações de suas políticas de desenvolvimento.
A outra frente diz respeito à adaptação às mudanças do clima. Não é preciso esperar por qualquer acordo global para se preparar para as inevitáveis mudanças. Vai fazer um bom negócio e proteger a vida de seus habitantes quem melhor aprender a lidar com enchentes e secas, com agricultura sujeita a eventos extremos, com regiões costeiras de baixada com alta densidade populacional e vulneráveis a inundações, com infraestruturas sujeitas a grandes variações de vento, temperatura e chuvas. Já é preciso pensar fora da caixa e aceitar que as séries históricas do clima estão mudando e que o planejamento deve incorporar essa nova dimensão. Grandes problemas, grandes desafios e grandes oportunidades.

Sergio Margulis e Natalie Unterstell são subsecretário de desenvolvimento sustentável e diretora de desenvolvimento sustentável da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, respectivamente.

Valor Econômico, 05/12/2014, Opinião, p. A13

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