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Desatar o nó da Agenda Pós-2015

Valor Econômico, Opinião, p. A13
Autor: VEIGA, José Eli da
29 de Abr de 2015

Desatar o nó da Agenda Pós-2015

José Eli da Veiga

A ONU finalmente dará passo de imenso alcance histórico em direção à sustentabilidade do desenvolvimento, embora com muito atraso. Por pior que seja o desfecho do amplo processo de consultas globais, debates internacionais e negociações multilaterais sobre a Agenda Pós-2015, em setembro o mundo terá Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), no lugar dos anacrônicos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). Fato por si só auspicioso, mas com avanços conexos que elevarão o valor sustentabilidade a um novo patamar. Ou que talvez até mudem o paradigma, se os negociadores ouvirem a ciência com muita atenção.

Essa é a avaliação dos que consideram que crucial, mesmo, é a importância pedagógica do processo.

Nos últimos oito meses causou grande apreensão o documento básico submetido pelo grupo de trabalho aberto (OWG) à Assembleia Geral da ONU, propondo dezessete ODS, com 169 metas, cujo monitoramento poderá demandar várias centenas de indicadores. Alto risco de dispersão que não será removido, mesmo que os ODS e suas metas sejam "compactados" nas seis bandeiras lançadas em dezembro pelo secretário-geral Ban-Ki Moon (ver Valor de 30/12/14). Uma tática que poderá facilitar muito a comunicação da Agenda, mas que em nada alterará a dificuldade operacional de se lidar com tantas metas, suas decorrentes tensões, superposições e até incoerências. Problema que levou a mídia a fazer avaliações bem negativas sobre a questão, com destaque para a sarcástica matéria "Os 169 mandamentos" na "The Economist" de 28/03/15.

A métrica para monitorar o desempenho das sociedades terá, é óbvio, que ir muito além do PIB e do IDH

Porém, essa compreensível perplexidade é equivocada, como demonstra a minuciosa avaliação científica das 169 metas realizada por parceria do ICSU (International Council for Science) com o ISSC (International Social Science Council): Review of Targets for the Sustainable Developments Goals: The Science Perspective (92 p.).

Esse estudo ressalta que, na atual conjuntura, o elevado número de metas é uma inevitável decorrência do promissor processo democrático de aprendizado coletivo sobre o próprio sentido do Desenvolvimento Sustentável. Mais: um irrisório defeito se comparado ao que há de pior, tanto nas referidas propostas, quanto no expediente de Ban-Ki Moon: a falta de um alvo abrangente ("overarching goal"), que dê unidade e consistência aos dezessete ODS com suas 169 metas (das quais apenas 49 foram bem avaliadas, pois 91 requerem mais precisão e 29 exigem reformulação).

Para os pesquisadores mobilizados pela parceria ICSU/ISSC, o alvo abrangente que pode articular os ODS deve ser "uma alta e próspera qualidade de vida, que seja equitativamente partilhada e sustentável" ("a prosperous, high quality of life that is equitably shared and sustainable"). Por isso enfatizam que a métrica necessária ao monitoramento do desempenho das sociedades obviamente terá que ir muito além do PIB e do IDH.

Ou seja, "botaram o dedo na ferida", expressão por demais informal, mas neste caso insubstituível. A ONU não pode continuar a fazer de conta que tal obstáculo não existe, até porque o documento aprovado em 2012 na Rio+20 (que determinou a adoção dos ODS em 2015) também reconheceu em seu parágrafo 38 a necessidade de medidas mais abrangentes de progresso.

No entanto, já tem mais de cinco anos a conspiração de silêncio em torno do seminal - mas muito incômodo - projeto de nova mensuração do desempenho econômico e do progresso social elaborado pelo trio Joseph Stiglitz, Amartya Sen e Jean-Paul Fitoussi: "Mis-measuring our lives: why GDP doesn't add up" (The New Press, 2009).

A rigor, há outros três tipos de opções disponíveis:

As mais antigas são as que tentam corrigir ou ajustar o PIB e outras medidas econômicas convencionais de maneira a que também deem conta de fatores socioambientais. O principal representante dessa primeira categoria é o GPI: Genuine Progress Indicator.

Também há as opções que dependem de avaliações subjetivas do bem-estar obtidas por sondagens, como, por exemplo, o World Values Survey (WVS), que começou em 1981 e já está em sua "sexta onda".

O terceiro tipo de abordagem consiste na elaboração de índices compostos que ponderam dimensões objetivas e subjetivas, como são os casos do Happy Planet Index, da NEF (New Economics Foundation), e do Better Life Index, da OCDE.

Descrição detalhada dessas três vertentes está no artigo "É hora de deixar o PIB para trás" ("Time to leave GDP behind"), publicado na edição 505 da revista "Nature", de 16/01/14, por uma dezena de pesquisadores liderados pelo economista Robert Costanza.

A superioridade da proposta feita pelo trio Stiglitz-Sen-Fitoussi reside na clara distinção - e desagregação - dos três principais desafios: a) a superação do PIB por medida ainda mais objetiva de crescimento econômico: a renda familiar média ajustada pela desigualdade; b) a necessidade de um novo e robusto indicador sintético da qualidade de vida, que não exclua avaliações subjetivas; e c) a inevitabilidade de se medir o vetor ambiental da sustentabilidade por boa seleção de indicadores biogeofísicos.

José Eli da Veiga, professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE/USP) e autor de "A Desgovernança Mundial da Sustentabilidade" (Editora 34, 2013). Página web: www.zeeli.pro.br

Valor Econômico, 29/04/2015, Opinião, p. A13

http://www.valor.com.br/opiniao/4026502/desatar-o-no-da-agenda-pos-2015#

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