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Desafio da caixa-preta ambiental

O Globo, Amanhã, p. 23-25
09 de Out de 2012

Desafio da caixa-preta ambiental
Governo se fecha não discute novo código mineral. Falta de informação e coloca empresários e ambientalistas lado a lado por transparência nas discussões

AMELIA GONZALEZ
amelia@oglobo.com.br
CLEIDE CARVALHO
cleide.carvalho@sp.oglobo.com.br

O capítulo Código Florestal ainda não foi encerrado, mas o Brasil já se vê diante de um novo desafio ambiental: como usar sua geodiversidade. Trancado a sete chaves na Casa Civil, um novo Código Mineral pode trazer à superfície o debate sobre exploração das riquezas do subsolo brasileiro, até agora restrito aos gabinetes do Poder. Três anos após o lançamento da ideia de um novo marco regulatório, o silêncio do governo coloca lado a lado dois segmentos sociais tradicionalmente opostos: empresários e ambientalistas, com apoio do terceiro setor. Ninguém sabe ao certo o que será proposto ao Congresso e, muito menos, quando. O Ministério das Minas e Energia (MME) também não dá detalhes da discussão. Diante das dúvidas, são unânimes as críticas sobre a falta de transparência e de debate em torno da definição das regras que, no fim das contas, vão tratar de bens que, por natureza, são exauríveis e cuja extração altera significativamente o meio ambiente.
Mudar essas regras significa mexer num mercado que está intocado há 24 anos e que movimenta anualmente US$ 50 bilhões. Privilegiado em extensão e em riqueza mineral, o Brasil ocupa no mundo dos minérios um lugar de destaque. O país é o maior exportador de nióbio e ferro; o segundo em bauxita, manganês e tantalita, e o quarto em rochas ornamentais. Isso sem falar no ouro, que, desde a época da Colônia, é um dos principais produtos da pauta de exportação. Entre os minérios, perde apenas para o ferro.
E, para emoldurar o quadro, há ainda uma enorme leva de minérios extraídos do solo em quantidades fartas, como areia, brita, cascalho e argila. São os "minerais agregados", insumos da construção civil. A lista não para de crescer, sobretudo depois que a indústria de alta tecnologia elegeu 17 elementos químicos terras raras, como lítio, tálio, cobalto e urânio, como estratégicos para o país.
Como não se sabe o que vem por aí, a pressão para a criação de salvaguardas não para de crescer. O Congresso Nacional se apressa para regulamentar a exploração em terras indígenas, enquanto as mineradoras negociam para derrubar entraves ambientais. O último deles caiu por terra em setembro, quando o Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio) flexibilizou a exploração mineral em cavernas.
Se antes as cavidades consideradas de alta relevância deveriam permanecer intocadas, agora elas podem ir abaixo se trocadas pela preservação de outras duas, com o mesmo grau de importância, não necessariamente na mesma área. A medida era avidamente esperada pelo setor empresarial, que vem enfrentando problemas no licenciamento ambiental de novos empreendimentos, onde encontram cavernas no meio do caminho
A flexibilização animou algumas empresas. Algumas saíram colecionando concessões para garantir a tal compensação prevista na lei. O resultado é que hoje as cavernas viraram uma espécie de moeda de troca no setor mineral. Especialistas em espeleologia calculam que existam no país, segundo dados do Cadastro Nacional de Cavernas do Brasil, 4.672 cavernas. O estado de Minas Gerais é recordista em cavidades, com 1.656; seguido por Goiás (665) e Bahia (540).
- Estamos num período virtuoso da mineração. Os bens minerais estão em níveis de preço que nunca alcançaram nos últimos 20, 30 anos. Quando o preço sobe, viabiliza a exploração de jazidas que, nas antigas condições, não seriam viáveis. Se o Brasil não aproveitar a oportunidade, vai perder o bonde da História - acredita Elmer Prata Salomão, presidente da recém-criada Associação Brasileira de Pesquisa Mineral (ABPM), entidade alçada como porta-voz do setor nas discussões do novo código mineral.
Dados da ABPM apontam que 55.500 requerimentos de pesquisas, 11 mil pedidos de lavra e 55 portarias de autorização de lavras estão prontos para serem publicados. Só que está tudo parado no Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM).
- Não tem decreto, portaria: basta uma ordem verbal. Essa situação cria uma enorme insegurança no setor - diz Salomão, para quem a solução seria equipar o DNPM, que tem hoje 1.329 funcionários.
A expectativa de mudança na legislação ocorre num momento de ebulição. Segundo estudo da PricewaterhouseCoopers (PWC), a produção mineral deve receber investimentos de US$ 68,5 bilhões até 2015, com aumento de produção mineral em taxas entre 10% e 15% ao ano. Até 2030, os investimentos deverão chegar a US$ 260 bilhões. A PWC lembra que os novos projetos se desenvolvem em locais remotos, exigindo contrapartidas substanciais em infraestrutura. O estudo chama atenção ainda para o fato de os custos de operação da mineração no Brasil tenderem a ficar mais caros devido às pressões ambientais.
- As mudanças no código estão sendo uma grande caixa-preta - observa Bruno Milanez, um dos coordenadores do estudo 'Novo marco legal de mineração no Brasil. Para quê? Para quem?', feito sob encomenda de entidades do terceiro setor. - Por conta de um requerimento de um senador (Flexa Ribeiro, PSDB-PA), houve uma audiência pública em 2010. O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, foi chamado para explicar o novo código. O novo marco regulatório poderá intensificar também os problemas que a atividade causa às comunidades e ao meio ambiente.
Minerar significa abrir cavas no solo ou instalar dragas em leitos de rios para remexer o que está no fundo. Mesmo que a cava seja pequena, é preciso criar infraestrutura para a escavação, como a abertura de estradas e ferrovias e instalação de luz elétrica. Como nem tudo do que é retirado do solo tem valor, as minas costumam produzir montanhas de material estéril e barragens de rejeitos. Modificar a paisagem é inevitável. Outro problema é que, ao remexer o solo, poluentes surgem e são arrastados para as águas pela chuva.
- Não é só o meio ambiente que é alterado. O problema é a desterritorialização. Os animais são afugentados, as pessoas são obrigadas a sair. O que a sociedade precisa entender é que uma jazida não é um ponto isolado no meio da floresta. Ela modifica todo o seu entorno - comenta o agrônomo e sociólogo Raimundo Gomes, do Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular (Cepasp), do Pará.
Explorar minérios tem sido um negócio altamente rentável. Primeiro, devido ao espetacular crescimento da China, compradora voraz. Mas não é só. Abalada pelas crises financeiras cíclicas e pela fragilidade dos papeis, o mundo todo se voltou para os ativos reais. O preço do ouro, por exemplo, está em alta desde os atentados de 11 de setembro de 2001. Só este ano, o 12o consecutivo de alta, subiu 14%, a caminho de um novo recorde, anabolizado pelo mercado financeiro e pelo crescimento dos emergentes chineses e indianos, que, juntos, compram metade das joias, barras e moedas de ouro produzidas no mundo.
É justamente para ter mais conhecimento do conteúdo que está sendo proposto no novo código mineral que as ONGs fizeram um manifesto - até agora assinado por 263 pessoas - reivindicando audiências públicas. Um dos coordenadores do Observadores do Pré-Sal e representante do Ibase, Carlos Bittencourt, lamenta o silêncio:
- Com base na Lei de Acesso à Informação, vamos entrar com um requerimento. Se há uma minuta do texto, é obrigação do governos nos apresentar essa minuta. Queremos um contracódigo.
O desconforto também atingiu o setor empresarial.
- Nosso sistema de vida é inviável sem minérios. Portanto, tem que conviver com a atividade. Onde for importante para o Brasil, é necessário haver mineração - resume o consultor José Mendo Mizael de Souza, da J Mendo Consultoria. - Ninguém no setor pediu para mudar. O papel do governo é atrair investimentos. Só que, esse novo código cria conflitos de interesses desnecessários. Tem 50 anos que a mineração está tranquila.
A ex-assessora econômica da Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral (SGM) do MME, Maria Amélia Enriquez - que, na época, tinha entre suas atribuições coordenar os trabalhos do novo código mineral - tem uma visão diametralmente oposta:
- De todas as concessões públicas no Brasil, o setor mineral é o menos regulado.
Por motivos distintos, Milanez concorda que o setor padece de uma regulação mais rígida do mercado:
- Não se pode ter mais mineração sendo feita da forma atual, inalterada desde os anos 70. Que tal pensarmos em outro tipo de mineração, onde as pessoas afetadas venham a ser de fato ouvidas?
O que existe de conhecimento no mercado sobre o novo código é um quebra-cabeças. Cogita-se que o novo marco prevê a criação de uma agência reguladora, as lavras serão licitadas como as áreas de extração de petróleo e os contratos firmados terão prazo de término - de 35 anos. Também se arrasta a definição dos novos royalties a serem pagos pelo setor, a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), que podem ser corrigidos independentemente de mudanças no marco regulatório. A alíquota hoje oscila de 0,2% a 3%. Os royalties cobrados aqui são menores do que em outros países. Outra novidade esperada é a criação de áreas especiais, de maior valor e potencial mineral, que só o governo poderia pesquisar.

O Globo, 09/10/2012, Amanhã, p. 23-25

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