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Consulta aos quilombos do Pará: um processo inacabado (?)

ISA - http://racismoambiental.net.br
01 de Abr de 2014

O Estado do Pará nas últimas décadas se manteve na liderança do reconhecimento dos direitos territoriais dos remanescentes das comunidades de quilombo. O Pará foi o primeiro governo estadual a expedir títulos de reconhecimento de domínio de territórios quilombolas e é o que mais títulos emitiu em todo o Brasil.

Destaca-se que a legislação estadual de reconhecimento de domínio dos territórios quilombolas incorporou o princípio do autoreconhecimento na identificação da comunidade e não só permite a esta apresentar uma proposta de croquis, mas obriga o órgão estadual de terras a realizar uma reunião na comunidade quando terminam os trabalho de campo para que esta possa validar os limites de seu território.

Atualmente o Pará dispõe de uma Política Estadual para as Comunidades Remanescentes de Quilombos (Decreto no 261, de 22 de novembro de 2011).

Por iniciativa do governador Simão Jatene, e o apoio do Ministério Público Federal no Estado do Pará, em 20 de junho de 2013, foi editado o Decreto n" 767, que delegou ao Instituto de Desenvolvimento Econômico, Social e Ambiental do Pará - IDESP, a tarefa de realizar o processo de: "consulta prévia, livre e informada do "Plano de Utilização e de Desenvolvimento Socioeconômico, Ambiental e Sustentável" à comunidade remanescente de quilombo de Cachoeira Porteira". Foram convidados a participar deste processo a Secretaria de Estado de Meio Ambiente, o Ministério Público do Estado do Pará, a Defensoria Pública do Estado do Pará, o Ministério Público Federal, a Fundação Nacional do Índio - FUNAI e a Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará - MALUNGU.

O primeiro dos "Considerando" do decreto cita expressamente a Convenção 169 da OIT como base legal do ato: "Considerando o disposto no art. 6" da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, promulgada no Brasil através do DECRETO n" 5.051, de 19 de abril de 2004".

Esta iniciativa é de fundamental importância pois previu a elaboração de um Plano de Consulta que deveria garantir a ampla participação da comunidade quilombola.

Por isso entre os dias 22 e 25 de julho de 2013 uma equipe do Ministério Público Federal, com o apoio do IDESP, se deslocou até a Comunidade Remanescente de Quilombo de Cachoeira Porteira (Oriximiná - Pará) apresentando a "Oficina de Consulta Prévia para povos tradicionais na Amazônia brasileira", na qual se discutiu com os quilombolas o que é consulta prévia, livre e informada, qual a dinâmica que todo o processo deveria respeitar, como seria tomada a decisão.

O processo foi regulamentado pela Instrução Normativa IDESP no 001, de 06 de agosto de 2013. Já a ementa esclarece o valor da consulta: "Dispõe acerca da normatização dos procedimentos e meios através dos quais se submeterá à consulta prévia, livre e informada para o consentimento (ou não) do "Plano de Utilização e de Desenvolvimento Socioeconômico, Ambiental e Sustentável" pela comunidade remanescente de quilombo de Cachoeira Porteira" (grifo nosso).

O seminário aconteceu nas dependências da comunidade entre os dias 23 e 31 de agosto de 2013, com a participação de todas as famílias, além dos representantes das entidades citadas acima.

Depois do IDESP ter apresentado o "Plano de Utilização e de Desenvolvimento Socioeconômico, Ambiental e Sustentável", a comunidade reuniu durante cinco dias com sua assessoria e apresentou algumas sugestões de alteração que foram aceitas pelo IDESP e incorporadas na edição final do Plano.

Em 12 de dezembro de 2013 foi publicado no Diário Oficial do Estado o "EXTRATO DA ATA DE CONSULTA, PRÉVIA, LIVRE E INFORMADA À COMUNIDADE REMANESCENTES DE QUILOMBOS DE CACHOEIRA PORTEIRA, ORIXIMINÁ, PARÁ, SOBRE O PLANO DE UTILIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO E AMBIENTAL, REFERENTE A DECISÃO FINAL DA COMUNIDADE E OS PRINCIPAIS REGISTROS DAS REUNIÕES DE DIÁLOGO E NEGOCIAÇÃO, DE ACORDO COM A INSTRUÇÃO No 001/2013 - IDESP DE 06 DE AGOSTO DE 2013".

Todo o processo de elaboração do instrumental normativo, bem como a consulta à comunidade foi acompanhado pela COORDENAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES DAS COMUNIDADES REMANESCENTES DE QUILOMBO DO PARÁ (MALUNGU/PARÁ).

Trata-se do primeiro na história brasileira no qual um governo estadual submete a uma comunidade tradicional um processo de consulta. Não se tratou de uma mera audiência pública onde o poder público apresenta seu projeto reativo a uma determinada obra ou política, mas desde o começo o governo estadual se comprometeu a acatar a decisão da comunidade conforme foi explicitamente consagrado no Parágrafo único do Art. 2" do Decreto n" 767, de 20 de junho de 2013: "Caso não haja o consentimento da comunidade quilombola, o "Plano de Utilização e de Desenvolvimento Socioeconômico, Ambiental e Sustentável" não poderá ser executado" (grifo nosso).

No momento no qual a presidência da república estuda a regulamentação do Processo de Consulta previsto no artigo 6" da Convenção 169 da OIT (Portaria Interministerial No 35, de 27 de Janeiro de 2012) o exemplo do estado do Pará é de fundamental importância. Não foi editada uma norma genérica, que abrangesse todos os aspectos possíveis de um processo de consulta válido para qualquer processo legislativo ou de licenciamento de uma obra, e para qualquer grupo social atingido por aquela medida, mas se preferiu realizar uma consulta específica, a uma comunidade específica, sobre um plano específico.

O caminho trilhado pelo governo do estado do Pará, com o acompanhamento e auxilio do Ministério Público Federal em Belém e Santarém é um exemplo para todo o Brasil.

Toda esta caminhada pode, porém ser fadada ao fracasso se o processo terminar com a simples publica da ata de negociação. Esperamos que o governo do Estado do Pará concretize e conclua este processo de: "consulta prévia, livre e informada" com a edição de um decreto governamental que consagre e finalize a aceitação por sua parte o Plano negociado com a Comunidade quilombola Cachoeira Porteira.

Sugerimos que sejam feitos contatos com o governador do Estado do Pará e o IDESP solicitando a edição do decreto que concretiza este precedente jurídico.

Belém (PA), 01 de abril de 2014

Girolamo Domenico Treccani

Assessor Jurídico Malungu/PA

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