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05 de Fev de 2025
Como o mercado regulado de carbono vai impactar povos e comunidades tradicionais?
05.02.25 | Por Lorena Tabosa
Nova lei cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões e prevê porcentagem mínima de pagamento para projetos de carbono em territórios tradicionais.
A convocação de Darysa Yanomami ecoa clara e forte: "Quero que vocês, brancos, escutem minhas palavras e defendam nossa floresta". Uma das autoras do livro Diários Yanomami: Testemunhos da destruição da floresta, Darysa fez o pedido durante o lançamento da obra, em julho do ano passado.
Maior floresta tropical do planeta, a Amazônia é muito procurada por desenvolvedores de projetos de carbono. Não à toa. Eles buscam se instalar no território justamente por causa das árvores, que têm alto potencial de armazenamento de carbono. Mas, assim como o Brasil não era "terra virgem" quando os europeus desembarcaram na costa, o bioma amazônico é lar de muitas comunidades, que somam mais de 28 milhões de habitantes e que nem sempre têm seus direitos e modos de vida respeitados diante da corrida pelo "novo ouro", o carbono.
Em dezembro de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei que cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE). O mercado regulado de carbono estabelece regras de compensação para os setores que mais emitem gases de efeito estufa (GEE) e vincula a necessidade de cumprimento das salvaguardas socioambientais, mas deixou o agronegócio de fora. Sozinho, o setor é responsável por 74% das emissões, de acordo com pesquisa realizada pela plataforma Sistema de Estimativa de Emissão de Gases Estufa (SEEG) e divulgada pelo Observatório do Clima em novembro. Esse percentual engloba as emissões de metano pelos animais e as mudanças de uso da terra.
"Como o setor agropecuário foi excluído das obrigações que a lei instituiu, principalmente em relação à limitação das emissões, seguirá agindo como atualmente, o que gera pressão em alguns territórios tradicionais em relação a desmatamento e grilagem, por exemplo, afetando diretamente o dia a dia das comunidades", afirma Ciro Brito, analista sênior de Políticas do Clima no Instituto Socioambiental (ISA).
Os modos de vida das comunidades tradicionais integram o conceito das salvaguardas socioambientais. Elas são ações que se propõem a monitorar os riscos e evitar o impacto negativo de investimentos públicos ou privados aos ecossistemas e às comunidades locais, povos indígenas e populações tradicionais. As partes interessadas, em particular povos indígenas e comunidades locais, devem ter participação plena e efetiva na elaboração de projetos de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+) em seus territórios.
As salvaguardas foram propostas durante a COP16 de 2010, em Cancún. Desde então, os desenvolvedores de projeto de carbono precisam identificar e abordar potenciais impactos ambientais e sociais negativos como parte de uma avaliação de risco detalhada antes de iniciar o projeto. O problema é que, na prática, isso nem sempre acontece.
Há diversos casos de violações das salvaguardas socioambientais em projetos de carbono. O Joio já publicou relatos nas reportagens da série Faroeste Carbono e em outras, como a denúncia de um projeto em um território quilombola em Abaetetuba, no Pará, em que a empresa Amazon Carbon não consultou as comunidades antes de iniciar o projeto, tendo seguido em frente sem o aval de boa parte das famílias.
O ponto de partida para a garantia das salvaguardas é a consulta livre e previamente informada das comunidades, prevista pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). A nova lei estabelece que essa consulta precisa ser feita nos termos do plano de consulta local, quando houver, e que a comunidade não pode arcar com os custos desse processo.
O que se vê em muitos projetos hoje é a supressão dessa etapa por parte dos desenvolvedores, em geral sob a alegação de que não podem arcar com esse custo. Agora, haverá obrigatoriedade de realizar e arcar com as consultas. De acordo com a lei, o processo terá a participação e a supervisão do Ministério dos Povos Indígenas, da Funai e das câmaras específicas do Ministério Público Federal (MPF).
"O Ministério Público vai precisar ser muito sábio e contar com a ajuda de profissionais do setor para compor essa metodologia. Porque existem metodologias que podem ser uma casca de banana na construção dos protocolos comunitários de consulta prévia e informada", defende Carlos Ramos, pesquisador do Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares da Universidade Federal do Pará (UFPA). O receio é de que o desenho do processo não seja feito totalmente pelas comunidades, por limitação de custos por parte do desenvolvedor, por exemplo, o que deixaria brechas para interferências pelas partes financiadoras.
Há entidades que afirmam que não houve participação das comunidades na elaboração da lei, especialmente considerando que os povos indígenas e comunidades tradicionais são grupos muito diversos e heterogêneos. Isso faria com que o processo de idas e vindas do texto no Congresso Nacional não tivesse considerado a premissa da consulta às comunidades, como as salvaguardas do próprio texto da lei prevêem.
"Eles podem opinar de diferentes modos e em diferentes posicionamentos sobre o mercado regulado de carbono. O que é importante destacar é que não houve uma participação devida desses povos e comunidades no processo de elaboração e aprovação da lei. Uma lei cuja aplicação praticamente depende de territórios conservados, ou seja, territórios tradicionalmente ocupados", pontua Pedro Miranda, educador da organização FASE Amazônia.
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