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Com votação acirrada, Senado aprova ponto fundamental do marco legal da biodiversidade

Portal de Políticas Socioambientais - http://www.portalambiental.org.br
Autor: Clarissa Presotti
15 de Abr de 2015

Com a diferença de um voto apenas, senadores aprovam obrigatoriedade da repartição de benefício sempre que o produto resultar de uso de patrimônio genético ou conhecimento associado. Essa era a principal demanda dos povos e comunidades tradicionais.

O Plenário do Senado Federal deu continuidade, na noite desta terça-feira (14), à votação do novo marco legal da biodiversidade (PLC 02/2015). Foram analisados três dos cinco destaques ao texto-base, aprovado na semana passada (saiba mais: http://www.portalambiental.org.br/pa/noticias?id=126). Com votação acirrada, com apenas um voto de diferença, uma das principais emendas do substitutivo do relator Jorge Viana (PT-AC) foi acatada pelos senadores. Nesta quarta-feira (15), serão votados os dois últimos destaques sobre a isenção da repartição de benefícios para o produto acabado.

Devido a uma votação em bloco, orientada pela bancada do PMDB (base aliada), e articulada pelo líder do DEM, senador Ronaldo Caiado (GO), foram rejeitados ontem dois pontos que tratam uso do termo "povos indígenas" e "povos e comunidades tradicionais".

Mas mesmo com essa manobra - fruto das demandas do setor agropecuário e da indústria farmacêutica e de cosméticos -, senadores do PSOL, PSB, PDT e PT, aliados aos representantes povos indígenas, comunidades tradicionais e organizações ambientalistas, conseguiram virar o jogo no último momento e aprovar por um voto de diferença (31 contra 30) o ponto crucial do marco da biodiversidade.

Agora a repartição de benefício será obrigatória sempre que o produto resultar de uso de patrimônio genético ou conhecimento associado, mesmo que não esteja entre os principais elementos de agregação de valor do produto final". O texto original dizia que a repartição de benefício ocorreria somente quando o componente do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional fosse um dos elementos "principais" de agregação de valor.

O argumento utilizado para esclarecimento dos senadores que estavam orientados a votar pela manutenção do texto original da Câmara foi de que a nova lei poderia incentivar a biopirataria oficial. O senador Telmário Mota (PDT-RR) deu o simples exemplo de uma gravata. "Qual seu produto final? É o tecido. Mas o brilho dela vem da nossa biodiversidade e não é o produto principal. E aí não paga e não vai fazer a repartição? Então é uma biopirataria oficial", defendeu Telmário.

Mas foi o voto favorável do senador Omar Aziz (PSD-AM) que deu a vitória para os povos indígenas e comunidades tradicionais. Ele que disse que estava orientado pela bancada a votar contrário, mas que mudaria de posição após o esclarecimento de representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai) e de organizações ambientalistas. Azis reconheceu que esse item é fundamental para o reconhecimento dos direitos dessas populações e o texto original poderia incentivar a biopirataria e o retrocesso.

A aprovação desse destaque foi comemorada por representantes dos povos indígenas e comunidades tradicionais e pelos senadores João Capiberibe (PSB-AP), Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) e Telmário Mota (PDT-RR). Esse ponto é o grande cerne do projeto e sua aprovação significa uma vitória aos detentores do conhecimento ancestral pelo uso da biodiversidade, mesmo com risco de ser rejeitada pela Câmara dos Deputados.

Povos indígenas

Durante a votação da matéria, não houve acordo quanto à substituição do termo "populações indígenas" por "povos indígenas". Por 10 votos de diferença, será mantido o texto original da Câmara. Alguns senadores indicaram que houve orientação da bancada do PMDB para que votassem contrários a essa emenda do relatório do Viana. O argumento utilizado por eles é que se os indígenas se auto declararem como "povo" dá o sentido de nação, podendo gerar até um movimento separatista.

Para reforçar o argumento, foi citado o caso da reserva Raposa Serra do Sol quando o Supremo Tribunal Federal (STF) em julgamento decidiu atribuir a comunidades indígenas o termo "populações" e não "povos".

Outros parlamentares que também votaram contrários disseram que não faria diferença nenhuma essa troca, que não tira direito nenhum dos índios no novo marco legal da biodiversidade.

Já os senadores que pediram a mudança argumentaram que a alteração para "povos indígenas" seria necessária para unificar o texto da nova lei a acordos internacionais assinados pelo Brasil, como a Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) explicou que o conceito de "povo indígena" vai além ao de população, pois inclui noções de cultura, história, identidades próprias, sem excluir esses povos do grupo mais amplo do povo brasileiro.

Contradição

O senador Aécio Neves (PSDB-MG) foi um dos que votaram contra essa emenda mesmo tendo indicado no decorrer da discussão que era favorável aos "povos indígenas" no texto. Fato que causou estranheza nos representantes da sociedade civil e dos indígenas que acompanhavam a votação, pois sempre se mostrou como aliado.

Aécio, durante a acirrada campanha para presidente da República nas eleições passadas, se comprometeu publicamente a defender os direitos indígenas. Se juntou à Marina Silva, derrotada no primeiro turno da campanha presidencial, e fez uma carta de compromissos na qual destacou que daria a merecida atenção aos indígenas, "não dada pelo atual governo" e também "às reivindicações dos quilombolas e outras populações tradicionais".

E mesmo os senadores da base do governo votando favoráveis às demandas dos povos, devido a articulação do relator Viana em atendimento às reivindicações das entidades diretamente envolvidas no tema, não se pode esquecer da construção equivocada desse projeto pelo Executivo. O texto originário da Casa Civil, já apresentado em regime de urgência, foi discutido a portas fechadas e teve forte influência da indústria de fármacos e cosméticos (saiba mais: http://www.socioambiental.org/pt-br/blog/blog-do-ppds/anteprojeto-sobre…).

Outra contradição. Dilma Rousseff, durante a campanha à reeleição, também divulgou uma carta aberta aos indígenas do Brasil. No documento, que não está mais disponível no site do PT, a presidente destacou que faria "avançar a regulamentação e aplicação dos direitos de consulta livre, prévia e informada, nos termos da Convenção 169 OIT". O que não aconteceu no processo de construção do PL da Biodiversidade (7735/14).

Isenção

Ficou pendente para a votação nesta quarta-feira (15) o item que prevê isenção de repartição de benefícios quando o produto resultar de acesso ao patrimônio genético realizado antes de 29 de junho de 2000, mesmo que tenha sido explorado economicamente após essa data ou que esteja à venda até hoje. A data se refere à edição da primeira medida provisória que tratou da regulamentação do uso da biodiversidade.

O senador Capiberibe defende que se deve acabar com qualquer possibilidade de isenção, pois considera uma obrigação a compensação à sociedade brasileira pela exploração econômica do patrimônio genético do país.

Já no substitutivo de Jorge Viana prevê a isenção de repartição de benefícios "apenas para os casos de exploração econômica do produto" antes de 29 de junho de 2000. Segundo o senador, ele fez uma modificação importante neste item. "É muito frágil o jeito que está no texto original, pois quem alegar que teve acesso ao patrimônio genético já estava isento. O que é muito ruim", destacou.

Como a matéria tramita em regime de urgência, o Plenário da Câmara terá até 10 dias para votação da matéria, senão passará a trancar a pauta de votações. O substitutivo do Jorge Viana pode ser aprovado integralmente ou o seu conteúdo ser rejeitado na sua totalidade, mantendo o original da Câmara.

Representantes da sociedade civil avaliam que a articulação da bancada do PMDB com orientação de votações em bloco, que acorreu durante a votação no Senado, poderá complicar ainda mais a manutenção dos avanços na Câmara, principalmente por não existir uma ação articulada e firme do governo.

http://www.portalambiental.org.br/pa/noticias?id=130

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