VOLTAR

Brasil avança a passos lentos

O Globo, Economia, p. 17-20
25 de Jul de 2014

Brasil avança a passos lentos
País sobe um degrau no idh, para a 79a posição, mas educação fica estagnada

Martha Beck, Gabriela Valente, Lucianne Carneiro e Clarice Spitz economia@oglobo.com.br Qualidade de vida

O Brasil subiu um degrau no ranking de qualidade de vida no ano passado e ocupa agora o 79o lugar, entre 187 países, no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Foi uma das 18 nações a avançar, registrando melhora em todos os quesitos, exceto educação, mantendo-se, assim, na categoria de alto desenvolvimento humano com outros emergentes como Rússia, China, Turquia e Uruguai. Apesar do avanço, o passo das conquistas ficou mais lento. Nos anos 1980, o país registrou aumento médio de 1,16% por ano, ritmo que caiu para 1,10% na década seguinte. Entre 2000 e 2013, foi de 0,67%. Desde 2008, o Brasil perdeu quatro posições no ranking, enquanto a China, por exemplo, avançou dez.
A tônica do relatório deste ano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) foi de como os países devem reduzir as vulnerabilidades para evitar retrocessos sociais. No documento, há 20 menções ao Brasil. São apontados como exemplos bem-sucedidos o programa Bolsa Família, o aumento do consumo na baixa renda, o avanço do emprego e a redução das disparidades raciais por meio do programa de cotas nas universidades.
- O Brasil avançou nas três áreas que compõem o IDH (saúde, educação e renda), mas isso não apareceu na educação porque as bases de dados ainda não captaram essas mudanças - explica a coordenadora do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, Andréa Bolzon.
Alguns analistas veem o baixo crescimento econômico brasileiro e a inflação alta como riscos às conquistas sociais dos últimos anos. Na opinião de Flavio Comim, da UFRGS e da Universidade de Cambridge, os efeitos podem ocorrer na deterioração do mercado de trabalho e em uma menor margem para gastos públicos em saúde e educação:
Alguns analistas veem o baixo crescimento econômico brasileiro e a inflação alta como riscos às conquistas sociais dos últimos anos. Na opinião de Flavio Comim, da UFRGS e da Universidade de Cambridge, os efeitos podem ocorrer na deterioração do mercado de trabalho e em uma menor margem para gastos públicos em saúde e educação:
- Os riscos são evidentes. No Brasil, ainda existe uma dívida social muito grande e hiatos em relação a outros países, nos itens educação e saúde. É necessário um crescimento inclusivo, que passe pela maior qualidade dos serviços prestados.
Mais do que o ritmo lento de crescimento da economia, no entanto, a preocupação da professora da UFPE Tatiane de Menezes com o futuro do desenvolvimento humano diz respeito à inflação alta e a sua tendência de aumentar a desigualdade:
- Corremos o risco principalmente por causa da inflação, que transfere renda do pobre para o rico e aumenta a concentração de renda. O pobre não tem como se proteger. Além disso, se a economia para de crescer, há aumento de desemprego, que gera insegurança alimentar - afirma Tatiane.
Com uma avaliação diferente, o professor da Universidade de Brasília e pesquisador do Ipea Marcelo Medeiros considera improvável um retrocesso nos ganhos sociais diante de um crescimento menor da economia, embora reconheça que o ritmo tende a ser menor:
- É provável que haja uma desaceleração na melhora do desenvolvimento humano, mas é improvável um retrocesso. A economia ainda vai crescer, sugerindo aumento de renda. E os ganhos de educação e saúde são mais estáveis que renda.
Em relação ao topo de qualidade de vida, o Brasil ainda tem muito a avançar. Tem hoje o equivalente a 90,7% da expectativa de vida da Noruega, primeira colocada no ranking. Já em termos de renda, o país tem apenas 22,3% da renda do país nórdico e 57% dos anos de estudo. A expectativa de vida brasileira, hoje de 73,9 anos, é a segunda mais baixa entre os países da América Latina com o mesmo nível de desenvolvimento (alto).
O presidente do Iets, Simon Schwartzman, não vê risco de perda de ganhos sociais, mas considera que ainda é preciso dar um salto qualitativo.
- Há melhorias que não dependem unicamente de renda. Para se melhorar a qualidade do sistema escolar e o de saúde, não se precisa necessariamente aumentar gastos - afirma.
-Há melhorias que não dependem unicamente de renda. Para se melhorar a qualidade do sistema escolar e o de saúde, não se precisa necessariamente aumentar gastos - afirma.

Governo argumenta que a ONU usou dados defasados no relatório

Martha Beck
Cristiane Bonfanti

-Brasília -O governo montou uma verdadeira tropa de choque para contestar os dados do Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) 2014, divulgado ontem pela Organização das Nações Unidas (ONU). Os ministros Tereza Campello (Desenvolvimento Social e Combate à Fome), Arthur Chioro (Saúde) e Henrique Paim (Educação) afirmaram que os indicadores utilizados no cálculo do índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil estão defasados e não refletem os avanços dos últimos anos. Segundo eles, se tivessem sido utilizados números mais atuais de saúde e educação, o IDH do Brasil subiría de 0,744 para 0,764, fazendo com que o país saltasse da 79o para a 67o posição no ranking, lugar ocupado hoje pela Venezuela.
No ano passado, o governo já havia criticado as contas da ONU, apontando que os dados sobre educação eram de 2005. A reação fez com que o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), responsável pelo relatório, recalculasse informalmente o IDH do Brasil. Pelas contas da entidade, o índice revisado levaria o país da 85* para a 69o colocação no ranking anterior Este ano o problema se repete.
- Queremos ser avaliados e medidos por indicadores atualizados - disse Tereza Campello.
Uma das maiores divergências entre governo e Pnud está nos indicadores de educação. O relatório de 2014 calculou o índice do Brasil considerando uma escolaridade esperada de 15,2 anos, número encontrado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2012. Mas a ONU excluiu da conta matrículas de crianças de cinco anos que estão na pré-escola e adultos acima de 40 anos que estão nos ensinos Fundamental e Médio.

PROBLEMA EM ANOS DE ESTUDO
Para Paim, no entanto, isso é um equívoco. Ele lembrou que a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), por exemplo, já inclui esses grupos em suas estatísticas. Essa mudança de critério elevaria a expectativa de estudo para 16,3 anos e deixaria o Brasil próximo de nações como Suíça e Suécia.
- Há um milhão de crianças estudando que estão fora das estatísticas do IDH - acrescentou Tereza.
Outro problema está no indicador de anos de estudo. O Pnud utilizou como base de dados o Censo de 2010, que mostra essa taxa em 7,2 anos. Mas o governo destaca que a Pnad 2012 tem dados mais atualizados, de 7,6 anos.
Na área de saúde, o problema é a expectativa de vida. Os dados do IDH, que apontam taxa de 73,9 anos, foram obtidos no banco de dados de população da ONU, que é abastecido pelo IBGE com base no Censo de 2010. Mas o governo brasileiro defende que o próprio IBGE já tem dados mais recentes, de 2013, que mostram a expectativa de vida em 74,8 anos.
- O Brasil vem se esforçando em melhorar a captação de dados para os organismos internacionais - disse Tereza. - Nós continuaremos discutindo para que sejamos avaliados por dados que estejam atuais. Temos muita expectativa de que isso vá acontecer. Acredito que no ano que vem tenhamos outra situação.
Mesmo contestando os dados, o governo não deixou de destacar os aspectos positivos do Brasil apontados pelo relatório. Tereza ressaltou que, apesar dos dados defasados, o IDH do país cresceu de forma consistente ao longo dos anos. Já Paim lembrou que o Brasil ficou bem posicionado no ranking em relação ao Brics, ficando atrás apenas da Rússia (o grupo inclui ainda China, índia e África do Sul), bem como a outros países da América Latina, onde ficou entre os cinco que ganharam posições:
- Se pegarmos um país como o Chile, bastante citado na educação, o Brasil, na expectativa de anos de estudo, está à frente. Há um esforço do país do ponto de vista da inclusão.
Chioro, por sua vez, lembrou que desde 1980 houve um aumento de 11,2 anos na expectativa de vida dos brasileiros. O ministro atribuiu esse resultado à combinação de vários fatores, como a redução dos indicadores de mortalidade infantil, de mortalidade por doenças crônicas e por mortes violentas, entre outros. Ele enfatizou ainda políticas como as de direitos sexuais e reprodutivos, de atendimento de urgência e emergência, e a introdução doPrograma Mais Médicos:
- O aumento da expectativa de vida não é ao acaso.
PARA AÉCIO, HOUVE AVANÇOS
O candidato a presidente pelo PSDB, senador Aécio Neves (MG), reconheceu que o resultado do EDH confirma os avanços pelos quais o Brasil vem passando nas últimas décadas, mas revela a necessidade de políticas públicas que promovam o desenvolvimento regional, diminuindo a desigualdade entre as regiões do país. Segundo o tucano, hoje poucos estados são responsáveis por elevar o IDH, e as diferenças precisam diminuir também entre cidades, bairros e famílias, por onde a ação governamental precisa começar.
"Outro ponto é enfrentar as dificuldades no acesso aos serviços básicos de saúde, uma das maiores privações dos brasileiros, e educação. Nesta área, ao focar em uma expectativa de tempo de estudos acima dos 15 anos, o governo federal fecha os olhos para uma população esquecida. O Brasil possui enorme passivo na população com mais de 25 anos, que tem em média sete anos de ensino" afirmou Aécio em nota.

No Brasil, melhora de vida esbarra na educação
Indicador foi o único que se manteve estável dentro do Índice de Desenvolvimento Humano

BRASÍLIA e RIO - A educação ainda trava o avanço do país no ranking dos países com maior nível de desenvolvimento. Nas três dimensões que compõem o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), a educação está estagnada, enquanto avançam os indicadores de renda e saúde.
A expectativa de anos de estudo (que significa quanto tempo se espera que uma criança ficará na escola) se manteve em 15,2 anos, e a média de anos de estudo, em 7,2 anos. Já a Renda Nacional Bruta (RNB) per capita do país subiu de US$ 14.081 em 2012 para US$ 14.275 em 2013, enquanto a expectativa de vida aumentou de 73,7 anos para 73,9 anos no mesmo período.
- O que está puxando o Brasil para baixo em desenvolvimento humano é a educação. Avançamos em expectativa de vida e a renda é condizente com os demais países do grupo de alto desenvolvimento humano, mas a média de anos de estudo é a terceira pior do grupo e se aproxima dos grupos inferiores - explica a professora da UFPE Tatiane de Menezes.
No grupo de alto desenvolvimento humano, apenas Omã (6,8 anos) e Colômbia (7,1 anos) têm média de anos de estudo inferior à brasileira. Vizinhos da América Latina, como Argentina (9,8 anos), Chile (9,8 anos) e Cuba (10,2 anos), exibem números bem maiores.
E essa estabilidade nos indicadores de educação ocorreu mesmo com uma mudança de metodologia que beneficiou o Brasil. Os anos de estudo e os anos esperados de estudo passaram a ter o mesmo peso no IDH. Anteriormente, os anos de estudo tinham mais importância na conta, o que dava uma vantagem comparativa aos países desenvolvidos no ranking e prejudicava os emergentes. Mudanças de metodologia no cálculo do indicador ocorrem praticamente todos os anos.
Segundo a coordenadora do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, Andréa Bolzon, ao dar mais importância aos anos de estudo, o IDH captava melhor os resultados de nações em que o problema da educação já está equacionado, como Noruega e Suíça. Mas não captava os esforços dos países em desenvolvimento em melhorar o ensino, com a expectativa de que as pessoas fiquem mais tempo na escola.
- Foi uma demanda de vários países em desenvolvimento que o IDH mudasse a forma de avaliar a educação - explica a coordenadora.
Brasileiros que ficaram à margem dos avanços educacionais do país sabem o custo na vida e tentam recuperar o tempo perdido. Para a cozinheira industrial Célia Anísia dos Santos, de 51 anos, uma pessoa sem estudo "é como se vivesse na escuridão, não tem acesso à tecnologia, é muito triste". Ela começou um curso de alfabetização para adultos em fevereiro.
- Nasci e fui criada na roça, sem incentivo para estudar porque os pais criavam a gente para trabalhar na lavoura. Mas agora que minhas filhas já estudaram, tenho minha oportunidade.
Bem mais jovem, Edson Vale, de 17 anos, também corre atrás do tempo perdido:
- Fiquei três anos parado e estou lutando para completar o ensino fundamental. Também trabalho por fora, sem carteira assinada.

O Globo, 25/07/2014, Economia, p. 17-20

http://oglobo.globo.com/economia/idh-brasil-sobe-um-degrau-em-ranking-d…

http://oglobo.globo.com/economia/com-dados-atualizados-brasil-subiria-p…

http://oglobo.globo.com/economia/no-brasil-melhora-de-vida-esbarra-na-e…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.