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Boom ajuda a mapear poluição do solo em SP

OESP, Metrópole, p. C1-C4
03 de Dez de 2007

Boom ajuda a mapear poluição do solo em SP
Cetesb monitora expansão imobiliária em antigos bairros industriais

Sérgio Duran

O boom imobiliário na capital está acelerando a descoberta de novas áreas contaminadas por infiltração de produtos químicos. Hoje, o cadastro da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) tem 1.822 terrenos identificados - a maioria de postos de combustíveis. Mas a expectativa de especialistas é de que o Estado de São Paulo tenha por volta de 5 mil terrenos nessas condições.

A Cetesb começou a divulgar a relação de áreas contaminadas em 2002. A primeira lista continha 255 terrenos e, desde então, outras seis foram lançadas. A descoberta em massa dos postos nos quais houve vazamento de combustível no solo e em águas subterrâneas ocorreu a partir de resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) de 2000, que obrigou o licenciamento ambiental desses estabelecimentos - são hoje cerca de 8 mil no Estado - e exigiu, entre outras coisas, a troca de tanques de combustíveis velhos por novos e a análise de contaminação dos terrenos.

Neste mês, deve sair nova relação. Com, segundo o engenheiro Alfredo Carlos Cardoso Rocca, gerente da Divisão de Áreas Contaminadas da Cetesb, pelo menos 2 mil endereços - muitos em antigos bairros industriais paulistanos, que nos últimos anos têm sido ocupados por condomínios.

Convênio entre a Cetesb e a Prefeitura de São Paulo não dá sossego às construtoras que resolvem construir em bairros como Mooca, na zona leste, e Vila Leopoldina, na oeste. "Nenhum empreendimento é aprovado sem que seja checado o cadastro de áreas suspeitas, muito maior do que o de comprovadamente contaminadas, o qual não divulgamos para não interferir na valorização do terreno", explica o engenheiro. "Entre os postos de combustíveis, estamos muito perto de atingir o universo. Já sobre as áreas industriais teremos muito a evoluir. E nisso o boom imobiliário ajudará, a partir do momento em que os empreendimentos ocuparem essas áreas."

O conjunto comercial Rochaverá Plaza, na zona sul de São Paulo, por exemplo, está sendo construído sobre antiga área industrial na qual foi constatada a contaminação por pesticidas. A medida acertada com a Cetesb foi a retirada de parte do solo e a drenagem das águas subterrâneas, praticamente eliminando o risco de contato da terra e da água com os futuros ocupantes do imóvel. A Assessoria de Imprensa da Tishman Speyer-Método (TSM), responsável pelo empreendimento, disse que todas as informações sobre o terreno já haviam sido repassadas à reportagem pela Cetesb.

"Os riscos de viver em uma área contaminada dependem de muitos fatores, do tipo de substância ao tipo de uso do terreno", ensina a professora Maria Eugênia Gimenez Boscov, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.

Segundo ela, numa cidade como São Paulo praticamente não há solo virgem. Contaminação simples, como a por metais, pode se dar até com a chuva. "Muitas vezes, a substância é altamente tóxica, como ftalato, usado na produção de plástico, cujo contato interfere até na produção hormonal da pessoa, mas a concentração da substância é tão pequena ou está em níveis tão profundos que as chances de contato são remotas", explica, destacando que o pior tipo de solo contaminado é o das áreas abandonadas por muito tempo e sobre as quais foi lançado lixo de vários tipos. "Como ninguém sabe o que tem ali, o diagnóstico é complicado."

A engenheira diz que a maior parte das áreas industriais contaminadas ainda não foi sequer descoberta, mas considera o trabalho da Cetesb no setor "muito sério". "Fazer um levantamento consistente da contaminação é trabalho muito caro, demorado. E o Estado trabalha sobretudo com denúncias. Mas é preciso destacar que tecnicamente é perfeitamente possível ter empreendimentos imobiliários em cima de áreas contaminadas, desde que haja uma investigação séria, avaliação de riscos, fiscalização intensa e um bom plano de remediação. É o que ocorre em países como a Alemanha."

A reportagem achou na lista de áreas contaminadas da Cetesb 11 empreendimentos imobiliários. Mas em todos havia a informação de que, ou os riscos à saúde apresentados pelos terrenos eram remotos, ou os lotes já haviam recebido plano de descontaminação.

Em alguns casos, advertências sobre o solo ou as águas subterrâneas foram parar até na escritura e convenção de condomínio. É o caso do lançamento Colina dos Príncipes, na região do Parque dos Príncipes, zona oeste da capital, em construção pela Setin. A engenheira da construtora, Lucy Mari Tsunematsu, conta que, na prospecção obrigatória do terreno, foi constatada presença de cromo acima do recomendável para o consumo humano nas águas subterrâneas. A ficha da Cetesb indica também contaminação do solo por solventes. "Nem foi preciso fazer a remediação, porque o risco de contato humano é muito remoto. Mas, por determinação da Prefeitura, fizemos constar da escritura e da convenção de condomínio a não recomendação aos poços artesianos", conta Lucy Mari. "A Setin tem certificação ambiental e faz seu próprio check list ao comprar um terreno. Dependendo dos gastos exigidos na descontaminação ou remediação do terreno, o empreendimento fica inviável e acabamos desistindo do projeto."

Falta controle em Guarulhos e São Bernardo
Municípios ainda não fizeram convênio com a Cetesb para identificar e remediar terrenos suspeitos

Sérgio Duran

Tradicionais parques industriais da região metropolitana de São Paulo, São Bernardo do Campo e Guarulhos também passam por uma grande expansão imobiliária nos últimos anos, mas ainda não firmaram convênio com a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) para consultas prévias de terrenos suspeitos de contaminação. "Na capital, todos sabemos mais ou menos os bairros onde ficavam as indústrias. Na região metropolitana, é diferente", alerta o engenheiro Alfredo Carlos Cardoso Rocca.

Segundo ele, para evitar problemas, o recomendável é que interessados em comprar empreendimentos nessas regiões procurem saber do passado do lote e perguntem à construtora sobre seu plano de descontaminação, antes de assinar qualquer contrato.

"Há uma determinação da Corregedoria de Justiça de São Paulo de averbar na escritura de todas as áreas nas quais foi constatada contaminação e condição de áre apoluída. Em breve, todas terão", explica Rocca. "Estamos estreitando as relações com o Sinduscon (Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo), que está interessado em tratar do assunto", diz o engenheiro.

O Estado procurou as prefeituras de Guarulhos e São Bernardo do Campo, enviou e-mails informando a respeito da reportagem, mas não obteve resposta.

RISCOS

Na década de 90, a questão das áreas contaminadas ganhou força no mundo inteiro. Países como Alemanha e Estados Unidos chegaram a montar cadastros com mais de 30 mil terrenos cada um. Americanos que desenvolveram doenças supostamente motivadas pelo contato com áreas contaminadas processam grandes corporações na Justiça.

Em São Paulo, dois grandes episódios de contaminação - o da Vila Carioca, na zona sul, e o do Condomínio Barão de Mauá, em Mauá, região do ABC - causaram discussão. "A sociedade paulista está dando uma resposta rápida", considera Rocca. "Áreas contaminadas são o ônus de uma sociedade que se desenvolveu sem sustentabilidade."

O cadastro paulista foi desenvolvido em convênio com o GTZ, órgão do governo alemão que investe em projetos de preservação ambiental em países industrializados por empresas alemãs. Lá, a lista de áreas suspeitas chega a 360 mil.

A engenheira Maria Eugênia Gimenez Boscov, da Escola Politécnica da USP, explica que hoje o setor nem trabalha com descontaminação, mas com o monitoramento de risco. Dependendo do uso, da substância e da localização da contaminação, é preciso apenas fazer uma gradação do risco de contato humano com as substâncias químicas.

"Qual a probabilidade de o dano ocorrer? A avaliação disso é o seu trabalho", explica. Ela lamenta que, ao contrário do que ocorre em outros países, esses terrenos bem localizados - bairros industriais ficaram próximos do centro com a expansão das cidades - não sejam usados para ampliar a rede de áreas verdes e de parques, tornando o uso do solo mais inofensivo.

Em Mauá, mau cheiro ainda faz lembrar tragédia em condomínio
Explosão causada por metano matou uma pessoa e feriu outra em 2000; terreno havia sido usado como lixão

Sérgio Duran

O risco de explosão foi definitivamente afastado, mas o cheiro inconfundível que ainda resiste no Condomínio Barão de Mauá, no Parque São Vicente, em Mauá, ABC paulista, não deixa os moradores esquecerem da tragédia que pegou todos de surpresa em abril de 2000. "A gente ainda sente aquele odor de esgoto, sabe?", conta a dona de casa Tania Regina da Silva, de 50 anos, referindo-se ao gás metano que está no subsolo.

Foi exatamente o cheiro que subia pela tubulação do interfone que intrigou os moradores. Até que, em 2000, uma explosão no subsolo matou uma pessoa e feriu outra. Descobriram então que parte do terreno de 160 mil metros quadrados, onde foram construídos 52 edifícios para 6 mil pessoas, havia sido usado como lixão industrial. As substâncias ali descartadas formavam gás metano. Outros gases foram encontrados no local, como o benzeno, cancerígeno.

Tania adquiriu um apartamento de dois quartos em 1995. Desde então, só viu a propriedade desvalorizar. "Metade dos proprietários originais vendeu a unidade. O preço era de R$ 97 mil, mas ninguém conseguiu por mais de R$ 40 mil", lamenta.

Em 2001, uma ação civil pública foi proposta pelo Ministério Público Estadual contra cinco réus: a Cofap - proprietária do terreno que o usou como lixão -, as responsáveis pelo empreendimento imobiliário - SQG, Paulicoop e Soma - e a Prefeitura de Mauá, porque falhou na fiscalização do terreno.

Os réus agora negociam um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o MPE para recuperar a área. Segundo a Assessoria de Imprensa da Cofap, a fabricante de amortecedores está disposta a fazer o trabalho, que começaria com um diagnóstico profundo da contaminação da região, ainda não realizado.

O risco de novas explosões foi afastado no início de 2002, com a instalação de um sistema de extração de gases, feito pela construtora SQG. O trabalho é acompanhado pela Cetesb. A provável técnica a ser usada para recuperar o terreno consiste na injeção de ar no solo para interromper a produção de gás metano.

OESP, 03/12/2007, Metrópole, p. C1-C4

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