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Agricultores tentam coibir eucalipto em MG

FSP, Cotidiano, p. C7
21 de Mar de 2004

Agricultores tentam coibir eucalipto em MG
Produtores do norte do Estado querem impedir que empresas de reflorestamento explorem região maior que a cidade de São Paulo

GUILHERME BAHIA
EM RIO PARDO DE MINAS
ALESSANDRA BALLES DA REDAÇÃO

Trabalhadores rurais e pequenos produtores disputam com empresas reflorestadoras o uso de uma área maior do que o município de São Paulo no norte de Minas Gerais. Eles tentam impedir o avanço do plantio de eucalipto, e as empresas querem aumentar a área plantada. Grande parte das plantações fica em terras do Estado e cujo contrato de arrendamento está vencendo.
O eucalipto da região, em geral, é transformado em carvão para abastecer a indústria siderúrgica.

De 91 contratos, envolvendo 240 mil hectares (2.400 km2) e 17 empresas, 70% estão vencendo, e o restante termina até 2008, segundo Luiz Antonio Chaves, diretor-geral do Iter (Instituto de Terras do Estado de Minas Gerais).

Os agricultores intensificaram a pressão para que as áreas sejam destinadas à recomposição da vegetação nativa porque vêem dois problemas no plantio de eucalipto. O primeiro é que a derrubada do cerrado ameaça um dos pilares do seu modo de vida tradicional: a coleta de frutos nativos, como o pequi, a mangaba, a cagaita e o araticum. A segunda questão é que o eucalipto é apontado por eles como o responsável pelo desaparecimento de cursos de água.
João Pereira Soares, 72, que mora na zona rural de Rio Pardo de Minas desde 1949, conta que o curso de água atrás de sua casa secou. Ele diz que a principal perda foi na produção de farinha de mandioca -cerca de 100 kg diários na época da safra. Além de irrigar a plantação, a água movia o moinho em que ele fazia a farinha.
Os agricultores tentam achar formas de financiar sua organização. Uma delas é o leilão: cerca de 120 pessoas compareceram. Os R$ 410 conseguidos com o arremate de frangos assados, biscoitos, bebidas e até botinas servirão para a continuação da montagem de um histórico, com fotos e filmagens, mostrando a degradação ambiental causada pelo eucalipto.
"Estamos lutando", diz a agricultora Ivonete Rodrigues dos r Santos, que, em um caderno, já colou mais de cem fotos explicando a situação na região.
Moisés Dias de Oliveira, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Pardo de Minas, diz que a comunidade "está cansada de esperar pelos trâmites judiciais" e procura, pelo menos, "empatar" o trabalho das máquinas, pressionando os funcionários a pararem com o serviço. "Mas eles suspendem só por pouco tempo."
Segundo Chaves, do Iter, quando os contratos de arrendamento foram feitos, não havia nenhuma regulamentação, e o eucalipto foi plantado, inclusive, na cabeceira de nascentes, causando uma destruição ambiental irreparável. Ele diz que algumas empresas, apesar do vencimento do contrato, querem um prazo para colherem o eucalipto. Outras já fizeram a colheita, mas exigem uma indenização do Estado pelas benfeitorias.
Uma única empresa devolveu cerca de 25 mil hectares sem que o Estado entrasse na justiça. Parte das terras foi para a criação de uma reserva agroextrativista, em que as famílias podem fazer coleta de frutos e criar animais. Em 12.500 hectares, um parque estadual já foi criado em Rio Pardo de Minas por meio de decreto.
Outros 3.000 hectares foram destinados a uma reserva indígena em Grão Mogol. Uma porção das terras deve ir para a reforma agrária em Indaiabira, onde posseiros já estão instalados.
"Temos de nos preocupar com atender a demanda social, abrigando as famílias, cuidar da condição ambiental e fazer o replantio da floresta", disse Chaves.

Cerrado nativo absorve menos água
EM RIO PARDO DE MINAS
Uma das grandes polêmicas em relação ao eucalipto é quanto ao seu consumo de água. Estudos mostram que ele é menor que o de muitas plantas, mas é maior que o cerrado nativo do norte de Minas Gerais. Por isso a substituição do cerrado pelo eucalipto pode causar desequilíbrio hídrico.
Segundo o professor da escola de agricultura da USP (Universidade de São Paulo) Walter de Paula Lima, o eucalipto não "seca o solo" em regiões onde chove mais de mil milímetros por ano. Lima estudou o impacto do eucalipto em Grão Mogol (MG) e concluiu que lá a plantação da árvore não é prejudicial, já que a precipitação anual média é de 1.121 milímetros.
Uma área próxima, que compreende os municípios de Salinas, Rubelita e Virgem da Lapa, foi objeto de estudo de Fernando Roberto de Oliveira e Uriel Duarte, ambos da USP, e de Leila Nunes Menegasse, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Como na área estudada chove em
média 800 milímetros por ano, a pesquisa concluiu que o eucalipto prejudica o equilíbrio hídrico.
Lima argumenta, em defesa do eucalipto, que o consumo de água de algumas espécies da planta -há mais de 600 delas- cai bastante quando chove pouco.
As reflorestadoras dizem que outras culturas consomem mais água que o eucalipto. A produção de 1 kg de batata, por exemplo, consome 2.000 litros de água, contra 350 litros para 1 kg de madeira de eucalipto, segundo a Associação Mineira de Silvicultura.
Prática não é mais utilizada, diz associação
EM RIO PARDO DE MINAS ............................................................................................................
DA REDAÇÃO
A extinção dos córregos foi causada por práticas de cultivo que hoje não são mais empregadas, de acordo com José Batuíra de Assis, secretário-executivo da Associação Mineira de Silvicultura. Quando o eucalipto chegou à região, explica, o plantio era feito na época das chuvas e revolvendo o solo, o que favorecia a erosão e o assoreamento dos córregos.
Assis afirma que a área ocupada com plantações florestais na bacia
do Jequitinhonha é de apenas 3% -o restante é destinado à agricultura, à pecuária e a outros usos- e que muitas terras estão ociosas ou subutilizadas.
"É importante notar que a produção é sustentada, ou seja, as colheitas se dão ao longo dos anos, assim como os replantios, mantendo-se o equilíbrio entre o que se produz e o que se colhe."
Segundo ele, há uma demanda anual de 36 milhões de metros estéreos (medida de volume equivalente a um metro cúbico) de lenha apenas para abastecer a siderurgia movida a carvão vegetal, isso sem contar os outros usos, como painéis de madeira, celulose e mobiliário. As plantações florestais do Jequitinhonha correspondem a cerca de um terço do total de florestas plantadas no Estado de Minas Gerais.
Guilherme Dias de Freitas, biólogo da V & M Florestal, afirma que a empresa mantém corredores de mata nativa entre as plantações de eucalipto, além de áreas de reservas, e que a instituição permite a pesca e a coleta de frutos pelos moradores.

FSP, 21/03/2004, Cotidiano, p. C7

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