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A verdade sobre a reforma agrária

JT, Opinião, p. A2
Autor: VILLAS BOAS, Jonas
01 de Ago de 2004

A verdade sobre a reforma agrária

Jonas Villas Boas

A mídia tem destacado, recentemente, artigos e livros de pessoas que visitaram assentamentos, entrevistaram assentados e tiraram conclusões sobre a reforma agrária, em geral apontando para resultados econômicos insatisfatórios. Mas, basicamente, faltam elementos às análises sobre o problema. Vamos a eles.

Já é conhecido dos historiadores e estudiosos da reforma agrária que países da Europa, Estados Unidos, Japão e Coréia, por exemplo, passaram por processos de reforma agrária sob diferentes formas. Em comum, encontramos nesses processos motivadores mais econômicos que político-ideológicos, visando à ampliação do mercado e ao barateamento da alimentação, diminuindo seu peso nos salários e criando, assim, a possibilidade de excedentes direcionados para o consumo. E a conseqüência acabou sendo a distribuição de riquezas.

Estudos da ONU mostram que mesmo em países como Egito, India e México, com reformas agrárias incompletas, foi incontestável a distribuição de riquezas proporcionada. Todas as "recaídas" ocorridas em direção à agricultura não familiar, em moldes industriais, resultaram em desabastecimento, protestos da população e retomo ao sistema familiar.

É de se esperar que, com as dimensões continentais do País e sob as influências da sua estrutura social e econômica, projetos iniciados há poucas décadas, com recursos que, embora grandes nas cifras, diluem-se na vastidão em que se aplicam, tenham resultados que frustram expectativas.

Por outro lado, também essas expectativas não respeitam a história de vida das famílias assentadas e, de forma perversa, exigem de pessoas pobres, muitas delas que nunca tiveram acesso à escola ou a recursos, que se transformem do dia para a noite em produtores com conhecimento técnico e gerencial.

O que vemos hoje, na verdade, e mostramos com tranqüilidade nos assentamentos implantados em São Paulo, aliás, o único Estado da federação que arrecada terras públicas para essa finalidade, e que existe uma - enormes nsformação positiva na história de vida de milhares dé famílias e uma reforma geográfica e econômica nas regiões de assentamentos.

Quem conheceu as cidades pequenas do Pontal do Paranapanema no período anterior aos assentamentos conheceu cidades agonizantes. Hoje, com a chegada das famílias assentadas, com crédito proporcionado pelos programas federais e grande aporte de investimentos do Estado em infra-estrutura e assistência - técnica especializada, vê cidades que lembram muito aquelas do antigo oeste americano em seu período de crescimento.

Os "sítios" criados nos assentamentos da região respondem hoje por 20% da produção de leite (em apenas 3,5% da área de pastagem) e também por 30% da co- produção de mandioca, entre outras culturas. Vemos famílias, antes marginalizadas, encherem supermercados, lojas de produtos agropecuários e de confecções.

Com elas, vemos surgirem laticínios, farinheiras e toda rede de serviços como escolas, oficinas e dentistas. E mais sofisticada fica esta rede quanto mais antigos ficam os assentamentos.

Conseguimos, em São Paulo, com o aporte de recursos do Estado e da União, um índice de permanência das famílias, mesmo nos assentamentos com mais de 20 anos, superior a 85%. E, o que é mais importante, numa condição de cidadania, com acesso à moradia, saúde, educação e a possibilidade de participar da vida econômica da região, como agentes do desenvolvimento local.

De fato, reforma agrária não é apenas distribuir terra, é distribuir riqueza, distribuir oportunidades, minimizar desigualdades. Mas, num país campeão de desigualdades sociais e berço esplêndido de privilegiados, políticas públicas como essa sempre vão gerar críticas e protestos. Por parte daqueles privilegiados, é claro.

Jonas Villas Boas é diretor-executivo da Fundação - Instituto de Terras do Estado de São Paulo - órgão responsável pela política Agrária e Fundiária do Estado, vinculada à Secretaria da justiça e da Defesa da Cidadania, ex-superintendente do Incra/SP e presidente da Associação Nacional de órgãos de Terra (Anoter).

JT, 01/08/2004, Opinião, p. A2

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