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Vamos celebrar os 80 anos da USP?

O Globo, Opinião, p. 21
Autor: SANTOS, Frei David
03 de Jul de 2013

Vamos celebrar os 80 anos da USP?

FREI DAVID SANTOS

USP foi fundada em 1934. Em 2014 completará 80 anos! O grande educador Fernando de Azevedo se uniu a Júlio de Mesquita Filho para modernizar a educação superior, oferecendo às elites um sólido instrumento para o conhecimento científico.
Azevedo foi membro do Conselho Universitário da nascente USP desde a fundação, e nele permaneceu por 12 anos. Foi um dos principais intelectuais a definir "para quê e para quem" estava sendo criado o ensino universitário no estado de São Paulo.
Perguntamos: ele e seus pares estavam preocupados com um ensino superior aberto a todos?
No seu livro lançado em 1943 "A cultura brasileira", à página 80 da quarta edição, encontra-se a resposta a partir da seguinte afirmação:
"A admitir-se que continuem negros e índios a desaparecer, tanto nas diluições sucessivas de sangue branco, como pelo progresso constante de seleção biológica e social e desde que não seja estancada a imigração, sobretudo de origem mediterrânea, o homem branco não só terá, no Brasil, o seu maior campo de experiência e de cultura nos trópicos, mas poderá recolher à velha Europa - cidadela de raça branca -, antes que passe a outras mãos, o facho de civilização ocidental a que os brasileiros emprestarão uma luz nova e intensa - a da atmosfera de sua própria civilização."
Podemos concluir que a USP, o ensino superior e o governo de São Paulo têm uma grande dívida com a população negra e indígena! Realmente, uma universidade cujo fundador se orgulha de ter fora dos bancos escolares discentes negros e indígenas realmente só pode sofrer de uma visão excludente, eurocêntrica e doentia, não questionada no seu tempo.
Esta visão que perpassou e ainda está presente em pequena (mas poderosa) parte da intelectualidade brasileira é culpada pelo alto grau de exclusão do povo negro e indígena na USP. Do seu nascedouro e em seus 80 anos, a completar em 2014, a academia da USP foi omissa com negros e indígenas. O jornal "O Estado de S. Paulo" do dia 23 de abril de 2013 traz a manchete: "Só 7% dos alunos de escola pública entraram na USP." Quase 90% dos que terminam o ensino médio a cada ano vêm da escola pública! Onde está o compromisso institucional com o todo da sociedade?
Dar as costas para a escola pública é cumprir sua missão institucional de universidade pública?
A UnB revelou que o desempenho acadêmico médio dos cotistas formados em 2009 foi de 3,1, enquanto o desempenho dos não cotistas foi de 2,9 no mesmo período! As metas de 50%, a serem atingidas em três anos, para a inclusão de negros, indígenas e brancos pobres da rede pública, exigida pelo governador Geraldo Alckmin, são o mínimo que esperamos da USP como grande gesto celebrativo de seus 80 anos.
Michael Sandel, grande professor de Harvard, em seu livro "Justice" deixa evidenciado que o bem comum está acima do bem pessoal. Compensar injustiças históricas e erros do passado é a missão número um das sociedades e universidades eticamente responsáveis. Ele atesta com autoridade que a escravidão foi uma injustiça do passado e que precisa ser corrigida. Assim agindo, a sociedade está colocando em prática os princípios da justiça distributiva.
Conclamamos os conselhos da USP e Unicamp a realizarem com competência suas missões. A Unesp já deu o passo. Até aqui, todos os planos de correção das injustiças contra negros e pobres lançados pela USP e Unicamp (pontuações) foram interpretados como uma tentativa de enganar o povo. Em quase nada mudou a realidade de exclusão. As universidades de São Paulo precisam seguir o exemplo de Harvard e redigir na missão do seu PPP o compromisso da inclusão, da diversidade étnica, de região e de classe social. Assim, essas universidades estarão em sintonia com o século XXI, século da busca sincera pela igualação dos direitos. O STF está nesta sintonia por força da Constituição. Será que a USP não precisa cumprir a Carta?

Frei David Santos, OFM, é especialista em ações afirmativas

O Globo, 03/07/2013, Opinião, p. 21

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