A Crítica - acritica.com
Autor: Lucas Motta
18 de Mar de 2024
"Eles querem pintar o chão da UFAM com urucum e jenipapo, querem marcar a presença aqui", destacou a coordenadora do curso. A turma 'Baixo Amazonas' reúne estudantes de diversas etnias de dez municípios do estado
A Universidade Federal do Amazonas (UFAM) iniciou o seminário de acolhimento do curso de formação de professores indígenas, nesta segunda-feira (18). Pela primeira vez em 15 anos de existência, a licenciatura vai acontecer em Manaus. A turma 'Baixo Amazonas' reúne estudantes de diversas etnias de dez municípios do estado.
O Curso de Licenciatura de Professores Indígenas 2024 tem 97 estudantes dos municípios de Anamã, Careiro da Várzea, Manacapuru, Itacoatiara, Rio Preto da Eva, Presidente Figueiredo, Novo Airão, Beruri, Manaus e Iranduba. Uma das discentes e também representante da turma é Marlete Cruz, que veio de Manacapuru, e entende que a formação pode diminuir as barreiras para o acesso à educação para os povos originários no interior do Amazonas.
'O impacto existe no bom sentido de nós virmos para Manaus buscar essa qualificação profissional e levar essa qualidade de ensino para os nossos territórios. Impacta nas bases, nas comunidades e não apenas de um município, mas de uma forma geral em todo o Amazonas', disse a representante da turma.
O calendário letivo começou nesta segunda-feira e, de acordo com a coordenadora do curso, professora Elenice Ricardo, ele possui dois módulos com 45 dias cada. Ocorrem no início e no fim de cada um dos quatro anos e meio de formação. Além da licenciatura, há também a oferta de especialização.
'Muitos desses discentes já são professores em escolas indígenas, então, nossos alunos são licenciados em educação escolar indígena e também se especializam em três áreas: linguagem, ciências naturais e ciências humanas.'
Apesar de ser gerenciado pelo Departamento de Educação Escolar Indígena, o curso não é institucionalizado pela UFAM, mas faz parte de um convênio junto ao Ministério da Educação, que é o responsável por custear a realização da formação. Os alunos que vieram dos municípios do interior recebem uma bolsa aluguel, mas a universidade também conta com uma parceria com uma ONG (Organização Não Governamental) para acomodar estudantes que ficaram de fora da bolsa.
Pela primeira vez em Manaus
O curso existe desde 2008 e surgiu de uma luta da comunidade indígena de Autazes e de outros municípios da região metropolitana de Manaus. O professor Mário Mura fez parte da primeira turma de formação e também foi um dos principais ativistas para a criação do curso. Ele explicou que foram cerca de dois anos de estudo e captação de apoio para que a licenciatura nascesse.
'Passamos esses anos pesquisando porque havia a necessidade dessa formação. Conseguimos um apoio de uma pesquisa que já era realizada na UFAM sobre esse tema, a educação indígena, e fomos até Brasília onde nos reunimos com o Ministério da Educação e inscrevemos o nosso projeto de curso no edital do governo federal', disse o professor.
Já são 15 anos de existência da licenciatura, mas neste ano de 2024, o curso será ministrado pela primeira vez na UFAM em Manaus. A coordenadora Elenice informou que a decisão buscou atender aos pedidos da comunidade indígena de fazer uso da universidade.
'É uma luta deles, o projeto nasceu assim. E esse é um espaço deles por direito. Eles são além de alunos, são ativistas da causa e para gente isso é muito importante', explicou a coordenadora.
"É como eles dizem, querem pintar o chão da UFAM com urucum e jenipapo, querem marcar a presença aqui" - Elenice Ricardo, coordenadora do curso.
Marco histórico
A representante da turma considera que a abertura das portas da UFAM para os alunos representa a quebra de barreiras e um passo fundamental na luta por políticas públicas que sejam realmente funcionais para a comunidade indígena.
'A universidade muitas das vezes inviabiliza o indígena dentro da instituição, mas estamos aqui para fazer a diferença. Para discutir programas, políticas afirmativas voltadas para os nossos povos. Estamos aqui para gerar essa discussão e transformar a UFAM em um território indígena', disse Marlete Cruz.
O mestre em Antropologia Social e conceituado ativista da causa indígena, Gersem Baniwa, defende que a união da universidade e alunos promove um ganho gigantesco para as ciências humanas e expande os horizontes de pesquisas dentro das culturas das diferentes populações originárias.
'A universidade se torna uma espécie de caldeirão de conhecimentos com equivalência e importância à ciência tradicional. Foram esses conhecimentos que sobreviveram a milhares de anos que permitiram o desenvolvimento de sociedades, de modos de vida. É maravilhoso, é um momento de maturidade da UFAM', disse Baniwa.
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