VOLTAR

Vale do Ribeira certifica producao

OESP, Agricola, p.G6-G7
31 de Ago de 2005

Vale do Ribeira certifica produção
Agricultores trocam bananais, atacados pela sigatoka negra, por hortaliças, legumes e até cachaça
José Maria Tomazela
Agricultores do Vale do Ribeira, no sul de São Paulo, estão encontrando na agricultura orgânica uma opção para a cultura da banana, a principal atividade agrícola da região, que está ameaçada pela praga conhecida como sigatoka negra.
A região, uma das mais pobres do Estado, é ao mesmo tempo a de maior importância ambiental, concentrando um dos principais remanescentes de mata atlântica do País. Diante das restrições impostas pela legislação ambiental e pelas condições do solo, usualmente pobre, e agora com a disseminação da doença da banana, o cultivo de orgânicos atrai um número cada vez maior de interessados.
CERTIFICAÇÃO
Criada há pouco mais de um ano, a Associação dos Produtores Orgânicos do Vale do Ribeira (Aovale) reúne 32 agricultores. Destes, 10 obtiveram o selo de certificação de sua produção, depois de atender a todas as exigências dos órgãos certificadores. Com isso, estão conseguindo agregar até 50% de valor adicional à produção, que vai de abobrinha a cana-de-açúcar para produção de cachaça.
Os outros 22 produtores estão concluindo a conversão da agricultura tradicional para a orgânica e devem receber a certificação ainda este ano. Eles se espalham pelos municípios de Registro, Miracatu, Juquiá, Iguape, Sete Barras, Pariquera-Açu, Jacupiranga, Cajati, Eldorado e Iporanga, produzindo, além de verduras e legumes, tubérculos, algumas frutas, como banana e lichia, palmito pupunha e, agora, a cachaça.
O Programa de Desenvolvimento da Agricultura Orgânica do Vale do Ribeira foi custeado e desenvolvido inicialmente pelo Sebrae-SP, mas já está em condições de caminhar com as próprias pernas”, segundo o consultor do órgão, José Carlos Gomes dos Reis. São parceiros do projeto a Secretaria de Agricultura do Estado, por meio da Cati Regional (Cativar), e as certificadoras OIA Brasil e Orgânico Consultores e Associados.
Uma empresa assessora na comercialização dos produtos. Uma parte é vendida ali mesmo, em Registro, na Feira do Produtor ou no Hort & Lar, um projeto que desde 2003 entrega cestas de verduras e legumes em domicílio.
São 70 cestas semanais contendo produtos como vagem, alface, cheiro-verde, beterraba, espinafre, brócolis, cenoura e rúcula. Ligamos para as pessoas e montamos a cesta de acordo com o pedido”, explica o presidente da Aovale, Antonio Micheletti. O preço é até 50% maior do que o de produtos convencionais. Nossa clientela sabe o que está comprando”, diz.
PIONEIRISMO
O Vale do Ribeira foi a primeira região do Estado a receber o projeto de certificação orgânica em grupo, por meio do programa Sistema Agroindustrial Integrado do Sebrae. No início, foram repassadas as normas de produção e requisitos para a certificação. Depois foram realizados os cursos de capacitação e assistência técnica no campo.
O presidente da Aovale lembra que, de maio de 2004 a maio de 2005, foram dados 42 cursos na região. Todo mês fazemos um dia de campo na propriedade de alguém.
” Além da troca de experiências, são discutidos temas como correção de acidez do solo, adubação e manejo, controle de pragas e doenças, manejo de plantas invasoras, nutrição animal, pós-colheita, processamento de alimentos vegetais e animais.
A maioria das propriedades é pequena,voltada para a agricultura familiar. Juntos, os associados cultivam organicamente 416 hectares. A principal atividade é a horticultura (73%), seguida da fruticultura (32%), palmito (27%) e pecuária (18%). Muitos produtores têm um pouco de cada coisa.”
As práticas agrícolas corretas também passaram a ser adotadas pela maioria. Antes, 45% dos produtores faziam análise de solo. Agora, 82% praticam esse manejo. De 21 a 24 de setembro, Registro vai sediar o 3o Seminário de Agricultura Orgânica do Vale do Ribeira. No mesmo período será realizada a Expo-Orgânica, uma feira dos produtores da região.

Integração entre lavoura e animais reduz custos
Adubo orgânico é obtido das criações e de restos de culturas, como palha de arroz queimada. Até microrganismos coletados em matas fertilizam a terra
A produtora Sônia Aparecida Rodrigues foi a primeira mulher a receber a certificação orgânica no Vale. Há um ano e meio, decidiu transformar o Sítio São Francisco, uma propriedade voltada para o lazer e a criação de gado, numa unidade de produção de orgânicos. Os canteiros de couve-manteiga, inhame, pimenta, alface, chicória, acelga, cenoura e beterraba cobrem 2.630 metros quadrados.
Tem ainda 12.800 pés de palmito pupunha, parte já em produção. Levamos um ano para aprender, mas agora chegamos num bom patamar de qualidade”, diz, exibindo pés imensos de acelga e alface. Quem disse que o produto orgânico precisa ser feio e mirrado?”.
Ela ainda mantém o gado e uma criação de galinhas para a produção dos adubos. Sônia ensina que a pimenta vermelha é um dos produtos mais versáteis. Além de vender in natura, faço conservas, compotas e geléias.” A geléia agridoce de pimenta tem feito sucesso nas feiras. Uma calda à base da pimenta também é ótima para afugentar insetos da lavoura. Além de abastecer o programa de cestas domiciliares, Sônia possui um box na Feira dos Produtores de Registro. Toda produção é vendida.” Como possui vários lagos, pretende produzir peixes pelo sistema orgânico.
PRODUÇÃO DIVERSIFICADA
O produtor Massami Sugiuchi, de 65 anos, um dos associados da Aovale, produz pelo menos 15 hortaliças e tubérculos no Sítio Santa Silva, numa área de apenas 4 hectares, em Registro. Fornece ainda ovos e galinhas caipiras.
O sítio tem 10 hectares, mas 6 são cobertos pela mata que o japonês – veio para o Brasil ainda menino – faz questão de preservar. Ao lado da horta, ele mantém um pequeno galinheiro e uma criação de suínos. Tudo aqui faz sentido”, diz, mostrando a cama” dos suínos, um monte de palhada que depois é transformada em adubo orgânico, assim como restos do galinheiro.
Sugiuchi mistura as técnicas tradicionais trazidas do Japão com as novidades aprendidas aqui para manter a produtividade nos canteiros. Ele revolve o monte de palha de arroz em chamas com um ancinho e usa uma manta plástica para abafar o fogo, terminando o preparo do kontan, uma espécie de carvão de casca de arroz, rico em potássio e que, no solo, ajuda a produzir microrganismos.
A técnica, repassada a outros agricultores, já faz parte da rotina dos integrantes da Aovale, que desde 2003 vêm sendo capacitados para produzir alimentos livres de agroquímicos. A maioria já aprendeu a preparar o bokashi, um fertilizante fabricado com microrganismos coletados na mata.
É sob a grossa camada de folhas que ele localiza os depósitos de matéria orgânica com até 50 variedades de microrganismos nativos. Na preparação do bokashi também entra farelo de arroz, carvão moído, barro moído do fundo do brejo e terra de barranco.
É um ótimo fertilizante para aplicar nos canteiros”, explica. Sua produção vai quase toda para o quiosque da Cooperorgânica, na Ceagesp, na capital paulista. Os preços são diferenciados: de 40% a 60% a mais do que os produtos convencionais.
Agricultor desde pequeno, Sugiuchi conta que aderiu à agricultura orgânica depois de contrair hepatite causada pelo contato com agrotóxico. Foram seis anos de tratamento para ficar bom de novo.”

Cachaça da região busca mercado internacional
O Vale do Ribeira já tem a sua primeira cachaça produzida com cana orgânica. A bebida, artesanal, pode ganhar o mercado internacional ainda este ano. Mandamos amostras para a Espanha e a Alemanha”, conta Rotilde Aparecida Rodrigues, dona da Fazenda do Lago, em Registro, onde está instalado o alambique aquecido com o próprio bagaço da cana produzida na propriedade.
A cana, de variedade crioula, é cultivada com esterco de galinha e o que sobra do bagaço. A produtividade chega a 100 toneladas por hectare. A lavoura já recebeu a certificação de produto orgânico. O processo de certificação da aguardente está em fase final. A cachaça Ouro do Lago é comercializada em duas versões, a branca pura e a envelhecida.
Rotilde conta que esta, a mais procurada e cara, descansa durante dois anos em tonéis de carvalho, na adega do alambique. A produção é de 30 mil litros por ano, mas pode chegar a 50 mil.
As garrafas de 750 mililitros são vendidas em embalagens personalizadas. O produto é distribuído em São Paulo, Curitiba e Registro, e em pontos-de-vendas na Rodovia Régis Bittencourt (BR-116).
De acordo com o consultor do Sebrae, José Carlos Gomes dos Reis, o órgão participa também de um programa de desenvolvimento da cadeia de produtos orgânicos na região de Itapeva, no sudoeste paulista.
Agricultores de 14 municípios ligados à Federação da Agricultura Orgânica do Estado de São Paulo já estão certificados para a produção de hortícolas e frutas. Entidades de outras regiões do Estado, como Barretos e São José do Rio Preto, manifestaram interesse em ter programas semelhantes.
SAIBA MAIS: Sebrae-SP, tel. (0--11) 3177-4696; Escritório Sebrae Registro, tel. (0--13) 6821-7111; Aovale, tel. (0--13) 3822-3340

OESP, 31/08/2005, p. G6-G7

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.