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Hutukara diz que garimpo continua intenso na TI Yanomami

Amazônia Real - https://amazoniareal.com.br/
26 de Jan de 2024

Hutukara diz que garimpo continua intenso na TI Yanomami
Em um ano de combate ao garimpo houve uma redução de mortes, mas número é 'decepcionante' para instituições que trabalham na defesa dos indígenas; Davi Kopenawa cobra mais rigor nas leis

Felipe Medeiros

26/01/2024

As novas estratégias postas em prática pelos grupos de garimpeiros para avançar na exploração ilegal do garimpo na Terra Indígena Yanomami, aliadas a uma desarticulação nas ações de combate por parte do governo federal, mostram que a atividade garimpeira continua provocando efeitos nocivos à população Yanomami.

Uma nota técnica de autoria da Hutukara Associação Yanomami (HAY) divulgada nesta sexta-feira (26) traz atualizações sobre o garimpo e seus impactos na assistência à saúde no período da Emergência Sanitária. A nota, também assinada pela Associação Wanassedume Ye'kwana (Seduume) e pela Urihi Associação Yanomami, contou com apoio técnico do Instituto Socioambiental (ISA) e Greenpeace.

Para as organizações, a fragilidade e a falta de regularidade das ações do governo federal são fatores que motivam a retomada da extração ilegal do minério. Em novembro de 2023, os líderes Yanomami já haviam alertado para o retorno dos garimpeiros em seu território, conforme revelou a Amazônia Real.

Ao longo de 2023, segundo a nota técnica, houve importantes alterações na dinâmica do garimpo no território Yanomami. "Se no primeiro semestre, o conjunto de operações e medidas de controle de acesso ao território contribuíram para a saída de boa parte dos invasores (estima-se que algo em torno de 70% a 80% do contingente de 2022), no segundo semestre, com o relaxamento das ações de repressão, especialmente depois que as forças armadas assumiram um maior protagonismo nas operações, observou-se a reativação e a intensificação da exploração em diversas zonas", diz trecho da nota.

Conforme o levantamento da HAY, mesmo com ações em curso e desaceleração da atividade ilegal, o garimpo se expandiu em 7% no território, atingindo um total de 5.432 hectares. De um total de 37 regiões, 21 apresentam registros de desmatamento associado ao garimpo. O Sistema de Alertas confirmou a presença garimpeira em pelo menos 13, são elas: Alto Catrimani, Alto Mucajaí, Apiaú, Auaris, Homoxi, Kayanau (Papiu), Maturacá, Missão Catrimani, Palimiu, Papiu (Maloca Papiu), Uraricoera, Waikás e Xitei.

Os meses com maiores alertas de desmatamento associado ao garimpo foram janeiro, março e outubro, segundo a nota. E as áreas mais impactadas foram os rios Couto Magalhães, Mucajaí e Uraricoera.

"O conjunto das denúncias das comunidades indica que nas zonas de garimpo ativo dois processos distintos ocorreram em 2023: 1) a resistência de alguns grupos, cuja atividade foi pouco ou nada impactada pelas operações das forças de segurança ao longo do ano; 2) o retorno de grupos para zonas já exploradas, após a diminuição da regularidade e da efetividade das operações no segundo semestre", alerta o documento.

O maior líder do povo Yanomami, Davi Kopenawa, em um vídeo gravado nesta semana, antes de ele ir para sua aldeia, e divulgado à imprensa, cobra das autoridades uma punição mais rigorosa aos chefes do garimpo e prisão aos criminosos. O presidente da HAY também pede que as leis sejam mais rígidas para que as pessoas que cometem esse crime sejam presas. Davi diz que 'nao é pra pegar garimpeiro pra levar pra casa dele", pois ele "volta pra derrubar e sujar a água".

"Nossas autoridades do Brasil precisam olhar mais o meu povo Yanomami. O chefe do garimpeiro nunca foi preso. Tem que botar na cadeia para eles [garimpeiros] aprenderem a respeitar. Está faltando isso. Matou índio [sic]. Então as polícias que pegam tem que botar na cadeia". Para o líder Yanomami, se não fizerem isso, "depois eles voltam".

A Lei 9.605/1998 aborda crimes contra o meio ambiente, e a prática do garimpo ilegal pode ser enquadrada com penalidades que podem incluir detenção, conforme o Código Penal. Entretanto, no Congresso Federal há uma tropa de choque pró-garimpo na TIY, como já denunciado pela Amazônia Real. A classe política de Roraima também apoia o movimento garimpeiro.

Apesar da redução do garimpo quando comparado aos últimos quatros anos do governo anterior, o documento aponta que é preciso montar estratégias de combate com base nos novos métodos aplicados pelos invasores, que para burlar a fiscalização estão entrando na área Yanomami pelo território venezuelano pelo Alto Orinoco, Shimada Ocho, Alto Caura, Santa Elena.

Equipados com tecnologias de comunicação de última geração, eles conseguem antecipar as operações governamentais. E para dificultar a ação de combate, os que comandam o garimpo desconcentraram as atividades, descentralizaram os canteiros deixando-os distantes dos grandes rios, trabalham no período noturno e sob a escolta de homens armados com armas de grosso calibre.

Para Davi Yanomami é preciso acabar de vez com o garimpo na TIY porque, segundo ele, só assim o seu povo vai parar de morrer. Ao relembrar os estragos do garimpo que provocaram a escassez de recursos naturais, peixes e água, o líder indígena repete o alerta que sua instituição fez exclusivamente para a Amazônia Real: "Garimpeiros estão voltando!". E completa: "Eu não quero. Chega de maltratar meu povo. Meu povo, Yanomami, Ye'kwana, eles são seres humanos, não são bichos".

A mais nova análise da situação da TIY foi produzida com base no Sistema de Alertas 'Wãnori' da Hutukara e no monitoramento de desmatamento feito pelo Greenpeace, confirmando atividades garimpeiras durante todo o ano de 2023, com forte aumento a partir de agosto, quando outro relatório foi divulgado.

"Em 2023 houve uma mobilização importante no primeiro semestre e reduziu bastante o número de pessoas envolvidas na atividade no território Yanomami, mas quando as Forças Armadas assumiram aumentaram esses alertas de desmatamento que coincide com os relatos dos indígenas, indicando o retorno de garimpeiros. Os dados de sensoriamento remoto indicam que o garimpo nunca parou, apenas diminuiu", afirmou o pesquisador do ISA, Estêvão Senra, em entrevista à Amazônia Real.

A conclusão do estudo é que para se dar uma resposta efetiva que garanta o bem-estar dos indígenas, bem como da população em geral, haja vista que os impactos negativos da atividade garimpeira influencia todo o ecossistema, o governo federal precisa retomar o plano de ação iniciado no ano passado, uma vez que esse sentimento de abandono impulsionou o retorno e a continuidade da mineração ilegal.

"A gente recomenda a retomada imediata das operações ostensivas, mas que se construa um plano de proteção que organize ações de curto, médio e longo prazo para neutralizar todas essas áreas, impedindo a retomada dos garimpeiros. É fundamental reforçar o controle do espaço aéreo, pois sabe-se que o tráfico de aviões clandestinos é bastante intenso", afirmou Senra em entrevista à reportagem.

O reforço às bases de proteção nos rios é outra recomendação, principalmente a do rio Uraricoera, principal entrada dos invasores. "O governo tem protelado para construir, embora tenha uma decisão judicial desde 2018. São importantes as bases para poder dar apoio logístico, equipes de patrulhamento nos rios, fiscalizar a venda de combustível e investigar para identificar quem é que está financiando esse processo". A série "Ouro do sangue Yanomami", da Amazônia Real, aponta a ligação do garimpo na TIY com facções criminosas e políticos.

Desarticulação incentiva invasão

A falta de articulação entre os órgãos governamentais é apontada como um dos problemas que contribuem para enfraquecer a ação governamental e estimular o retorno dos invasores. A Hutukara denunciou recentemente que a inércia do governo federal com relação a um pedido de autorização para realizar sobrevoos de monitoramento no período de 15 a 17 de janeiro, com a finalidade de verificar a situação das áreas afetadas pelo garimpo ilegal. As imagens desta ação seriam utilizadas para endossar o documento produzido.

A via sacra do ofício começou na Fundação Nacional do Povos Indígenas (Funai) e no Ministério dos Povos Indígenas (MPI) no dia 18 de dezembro, que transferiu a decisão para o Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), seguindo para o Estado-Maior da Aeronáutica (EMAER).

"Já o EMAER informou a HAY que o documento de solicitação de autorização para os sobrevoos deu entrada no sistema interno da aeronáutica no dia 04/01/2024 e estava sendo tratado na subchefia. Sem resposta do pedido de autorização para os sobrevoos, a Hutukara teve que cancelar o trabalho que agora está sem previsão para acontecer", diz a nota da Hutukara.

Esse sobrevoo seria realizado nas regiões do Parima, Auaris, Waikás, Palimiu, Uraricoera, Apiaú, Alto Catrimani, Baixo Catrimani, Aracaçá, Homoxi, Xitei, Papiu e Alto Mucajaí, áreas em que o sistema de monitoramento recebeu mais alertas de invasão.

"O resultado dos sobrevoos nas áreas mais afetadas pelo garimpo geraria o relatório de um ano do balanço de crise humanitária no território, assim como uma avaliação do trabalho do governo federal", diz a nota, ao deixar claro que a investida do governo não inibirá a Hutukara, que continuará denunciando a invasão do garimpo.

Esta semana, a Amazônia Real questionou a FAB que informou em nota que não houve recusa de voo. "Não há recusa quanto à autorização para sobrevoos de monitoramento na Terra Indígena Yanomami por aeronave civil".

"Cabe ressaltar que, ao contrário de notícias veiculadas recentemente, solicitações do tipo não exigem autorização específica por parte da FAB. Os sobrevoos estão autorizados desde que seja preenchido o plano de voo regulamentar, e seguidas as regras de tráfego aéreo e as observações técnicas disponíveis a todos os tripulantes, em especial os NOTAM (Aviso aos Aeronavegantes) G2260/23 e G2261/23", conclui a nota.

Na mesma nota, a HAY também criticou as declarações da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara. Durante uma live, ela disse que a crise não foi resolvida no ano passado e que provavelmente não será resolvida este ano por conta da situação complexa. A transmissão contou com a presença do secretário de saúde indígena Weibe Tapeba.

A organização se incomodou especificamente com a seguinte declaração de Sonia: "achamos que era só uma crise sanitária, mas tinha toda essa questão do garimpo impregnado". Para a Hutukara, a ministra "passa um sentimento de que desconhecia uma situação denunciada tanto na mídia quanto para as organizações governamentais brasileiras e internacionais".

"Há anos a Hutukara vem denunciando ao poder público, a invasão do garimpo na Terra Indígena Yanomami e suas atrocidades. Somente nos últimos anos diversas ações e documentos foram lançados. Em 2020, no auge da pandemia da Covid-19, o Fórum de Lideranças Yanomami e Ye'kwana, lançou a campanha Fora Garimpo, Fora Covid, que obteve mais de 430 mil assinaturas em uma petição online que pedia a retirada urgente dos garimpeiros", diz a nota pública, ao enumerar outras ações.

Em nota enviada à Amazônia Real, o MPI afirma que considera naturais as críticas e cobranças da Hutukara, haja vista a urgência das questões indígenas. Reconhece a complexidade e os desafios inerentes à gestão pública, especialmente as indígenas, mas reafirma que crise na região recebeu esforços emergenciais significativos interministeriais, embora o problema continue.

O órgão assegura que o MPI continua planejando e implementando mais ações articuladas com outros ministérios e que o Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, determinou a abertura de novo crédito extraordinário, no valor de R$1,2 bilhão, que será destinado à nova etapa da operação, focada na criação de soluções permanentes para a crise.

"Até o momento, o governo ainda não apresentou um novo plano para a extrusão dos garimpeiros da TIY. O plano inicialmente apresentado pelo governo atual levaria apenas 9 meses para retirada total (Fase 01 - 90 dias; Fase 2 - 180 dias), e, infelizmente, não logrou sucesso", diz trecho da nota da Hutukara.

Yanomami continuam morrendo

O estudo da Hutukara alerta que a continuidade da atividade garimpeira tem desestruturado e inviabilizado o sistema de saúde no território, porque impede a retomada das ações de promoção e prevenção em saúde, principalmente nas comunidades mais vulneráveis. O resultado, diz o documento, é que no ano passado doenças respiratórias vitimou 66 indígenas. A falta de atenção básica faz os quadros gripais evoluírem para pneumonias letais.

A cobertura vacinal não atingiu a meta e menos da metade das crianças de até um ano de idade não receberam todas as vacinas. Na região do Xitei, com mais de 2 mil pessoas, a vacinação abrangeu apenas 1,8% das crianças de até 1 ano, e 4,2% das crianças de 1 a 4 anos. Os poucos profissionais de saúde estão impedidos de realizar as visitas às casas-coletivas, porque o garimpo persiste no local.

A situação sanitária continua precária, a saúde não consegue se restabelecer. Os números de óbitos permanecem estarrecedores, segundo HAY informou à reportagem, 308 pessoas morreram até novembro de 2023, dessas 52,5% eram crianças com menos de 5 anos. Não muito distante de 2022, com a maior invasão do garimpo dos últimos anos, com 343 óbitos.

Estêvão Senra chama de decepcionante os números das ações de saúde apresentados pelo governo federal. "A expectativa era que com a declaração de emergência, com todos os recursos humanos e financeiros empenhados, a redução fosse muito maior. Entende-se que a não retirada total dos garimpeiros contribuiu também para não redução desse número de óbitos", disse.

Em nota, o Ministério da Saúde disse que aumentou o efetivo de profissionais, dobrou o investimento em ações de saúde e trabalhou para garantir a assistência e combater as principais doenças, como a malária e a desnutrição. O órgão disse que reabriu sete Polos Base que estavam fechados e segue trabalhando em conjunto com as Forças de Segurança Pública para que as ações de saúde possam avançar.

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