VOLTAR

Usina hidrelétrica em MT ameaça terras indígenas e sítios arqueológicos

O Globo - https://oglobo.globo.com/
Autor: Adriana Mendes
12 de Set de 2021

Relatório aponta irregularidades no projeto aprovado para empreendimento em Cachoeirão, no leito do rio Juruena: 'vários impactos ambientais'

BRASÍLIA - Enviada ao Conselho Estadual do Meio Ambiente de Mato Grosso (Consema), uma carta da etnia indígena Rikbaktsa contra a construção da Usina Hidrelétrica Cachoeirão mostra a preocupação com o empreendimento, aprovado em licença prévia em agosto. "Já estamos vivenciando os impactos causados por outros projetos construídos: escassez de peixes, poluição da água e secas muito violentas a cada ano que passa, inviabilizando a navegação de barcos e canoas pelo rio, como é nosso costume", diz o documento. O projeto da Amaggi Energia, do ex-ministro da Agricultura Blairo Maggi, teve licença prévia aprovada mesmo com relatório apontando impacto em terras indígenas e a existência de um sítio arqueológico.

As águas do rio Juruena, em Mato Grosso, correm rumo ao Norte, irrigando o Noroeste do estado, com extensa plantação de soja. Além do uso de agrotóxicos nas lavouras, as barragens para construção de usinas são apontadas como problema. Só no rio Juruena, considerado o berço das águas dos rios amazônicos, existem 20 empreendimentos, dez em funcionamento ou em fase de licença de operação. Cachoeirão está localizado nos municípios de Sapezal e Campos de Júlio, com potência de 43 MW.

A carta da etnia Rikbaktsa não teve relevância no Consema, nem as irregularidades apontadas pelo conselheiro e revisor do processo, Herman Oliveira. Segundo o relatório, as etnias Enawene-Nawe, Manoki (Irantxe), Myky, Nambikwara e os Rikbaktsa serão diretamente afetadas. No entanto, nem todas foram consideradas como pertencentes à área de abrangência da usina.

Segundo a legislação, é necessário realizar o Estudo de Componente Indígena (ECI), porque o local da hidrelétrica está no entorno de terras que pertencem a estes povos. Na Amazônia Legal, a portaria interministerial no 419 estabelece que o estudo deve ser feito com uma abrangência de até 40 km. A questão é que o impacto ocorre ao longo da extensão no rio, atingindo também outros povos indígenas.

O relatório diz que o Estudo de Impacto Ambiental não tem todos os documentos exigidos. Outro agravante é a ausência de estudos atuais dos efeitos socioambientais do licenciamento de empreendimentos hidrelétricos na bacia do Juruena. A Empresa de Pesquisa Energética realizou uma avaliação há 11 anos.

- O estudo não chega nem perto de um estudo para construção de uma usina hidrelétrica. Eles perceberam que construir uma hidrelétrica entre duas PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas, de menor potência) acaba escondendo o impacto de uma grande área de alagamento - diz Oliveira.

Um monitoramento feito pela organização não-governamental Operação Amazônia Nativa (Opan) aponta preocupação com o aumento do percentual de usinas em operação e as que serão implementadas. A mudança no fluxo das águas é considerada uma ameaça a diversos territórios indígenas. Andreia Fanzeres, coordenadora do Programa de Direitos Indígenas da Opan, diz que apesar do aval de algumas etnias para a usina, outros povos são "preteridos".

- O aceite dos indígenas é parcial. Não tem como dizer que os eles toparam (a construção de Cachoeirão). Dentro das aldeias há opiniões divididas, então essa avaliação precisa ser feita com cuidado - afirma a coordenadora.

A Opan identificou 160 projetos hidrelétricos para a bacia do Juruena, e 113 ainda não saíram do papel, o que "acende um sinal de alerta". Comparando com os monitoramentos anteriores, de 2019 a agosto de 2021, por exemplo, houve aumento de 54% na instalação de novas Centrais Geradoras Hidrelétricas, com potência ainda menor que as PCHs.

A secretária-adjunta de Licenciamento Ambiental da Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso, Lilian Ferreira dos Santos, afirma que o rio Juruena é um dos mais estudados, com monitoramento anterior a 2006. Lilian afirma que foi feita a consulta aos indígenas, e a licença de instalação definitiva é condicionada à apresentação de estudo pela Funai.

- A própria OIT define de quem é a atribuição de fazer o estudo, e o estudo é feito pelo empreendedor. A parte dos indígenas quem avalia é a Funai - diz Lilian Santos

Sítios arqueológicos
Outro ponto destacado no relatório é que, com a formação do lago, sítios arqueológicos vão desaparecer. O estudo de licenciamento, apresentado em 2015, indica a existência de um sítio a 750 metros da usina. Um mapa anexado ao documento identifica a localização de cinco sítios na região. Porém, um novo relatório da consultoria contratada pela Amaggi Energia para avaliação do impacto ao patrimônio arqueológico, aprovado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em março de 2020, relata que "não foram encontrados" sítios arqueológicos. Em nota, o Iphan informou que, "a partir da análise técnica", o empreendimento tem consentimento da superintendência do órgão no estado para a obtenção das licenças ambientais.

Há a preocupação com a mudança na vazão do rio, que afetaria a cachoeira usada em ritos indígenas. O ritual Yaokw, do povo Enawene Nawe, é considerado Patrimônio Imaterial pelo Iphan. A cerimônia, no entanto, depende da abundância de peixes. Ambientalistas relataram que no ano passado, na pandemia, indígenas iam à cidade em busca de peixe congelado.

A Amaggi Energia negou qualquer tipo de irregularidade no processo. Em nota, informou que o ECI já foi solicitado à Funai "que deverá emitir o Termo de Referência, o qual se encontra dentro do prazo". De acordo com a empresa, foram realizadas consultas prévias com as etnias Enawenê-Nawê e Nhambiquara. "As demais etnias citadas se encontram fora da área de influência disciplinada pela legislação aplicável para fins de estudos de componente indígena em licenciamento ambiental", diz o texto. Procurada pelo GLOBO, a Funai não se manifestou.

https://oglobo.globo.com/brasil/usina-hidreletrica-em-mt-ameaca-terras-…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.