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Ursos-polares famintos

OESP, Metrópole, p. A10
Autor: REINACH, Fernando
10 de Fev de 2018

Ursos-polares famintos
O degelo atual força os animais a nadar mais entre blocos de gelo e facilita a vida das focas, que escapam mais facilmente

Fernando Reinach*, colunista
10 Fevereiro 2018 | 02h00

O aquecimento global está derretendo o Ártico. A área mínima coberta por gelo tem diminuído 14% a cada década. Pencas de ursos polares estão morrendo. Recentemente uma foto de um urso polar esquelético comoveu o mundo. Agora um estudo do balanço energético dos ursos polares comprovou que eles estão morrendo de fome.
Todos os animais gastam certa quantidade de energia por dia. Essa energia pode vir dos alimentos ou das reservas. Se ingerirmos menos calorias do que gastamos, emagrecemos. Se comemos mais, engordamos. É simples. Ao contrário dos seres humanos que estocam comida no supermercado e na geladeira, o único estoque dos ursos polares está na gordura que acumulam. Esse estoque tem de ser usado para criar os filhotes e atravessar os meses em que é difícil encontrar as focas. Eles procuram as focas andando no gelo e nadando entre blocos de gelo, atividades que gastam muita energia.
O problema é saber quanto de energia um urso polar usa por dia e quanto precisa comer para repor o gasto. O gasto energético e a quantidade de alimento ingerida foram o que os cientistas mediram em nove ursos polares fêmeas, sem filhotes, que vivem na costa norte do Alasca, no mar de Beaufort.
Usando um helicóptero, a fêmea era localizada e derrubada com um tiro de anestésico. Os cientistas desembarcavam e instalavam uma balança para pesar o bicho. Examinando os dentes, eles determinavam a idade. Coletavam sangue e instalavam no pescoço um aparelho com uma câmera apontada para a frente do animal, um GPS, um giroscópio para detectar os movimentos da cabeça e um sistema de memória para guardar todos os dados coletados durante 11 dias. Finalmente injetavam uma dose de água marcada com isótopos de hidrogênio e oxigênio. Tiravam outras amostras de sangue e liberavam a ursa.
Após 11 dias, de novo com um helicóptero e usando o GPS, localizavam o animal. Anestesiavam o bicho, pesavam novamente, retiravam o equipamento e coletavam sangue para medir a quantidade dos isótopos no sangue.
Com todos esses dados foi possível saber se o animal engordou ou emagreceu (balança), quantas presas, de que tipo e quando comeu (câmeras e giroscópio), quanto andou ou nadou (câmeras e GPS) e o percurso feito (GPS). Com as medidas dos isótopos é possível calcular quanto de gás carbônico o animal produziu e, com base nisso, calcular quanto consumiu de energia.
Quatro dos ursos perderam 10% do seu peso, praticamente 1% por dia (2 quilos por dia), outros quatro engordaram e um ficou com o mesmo peso. Foi possível ver que eles passavam cerca de 40% do tempo se movimentando à procura de alimento, sendo que a maior parte era andando sobre o gelo com breves nadadas (0,3% do tempo) para ir de um bloco de gelo para outro. Eles se movimentam a uma velocidade que vai de 0,4 a 1,2 quilômetro por hora e percorriam entre 50 e 250 quilômetros durante o período.
Usando os isótopos foi possível determinar que esses ursos gastam entre 30 e 80 megajoules (MJ) de energia por dia. Um humano bem ativo gasta 12 MJ/dia (cerca de 3 mil kcal), um décimo da energia que um urso polar gasta no período. Para simplesmente repor o gasto, esses ursos precisam comer de um a três filhotes de foca por dia (27 MJ cada) ou um adulto jovem a cada dois ou três dias (200 MJ cada). Um urso que engordou comeu, durante os 11 dias, um filhote, uma foca adulta e restos de uma carcaça de baleia. Dois dos ursos que emagreceram não conseguiram comer nada e outros dois só comeram restos de carcaça que encontraram no gelo.
O trabalho tem muito mais dados, mas esses exemplos mostram quão difícil é a vida de um urso polar. Os ursos gastam 60% mais energia do que se imaginava. Eles gastam muita energia para caçar e quando não têm sucesso perdem quase 1% do seu peso por dia. E para sobreviver precisam caçar algumas presas por semana. A conclusão final é que os ursos vivem à beira do abismo alimentar: o tempo todo gastando rapidamente o que consumiram.
Portanto, é fácil compreender porque qualquer alteração no meio ambiente que diminui a quantidade de comida disponível ou dificulta um pouco a caça destrói o tênue equilíbrio energético em que os ursos polares vivem. A conclusão é de que o degelo atual força os ursos a nadar mais entre blocos de gelo e facilita a vida das focas, que escapam mais facilmente. O resultado é a morte dos ursos polares e sua possível extinção em algumas décadas. Pense nisso quando ligar o motor do seu carro de manhã.

MAIS INFORMAÇÕES: HIGH-ENERGY,HIGH-FAT LIFESTYLE CHALLENGES NA ARTIC APEXPREDATOR, THE POLAR BEAR. SCIENCE VOL. 359 PAG. 568 2018.
*FERNANDO REINACH É BIÓLOGO

OESP, 10/02/2018, Metrópole, p. A10

http://sustentabilidade.estadao.com.br/noticias/geral,ursos-polares-fam…

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