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Um nó de R$ 28 bilhões

O Globo, Economia, p. 37
04 de Abr de 2004

Um nó de R$ 28 bilhões
Burocracia na liberação de licenças ambientais atrasa investimentos e irrita Lula

Em meio à grande preocupação para acelerar o crescimento do país, o governo está esbarrando em si mesmo. Cálculos preliminares das áreas de transportes e energia elétrica mostram que o país pode perder mais de R$ 28 bilhões, a médio e longo prazos, em investimentos privados nacionais e externos. O prejuízo é atribuído por empresários à demora nas análises dos projetos ou à falta de decisão em laudos de licenciamento ambiental.

Grande parte desses investimentos está à espera de uma decisão do Ibama - existem também liminares da Justiça e ações do Ministério Público - que se transformou na grande pedra no sapato dos empresários e em mais um motivo de preocupação para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Ibama: falta pessoal e há projetos malfeitos

Um dos setores que enfrenta maiores dificuldades com as áreas ambientais do governo é o de energia. Pelo cronograma da Agência Nacional de Energia (Aneel), dos 39.454 megawatts (MW) de energia elétrica previstos para entrar em operação até 2008, usinas que produziriam 10.226MW estão com restrições ambientais graves, algumas com liminares na Justiça. Só nas obras previstas para este ano, as restrições atingem 5.892MW. O total de investimentos que podem não se realizar até 2008 no setor chega a R$ 20,4 bilhões. O cálculo foi feito levando-se em conta que todas as usinas fossem hidrelétricas, a um custo de R$ 2 mil para cada quilowatt produzido. Entre as usinas interditadas também há algumas termelétricas.

- O Ibama faz um esforço grande para buscar soluções. Parte dos problemas está na própria concepção dos projetos, que é ruim. Os empresários têm confundido as coisas. Na verdade, o Ibama tem deficiência de quadros e de tecnologia. Mas estamos trabalhando para resolver esses problemas - afirma o diretor de licenciamento Ambiental do Ibama, Nilvo Alves da Silva.

Ele explica que as restrições a 14 propostas de construção de hidrelétricas se devem ao fato de os projetos terem sido mal concebidos, mas, mesmo assim, licitados à época do racionamento de energia. Silva atribui as irregularidades ambientais à pressa com que foram feitas as licitações.

O diretor nega que haja qualquer obra embargada pelo Ibama e corrige os empresários, afirmando que todos são projetos cuja viabilidade ambiental está em avaliação. Ele esclareceu, ainda, que os órgãos fiscalizadores do meio ambiente acompanham o desenrolar dos projetos desde a fase de concepção.

- As alegações de que o atendimento do Ibama piorou não encontram respaldo estatístico - diz Nilvo Alves.

Mas o governador do Mato Grosso, Blairo Maggi (PMDB), que se sente prejudicado pela ação do Ibama em seu estado, disse que é inadmissível um único órgão inviabilizar os investimentos. Segundo ele, o Brasil não terá desenvolvimento se não forem afrouxadas as regras para o licenciamento ambiental.

- Não estamos sendo irresponsáveis. O que queremos ouvir é: pode ou não pode executar determinado projeto. Ou que se diga como deve ser feito. Não dá para não ter decisão - diz o governador.

Maggi está discutindo com outros governadores e empresários a formação de um consórcio para asfaltar a Rodovia Cuiabá-Santarém, no trecho entre Quarantã do Norte e Santarém, uma extensão de 1.080 quilômetros. As obras ainda não foram iniciadas mas, de antemão, o Ibama já avisou que será preciso um plano ambiental na extensão da estrada para dar as diretrizes de como lidar com as famílias e pessoas que vão ocupar as laterais da rodovia quando ela estiver concluída. O governo conta com esta estrada para escoar a soja produzida no Centro-Oeste pelo Oceano Pacífico e levar para o Brasil Central os produtos da Zona Franca de Manaus.

- Além de todos os nós que a infra-estrutura tem de falta de recursos e de marco regulatório, tem-se que enfrentar a questão do licenciamento ambiental com o mesmo grau de dificuldade. Parece que num mesmo governo existe um ministério contra esse governo - diz o presidente do Sindicato da Indústria Pesada (Sinicon), Luiz Fernando dos Santos Reis.

O próprio presidente Lula determinou aos dirigentes do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama que acompanhem com a iniciativa privada o desenrolar dos projetos para que o laudo ambiental seja dado com o início da obra. A amigos, o presidente tem confidenciado estar irritado com a morosidade e empecilhos que a área ambiental do governo vem criando à implantação dos projetos.

- Já existe o Ministério Público e a Justiça para cuidar da área ambiental, o que é incompreensível é que o próprio governo tranque toda a pauta do investimento - teria desabafado o presidente Lula, segundo relatou o deputado Devanir Ribeiro (PT-SP).

- Sempre defendi a tese de que não se deve maltratar o empresário porque é dele que vem o emprego - diz o deputado, que é metalúrgico.

Governo e empresas vão analisar obras

O dever de casa determinado por Lula começa a ser feito amanhã, quando dirigentes do Ibama e do Ministério do Meio Ambiente se encontram com a diretoria da Associação Brasileira de Indústrias de Infra-Estrutura de Base (Abdib), para analisar extensa lista de obras paradas devido a problemas ambientais.

Para o secretário de Desenvolvimento Sustentável do estado do Amazonas, Virgílio Viana, é preciso ter rigor ambiental quando se fala de Amazônia. Mesmo assim, ele reforça que é possível executar projetos que respeitem as leis ambientais e, para isso, considera o diálogo essencial. O secretário não quis comentar a polêmica construção do gasoduto que ligaria Urucu a Porto Velho (RO), para o fornecimento de energia elétrica para Rondônia e Acre, cuja construção está interditada pelo Ibama. A obra seria executada pela Petrobras a um custo de R$ 1,2 bilhão.

- É preciso manter o rigor ambiental quando se trata da Amazônia - defende Viana, ressaltando que a maior preocupação dos ambientalistas é com a possibilidade de se instalar a prostituição ao longo do gasoduto, além da construção de estradas vicinais que podem pôr em risco a floresta amazônica.

O Globo, 04/04/2004, Economia, p. 37

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