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Um ano após seca histórica na Amazônia, rios não retomam o nível esperado e sinal de alerta para nova estiagem grave se acende

O Globo - https://oglobo.globo.com/
05 de Jul de 2024

Um ano após seca histórica na Amazônia, rios não retomam o nível esperado e sinal de alerta para nova estiagem grave se acende
Parte dos rios está com cota abaixo da normalidade e bacias importantes do Solimões e do Amazonas não recuperaram de forma desejável na cheia

Por Lucas Altino
05/07/2024 04h30 Atualizado há 4 dias

Menos de um ano após a seca histórica que assolou a Bacia Amazônica, moradores, ambientalistas e organizações empresariais acenderam o sinal de alerta sobre o risco de mais e maiores impactos com uma nova estiagem que começará em breve. Durante o período chuvoso, no início do ano, algumas bacias, em especial as do Solimões e do Amazonas, as mais importantes, não recuperaram seus níveis de forma suficiente. Como as chuvas diminuem nos próximos meses nessas regiões, a Defesa Civil do Amazonas emitiu um alerta às populações de áreas remotas para que iniciem o estoque de água e alimentos.

Há duas semanas, o governo federal anunciou os editais para contratar dragagens em quatro trechos do Amazonas e do Solimões. A previsão do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) é de que as dragagens comecem em até dois meses, em um investimento de mais de R$ 500 milhões. Mas especialistas dizem que outras medidas, especialmente de garantia à água em comunidades isoladas, precisam ser tomadas o quanto antes.

No ano passado, a seca afetou mais de 500 mil pessoas no Amazonas, no Acre, em Rondônia e no Pará, e levou ao menos 55 municípios ao estado de emergência. O volume dos rios da Bacia Amazônica, a maior do mundo, alcançou os menores níveis em mais de 120 anos de medição.

Praias do período seco

Na Amazônia, o período de seca ou de chuva não é homogêneo. Em Roraima, a seca começa em fevereiro, enquanto no Pará o marco é outubro. Em Manaus, os rios ainda estão cheios, e começam a diminuir no meio do ano. Na turística Alter do Chão (PA), essa época deveria ser de Rio Tapajós totalmente cheio, mas há diversas praias que costumam ser formadas em período de seca. A Ilha do Amor, que deveria aparecer somente em agosto, já está visível.

O Serviço Geológico Brasileiro ainda não possui modelos de previsão mais longos, mas o monitoramento mostra trechos onde a água está abaixo do normal. O gerente de Hidrologia e Gestão Territorial do SGB no Amazonas e Roraima, André Martinelli, diz que o cenário é de incerteza. Os afluentes do Norte do Solimões e Amazonas, como os rios Branco, Negro e Trombetas, estão com bons níveis. Mas no Sul, rios como o Purus, o Madeira e o Tapajós estão com muita escassez.

- Purus apresenta recordes negativos. O pico da vazante é só em setembro e outubro, mas o rio já está com níveis abaixo do que se espera. A perspectiva é que vá chover menos esse ano - explicou Martinelli. - Mas ainda não podemos falar de nova seca histórica. Vamos conseguir uma perspectiva melhor a partir de agosto.

Seca histórica em 2023

No ano passado, o volume dos rios da bacia hidrográfica amazônica, a maior do mundo com 1.100 afluentes e 17 rios com mais de 1,5 quilômetro de extensão, alcançou os menores níveis em mais de 120 anos de medição. Uma seca é considerada severa na região quando o nível da água no porto de Manaus fica abaixo dos 15,8 metros. Em 26 de agosto de 2023, a faixa chegou a 12,70 m, o menor índice desde o começo da série histórica, em 1902. A estiagem foi vista em quase todos os grandes rios, como o Negro, Solimões, Purus, Juruá e Madeira.

Segundo um estudo da World Weather Attribution (WWA), as mudanças climáticas fizeram a seca até 30 vezes mais provável no período de junho a novembro, conforme mostrou O GLOBO. A análise mostra que as mudanças climáticas foram mais impactantes que o El Niño para a ocorrência da seca histórica na Amazônia, no ano passado.

A seca afetou gravemente a cadeia de logística, transporte de pessoas e de distribuição de mercadorias e insumos na Amazônia, onde o transporte fluvial é essencial. Enquanto cidades menores, que dependem do envio de combustível das capitais, sofreram com racionamento de energia, pois faltou até diesel para as termelétricas, comunidades isoladas, de ribeirinhos, quilombolas e indígenas, ficaram sem alimentos e mantimentos. Por isso, o governo federal articulou uma força tarefa para envio de água mineral, alimentos e insumos através de helicópteros.

- A infraestrutura ainda é muito precária na região, há muita dependência das balsas e de insumo das capitais. Então se seca em Manaus, boa parte do estado vai sofrer. O impacto é muito grande - afirma Ana Amélia, pesquisadora do Instituto Socioambiental (ISA), e que atua em São Gabriel, no Alto Rio Negro, a 800 quilômetros de Manaus, onde os níveis ainda estão bons. - Esse ano as pessoas estão se preparando um pouco mais para armazenar mercadorias, por causa do ano passado. Ano passado houve racionamento de 20 dias em São Gabriel, as pessoas mal conseguiam dormir. Faltava alimento, interferiu nas escolas, nos postos de saúde.

Projeto de dragagem

Além da ajuda humanitária, o plano de ações, do governo estadual e do governo federal, envolvia a execução de dragagens nos rios, a fim de garantir maior navegabilidade. No ano passado, trechos dos rios Solimões e Madeira foram dragados, o que permitiu a passagens de barcos de grande porte, mas as embarcações menores, como as voadeiras, muito utilizadas na região, continuaram sem possibilidade de trânsito em muitos trechos.

No último dia 19, o governo federal anunciou a assinatura de editais para contratação das dragagens de quatro trechos dos rios Amazonas e Solimões. Serão investidos R$ 505 milhões em obras para recuperar a capacidade de navegação dos rios. Desde o início do ano, o governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil), vem cobrando autoridades federais a liberação de recursos para essas obras, viabilizados agora pelos ministérios de Portos e Aeroportos e dos Transportes. O edital prevê a contratação das dragagens em quatro trechos: Manaus-Itacoatiara; Coari-Codajás; Benjamin Constant-Tabatinga; Benjamin Constant-São Paulo de Olivença.

Em entrevista ao GLOBO em junho, Lima disse que, além da dragagem, o governo estava " acelerando a instalação de sistemas de abastecimento de água".

Apesar de apresentar melhorias pontuais, as dragagens são uma solução pouco eficiente, diz Martinelli. Segundo ele, não há informações suficientes que embasem a eficácia de um projeto desse porte. Ele relata, inclusive, que pesquisadores do tema não tem acesso às informações técnicas usadas pelo governo, e se queixa da falta de participação de cientistas no processo.

-As dragagens vêm sendo feitas nos últimos anos, mas continuamos com os mesmos problemas de navegação. É impossível afirmar hoje que essa solução vai resolver - afirma o especialista, que destaca que só o Rio Madeira produz meio bilhão de toneladas de sedimento por ano, número muito acima de qualquer capacidade de dragagem.

No mês passado, a Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros) divulgou uma nota cobrando medidas de mitigação dos impactos durante o período de estiagem. A preocupação é que, sem navegabilidade nos rios, os produtos não consigam ser escoados.

Demandas por sistemas alternativos de abastecimento de água

Além de obras em prol da navegabilidade dos rios, o poder público precisa se antecipar a ações de garantia de água potável, explica Caetano Scannavino, coordenador do projeto Saúde e Alegria, ONG que atua junto a comunidades ribeirinhas e indígenas no Pará.

- Pelo andar das coisas, esse ano tem tudo para ser pior que o ano passado, que já foi histórico - se preocupa Scannavino, que defende o investimento em sistemas alternativos de captação de água, mais baratos e eficientes. - É urgente dar escala a tecnologias de acesso à água, principalmente em áreas remotas, antes da seca. O nível dos rios está assustando. O quanto antes começar, melhores serão os resultados.

Scannavino deu três exemplos de tecnologias possíveis. O primeiro são sistemas comunitários de abastecimento de água, de poço, movidos a energia solar, o que diminuiria a dependência do diesel. Outra ação seria a compra de filtros de nanotecnologia, feitos com micromembranas que retêm 99% das impurezas. Essa tecnologia vem sendo aplicada, pelo Saúde e Alegria, em aldeias Munduruku, onde indígenas sofrem com água contaminada pelo garimpo, e cinco mil desses filtros foram enviados ao Rio Grande do Sul. O item não é produzido no Brasil, mas pode ser importado da China, por valor entre R$40 e R$150, e tem durabilidade de cinco anos, disse Scannavino.

Outro investimento necessário é a compra de mangueiras, que são usadas por comunidades isoladas para captação de água de lagos. Mas, com a seca severa, novas mangueiras passam a ser necessárias, pois o ponto de captação fica muito mais distante.

- São coisas que às vezes o governo sequer imagina, mas quem está na ponta sabe que é eficiente. Essas coisas que a gente tenta apresentar, são medidas práticas e simples, com um custo mais baixo, mas resultados imediatos e efetivos. Se o governo fizer isso chegar nas áreas remotas, é possível diminuir o tamanho da crise humanitária - disse Scannavino.

Procurado, o governo do Amazonas informou que o monitoramento aponta que os impactos da estiagem começarão ser sentidos nesse mês e que desde o ano passado trabalha no planejamento de prevenção, prevendo soluções para abastecimento de água potável, insumos e medicamentos para a saúde, produção rural, logística para a manutenção do funcionamento da rede estadual de educação e ajuda humanitária.

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