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Um ambientalista no Pontal

OESP, Vida, p. A16
11 de Nov de 2004

Um ambientalista no Pontal
Laury Cullen Jr. coordena projeto de preservação da mata atlântica que une fazendeiros e assentados

Alessandro Greco
Teodoro Sampaio

Na adolescência, o engenheiro florestal Laury Cullen Jr., de 37 anos, adorava ir caçar no Pantanal com seu pai. Hoje, continua usando a espingarda, mas as balas mudaram. São dardos tranqüilizantes, usados para anestesiar onças e colocar nelas um colar de localização GPS, parte de um projeto de estudo e preservação desses felinos feito pelo Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ) no Pontal do Paranapanema, em São Paulo. Anteontem, Cullen recebeu da Rolex, a famosa marca suíça de relógios, um prêmio de US$ 30 mil por seu trabalho de preservação da natureza no Pontal - em 2002, havia ganho o Whitley Gold Award, maior prêmio da Inglaterra para a conservação da natureza, no valor de 50 mil libras, pelo mesmo trabalho.
Preservação, aqui, não de onças, mas da mata atlântica, em conjunto com agricultores da região, mais conhecida pela degradação ambiental e por servir de batalha entre fazendeiros e o Movimento dos Sem-Terra (MST).
"Mostramos que podemos fazer restauração ambiental com reforma agrária", disse ele, chacoalhando em seu jipe por uma das inúmeras estradas de terra perto de Teodoro Sampaio, onde fica uma base de pesquisa do IPÊ e onde Cullen mora desde 1989. "Vi uma notícia de que um incêndio estava destruindo uma das matas que tinha mico-leão-preto. Liguei para o Cláudio (Pádua, biólogo), que já estava aqui, e vim para cá", conta ele, que fundou com Pádua e outros o IPÊ em 1996.
CAFÉ COM FLORESTA
A vivência na região inspirou Cullen a fazer sua tese de mestrado, em 1995, sobre o impacto ambiental causado pela reforma agrária perto da mata atlântica. "Mostramos que assentamento perto da mata é uma péssima combinação", afirma, ao estacionar para mostrar um dos projetos feitos pelo IPÊ para reverter essa situação e ao mesmo tempo gerar renda, o Café com Floresta, apoiado pela Fundação O Boticário.
No assentamento Ribeirão Bonito, que tem 195 famílias, o agricultor José Santiago, de 54 anos, planta em seu lote árvores nativas da região e, entre elas, pés de milho, mandioca, abóbora, melancia e café. Tudo um ao lado do outro e orgânico. "Na terceira safra, em 2005, esperamos produzir 100 sacas de café no total, vindas de 38 produtores", diz, debaixo de uma árvore, Jefferson Ferreira Lima, coordenador do projeto no IPÊ. "Inclusive esse café tem um alto valor agregado, três a quatro vezes o de um café tradicional."
VIVEIROS
As árvores plantadas pelos agricultores vêm de um outro projeto feito pelo IPE: os viveiros agroflorestais. Neles, famílias aprendem a cultivar mudas de árvores nativas da região desde 1998 e as vendem para os fazendeiros. "Pela lei, 20% de uma fazenda ou assentamento tem de ser de reserva legal no caso de áreas de mata atlântica, mas pouca gente cumpre", comenta Cullen, que fez o primeiro viveiro, em parceira com o Instituto Florestal, dentro do Parque Estadual Morro do Diabo.
Hoje há 18 desses viveiros, mais de 1 milhão de árvores foram plantadas e os fazendeiros estão adotando a idéia. "A Fazenda Rozanella, por exemplo, está fazendo o plantio das árvores da reserva legal, com apoio do programa ambiental da Petrobrás", afirma Cullen, refrescando-se em uma torneira debaixo do sol forte.
Agora, em um passo mais ousado, está sendo feito um novo viveiro, desta vez comunitário, também no assentamento de Ribeirão Bonito. Criado há um ano, o objetivo é produzir em uma escala maior - 100 mil mudas por ano - e a comunidade decide o que fazer com o dinheiro arrecadado, que deve ficar em torno de R$ 40 mil por ano. "Temos aqui hoje 42 espécies nativas e 3 exóticas. Queremos atingir em breve 80 espécies", diz José Antônio de Souza, filho de assentado e uma das pessoas que cuida do viveiro.
O IPÊ conta hoje com 60 pessoas contratadas e um orçamento anual de US$ 1 milhão. "É uma luta diária, de formiguinha, mas está aumentando. Estamos conseguindo sair da escala experimental agora", diz Cullen, sacolejando pela estrada de terra empoeirada e cumprimentando os carros do IPÊ que vão e vem com cientistas na batalha diária pela preservação da fauna e da flora da região. Um ambiente bem diferente daquele em que passa dois meses por ano, a Universidade de Kent, na Inglaterra, onde faz doutorado. "Lá é divertido, mas gosto mesmo é de ficar aqui."

Assentado, artesão e empreendedor

Alessandro Greco

Bucha Ecológica: Entre julho de 1990 e 1998, ele ficou acampado, esperando um lote de terra nos arredores de Teodoro Sampaio. Em 1999, Valentin Messias de Gasperi conheceu o IPÊ e começou a fazer o seu viveiro agroflorestal. "Para os assentados, eu distribuo e para os fazendeiros, vendo", diz ele, que tem hoje uma renda de R$ 2 mil por ano com o viveiro. "Não parece muito, mas para a gente aqui é bastante."
Não satisfeito em fazer somente os viveiros, Gasperi começou a produzir peças coloridas variadas com buchas naturais plantadas no seu lote, seguindo a filosofia de restauração agroflorestal do IPÊ. No início de 2004, vendeu um lote de mil buchas com cara de mico-leão-preto, onça-pintada e outros animais para o Hotel do Frade, em Angra dos Reis.
"Agora estou em um trabalho com a Natura para a loja deles que será inaugurada em Paris", conta o artesão em seu escritório, adjacente à sala com as máquinas de costura e outros apetrechos em que produz, com a mulher e as duas filhas, também almofadas, tapetes e bolsas de bucha. Uma grande virada para um assentado que acredita que só existe a proteção ambiental com com a barriga cheia. "O homem no vermelho não protege o verde."

Números
1.000 micos-leões-pretos vivem hoje na região graças ao trabalho do IPÊ. No final da década de 80, eles eram 200 e estavam muito ameaçados de extinção
1 milhão de árvores foram plantadas na região desde 1998 pelo instituto e seus parceiros
15 onças foram monitoradas pelo IPÊ nos últimos 5 anos

OESP, 11/11/2004, Vida, p. A16

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