VOLTAR

UFSCar monta comitê para receber e ajudar na adaptação de alunos indígenas

G1 http://g1.globo.com/
Autor: Fabiana Assis
04 de Mar de 2018

Chegar a uma universidade sozinho é uma situação que assusta a maioria dos estudantes que está iniciando uma nova etapa de vida com a graduação. Mas, para uma parte desses universitários o desafio é ainda maior. Trata-se dos alunos indígenas que deixam suas aldeias e comunidades para buscar conhecimentos que possam ajudar o seu povo.

A Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), uma das pioneiras no vestibular indígena, criou um programa de acolhimento e integração para estes alunos com o objetivo de diminuir o choque na chegada à universidade que, nessa semana, começou a receber os 54 indígenas que passaram no vestibular 2018 para os cursos do campus de São Carlos.

O programa começou em 2008 e foi montado por iniciativa dos próprios alunos indígenas, que também definiram as atividades que ele deveria ter. Os novos alunos passam 11 dias com acompanhamento de veteranos indígenas que apresentam a comunidade universitária e ajudam nos trâmites burocráticos para a inserção nos programas de assistência estudantil.

"A UFSCar é a única universidade em que os próprios estudantes entram em contato com os ingressantes. A partir do momento em que ele faz vestibular já inicia o processo de acolhimento. A gente procura destinar um estudante que seja da mesma região, o acolhimento inicia desde a comunidade" conta o aluno de engenharia de produção, Daniel Rodrigues Telles (nome indígena Umüheri). Ele, que é da etnia Arapassu e veio de São Gabriel da Cachoeira (AM) faz parte do Centro de Cultura Indígena (CCI) da UFScar e é um dos líderes do projeto.

Fazer a preparação antecipada é muito importante na visão do secretário da Secretaria Geral de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade (Saade), Djalma Ribeiro Júnior. "Nos 10 anos em que esse tipo de recepção vem sendo feita na UFSCar, tanto estudantes quanto a própria instituição foram percebendo que a integração e o acolhimento alcançam maior êxito quando antecedem o início do período letivo, já que quando este se inicia, outras preocupações tomam conta do cotidiano das pessoas", diz.

Para os alunos que estão chegando, ser recebidos por outros indígenas é importante para a ambientação. "Tem essa relação de união. Mesmo que a gente não conheça, já sente que é da família, se sente mais confortável", diz a estudante da tribo Tucano, Vanessa Carneiro Borges, que também veio de São Gabriel da Cachoeira.

Na tribo, ela é filha do cacique e se chama Nanaio, mas em São Carlos é Vanessinha, aluna do 2o ano de terapia ocupacional. A decisão de deixar sua comunidade e a família veio da determinação de ajudar o seu povo.

Desejo de ajudar o seu povo

Assim como no caso de Vanessa, que tem motivado grande parte dos os indígenas que estão na UFSCar a buscar a universidade é a possibilidade de ajudar a sua comunidade.

"A maioria dos estudantes tem a demanda da própria comunidade. O meu curso (engenharia de produção) vem mesmo da demanda da comunidade. A gente precisa desse profissional - o engenheiro - pela questão territorial mesmo, para poder estar defendendo nosso território, para avaliar os laudos técnicos. Por isso essa opção da maioria de escolher esses cursos chaves, não tem médico, não tem enfermeiro, não tem engenheiro, não tem advogado, a gente tem essa particularidade de atender a nossa demanda da região", afirmou o estudante.

Ele diz que os indígenas usam a universidade como estratégia para manter a sua cultura o seu modo de vida, buscando conhecimento e voltando para a comunidade para aplicar o que aprendeu.

É o caso de Leonnardo de Souza, de 21 anos da comunidade Xukuru Du Orubá de Pesqueira (PE) que entrou este ano em Medicina. " Meu pai tem uma farmácia que atende a maior parte as tribos da região e eu vejo que eles precisam de atendimento médico. É uma necessidade do povo", diz.

Essa também é a motivação das irmãs Izabel e Rosiani da Silva, de 20 e 18 anos que viajaram mais de 2,4 mil quilômetros da aldeia dos Pankará em Carnaubeira da Penha (PE) para São Carlos e chegaram na terça-feira (20).

Por dois anos Izabel, que faz engenharia civil, fez as 38 horas de trajeto sozinha, mas esse ano trouxe a irmã, que irá fazer enfermagem, mas mesmo tendo acabado de chegar, a mais nova das irmãs já pensa em voltar.

Para Izabel, aplicar seus conhecimentos na aldeia é mais difícil, mas nem por isso ela quer afastar de seu povo. "Gostaria de trabalhar na Funai e aí poderei ajudar os povos indígenas no geral", disse.

Barreiras

Não é fácil para os indígenas que chegam ao campus. Para muitos a dificuldade já começa na língua. Na UFSCar são faladas 17 línguas indígenas. Para os xavantes, guaranis e tikunas, por exemplo, o português é a segunda ou terceira língua.

É o caso de Daniel, que aprendeu falar português apenas com 12 anos. "Essa transição de universos acaba gerando dificuldade, principalmente na produção acadêmica. Na hora de escrever eu penso na minha língua e tenho que traduzir para o português", conta.

De acordo com o estudante outra barreira é a diferença cultural. "As comunidades indígenas têm a visão de que tudo é compartilhado e você chegar numa visão toda individualista, é completamente diferente. Por isso a gente tem trabalhado dentro da universidade com os novos estudantes para que ele tenha contato com outros alunos indígenas para que ele continue mantendo esse estilo de vida que a gente acha fundamental", afirma.

O projeto de acolhimento acaba sendo não apenas de ingresso, mas também de permanência. Ao longo dos anos os alunos têm apoio pedagógico no qual os próprios veteranos indígenas são tutores e ajudam nas disciplinas mais difíceis.

Para o aluno de biblioteconomia Jhonny Passos de Oliveira, que veio da pequena São João das Missões (MG) - "A UFSCar com o cerrado é do tamanho da minha cidade", brinca - o programa de acolhimento foi muito importante para se manter na universidade. Ele é o primeiro xakriabá da UFSCar, mas o fato de ter outros indígenas, mesmo que de outras etnias, lhe deu mais confiança.

Procura aumenta

A população indígena no Brasil é de 980 mil segundo a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), mas as políticas de inserção na universidade são relativamente recentes.

A UFSCar destina uma vaga de cada curso para aluno indígena desde 2008. O vestibular é realizado em São Paulo, Recife e Manaus e a procura tem aumentado ao longo dos anos. Em 2017, foram 700 inscritos e em 2018, 888 inscritos.

Vinte e dois indígenas já se formaram pela universidade que, atualmente tem 89 alunos indígenas de 48 etnias diferentes.

Os estudantes são de todas as regiões do Brasil, com exceção do Sul, onde as universidades têm políticas fortes de atendimento aos indígenas.

https://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/ufscar-monta-comite-p…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.