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'Trump só formalizou posição que todos sabiam que tinha'

O Globo, Sociedade, p. 27
Autor: KAHN, Suzana
02 de Jun de 2017

'Trump só formalizou posição que todos sabiam que tinha'
Para a presidente do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, saída dos EUA pode até ajudar negociações pendentes do Acordo de Paris

Suzana Kahn

Cesar Baima

RIO - Presidente do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) e professora da Coppe, a engenheira Suzana Kahn avalia que o anúncio do presidente Donalda Trump da retirada dos EUA do Acordo de Paris poderá até ajudar na implementação do mesmo e reforçar a união e compromisso das demais nações do planeta com a luta contra o aquecimento global.

Qual impacto a decisão de Trump pode ter sobre o Acordo de Paris?
Minha expectativa é de que haja uma união ainda maior dos demais países do mundo em torno dos compromissos do acordo e da luta contra as mudanças climáticas, enquanto os EUA ficam cada vez mais isolados, e não só com relação ao clima. Dado o fato de Trump ser o presidente dos EUA, a saída do país pode até ajudar o acordo, que pressupõe uma série de negociações sobre suas regras de implementação que estão em curso e que os negociadores americanos poderiam atrapalhar. Como segundo maior emissor de gases-estufa do planeta e uma economia importantíssima, os EUA tanto têm o poder de alavancar estas discussões quanto um poder muito grande de travá-las. Mas, com os EUA fora do acordo, isso pode até acelerar algumas decisões.

Então o anúncio da retirada dos EUA não deverá ter grandes efeitos?
Trump só fez formalizar uma posição que todos já sabíamos que tinha. Ele é muito midiático e uma declaração como esta chama a atenção, mas não passa de uma satisfação que está dando a setores da economia americana que apoiaram sua campanha, como o do carvão. Além disso, Trump diz que quer colocar os EUA em primeiro lugar como se as mudanças climáticas não fossem afetar os próprios EUA, e a verdade é que estudos indicam que o país também será duramente atingido, em especial a área da Flórida.

Para sair de fato do Acordo de Paris, Trump tem dois caminhos oficiais: retirar os EUA da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas, assinada na Rio-92, ou esperar os três anos desde a ratificação da adesão dos EUA previstos no próprio acordo para solicitar sua exclusão, em processo que poderá demorar mais um ano e só terminar bem no fim de seu mandato, no segundo semestre de 2020. Outra opção, ainda, é simplesmente não cumprir as metas propostas de redução das emissões, já que o acordo também não prevê nenhuma punição por isso. Qual caminho a senhora acha que Trump vai seguir?
Sair da convenção-quadro é mais complicado porque ela é muito mais abrangente que o Acordo de Paris. Mas minha expectativa é que não aconteça de fato nada, com os EUA continuando a integrar o acordo, mas sem fazerem nada do que prometeram, como já era esperado com Trump na Presidência do país. Outra questão chave é o apoio financeiro aos países pobre e em desenvolvimento para enfrentarem as mudanças climáticas, já que o acordo não é só de redução de emissões. E aqui, novamente, o anúncio de Trump não faz qualquer diferença, já que desde que ele assumiu o cargo os EUA não estavam mesmo repassando o dinheiro prometido.

E quanto ao Brasil? Qual deve ser a postura do país diante do anúncio de Trump?
O Brasil vai continuar a levar à frente o que já estava fazendo. Estamos numa posição muito confortável e vamos cumprir facilmente os compromissos que colocamos na mesa do acordo. É uma situação privilegiada frente ao resto do mundo. Mas apesar de o país não dever reagir individualmente, como nação emergente o Brasil deverá adotar uma postura de um pouco mais de indignação e se alinhar coletivamente ao G77, que reúne diversos países africanos e insulares que precisam muito destes recursos dos países mais ricos para enfrentar os efeitos das mudanças climáticas. Prevejo uma reação muito grande de outros países, talvez até com boicotes, em especial a produtos com uma pegada de carbono grande, que podem atrapalhar em muito a economia americana.

O Globo, 02/06/2017, Sociedade, p. 27

https://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/suzana-kahn-trump-s…

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