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Todo poder aos índios

Isto É, Brasil, p. 36-38
31 de Jan de 2007

Todo poder aos índios
Eles são menos de 1% da população brasileira, mas, detêm 12,9% do território nacional. Organizados pela Igreja e com métodos do MST, os indígenas podem bloquear 200 projetos de crescimento do país

Por Hugo Marques

Juntos, eles encheriam pouco mais que dois estádios do Maracanã. São 450 mil índios - menos de 1% da população brasileira -, mas que detêm 12,9% do território nacional, 110 milhões de hectares. Têm hoje força suficiente para atrasar e até bloquear os principais projetos de infra-estrutura do governo federal. Um levantamento da Funai contabiliza mais de duas centenas de hidrelétricas, rodovias, hidrovias e áreas de mineração que estão no plano de desenvolvimento do País e que afetam, diretamente, as comunidades indígenas. Elas não sairão do papel sem que eles resistam. Nesta lista estão os complexos do rio Madeira, em Rondônia, com investimentos de US$ 20 bilhões, e de Belo Monte, no Pará, de US$ 3,7 bilhões. Essas obras afetam a vida de dez etnias indígenas. Outro grande projeto federal é a BR-163, entre Mato Grosso e Pará, que será vizinha de outras três etnias. "Antes de instalar qualquer projeto de desenvolvimento, vai ser preciso fazer levantamento antropológico", avisa o jovem cacique Jaguareté, 28 anos. O que ele quer dizer é que as obras, para se viabilizarem, terão de ser negociadas e levar em conta os desejos dos índios da região. Ele próprio, Jaguareté, está em pé de guerra, acampado desde a quarta-feira 17 em frente ao Ministério da Justiça para pressionar o governo a devolver aos índios cerca de 11 mil hectares de um projeto de reflorestamento da empresa Aracruz Celulose, no Espírito Santo. No ano passado, essa área foi invadida pelos índios. "Para nós, é bastante desconfortável. Os índios procuram a solução sempre por intimidação e violência", reclama o diretor de Sustentabilidade da Aracruz, Carlos Alberto Roxo.

Em média, cada um dos 450 mil índios brasileiros é dono de 244 hectares. Esta área para cada índio é dez vezes o tamanho da gleba que as famílias costumam receber na reforma agrária. Os antropólogos defendem essa demarcação lembrando que elas levam em conta uma reserva de espaço para futuras gerações de índios. Só nos primeiros quatro anos, o governo Lula homologou 65 reservas indígenas. Apenas uma delas, Raposa Serra do Sol, em Roraima, tem 1,7 milhão de hectares. Até o fim do segundo mandato de Lula, os índios terão 13,5% do território nacional. Para este ano, o governo quer homologar a terra indígena Trombetas-Mapuera, com quatro milhões de hectares, nos Estados do Amazonas, Pará e Roraima. Além de espaço, os índios conquistaram mais de 20 administrações de regiões e postos da Funai no País.

O poder dos índios pode ser medido ainda pelas riquezas existentes em seus vastos territórios. Na terra indígena Roosevelt, em Rondônia, por exemplo, estão algumas das maiores reservas de diamantes do planeta. Naturalmente, isso provoca cobiça. Em 2004, 29 garimpeiros foram mortos ali pelos índios. Na terra caiapó, no Pará, o ouro é farto. Lá, três dezenas de garimpeiros e invasores foram mortos e enterrados nas últimas décadas. Muitos índios acreditam que no futuro só as suas áreas é que irão representar a preservação total da natureza na Amazônia. Para eles, a sociedade dita civilizada vai desaparecer do mapa, por não conseguir viver de forma integrada com a floresta. "Nós não somos contra o progresso", diz o cacique Toninho Guarani. "Mas somos contra o progresso que traz morte, que mata o peixe, que mata a água."

O problema é que muitas vezes os interesses dos índios conflitam com os interesses nacionais - e eles estão cada vez mais organizados em torno dos seus interesses. Essa postura mais reivindicatória começou em 2002. Naquele ano, missionários e representantes de ONGs distribuíram nas aldeias um texto sugerindo aos índios que se espelhassem nos movimentos dos sem-terra. Esse texto foi produzido pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. O chamado "texto-base" da CNBB enaltece as lutas do MST e dos zapatistas no México. Os índios, então, começaram a se organizar como movimento social e passaram a receber apoio das entidades do campo. Importaram também os métodos do MST. Em 2003, foram registradas três invasões de terras feitas por índios, que têm uma garantia de ouro para não temer a lei: são inimputáveis.

A Funai, nesse quadro, tornou-se um braço oficial para a pressão indígena. Assessores da entidade chegam a aconselhar outras esferas do governo a resolver os impasses em torno dos projetos de desenvolvimento conversando a língua dos índios, apresentando os projetos nas aldeias já traduzidos para o respectivo idioma da etnia. O presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, admitiu recentemente que os índios já têm terras demais, mas a verdade é que ele incentiva o crescimento do poder das etnias. A revista Brasil indígena, publicada pela Funai, homenageou em sua capa de dezembro o cacique Paiakan, que já foi condenado a seis anos de prisão por estuprar a estudante Sílvia Letícia Ferreira, em 1992- O presidente Mércio assinou um manifesto no qual diz que os representantes de mineradoras, hidrelétricas, rodovias e o agrobusiness só vêem o índio como "atravancados do desenvolvimento nacional". No mesmo texto, ele acusa a Vale do Rio Doce de recusar-se a cumprir o "compromisso legal" com os xikrin, os índios que renegociam compensações sociais na serra de Carajás, no Pará. De resto, Mércio pede ao leitor que se conscientize das palavras proferidas pelo "líder" Paiakan.

Números
450 mil índios detém 12,9% do território nacional, apesar de serem menos de 1 % de população
200 projetos de desenvolvimento econômico estão sobre terras indígenas e sofrem resistência
123 pedidos de novas reservas indígenas estão em estudo atualmente no governo

Isto É, Brasil, 31/01/2007, p. 36-38

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