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Tesouro submerso

Veja, Ambiente, p.112-114
17 de Ago de 2005

Tesouro submerso
Pesquisas começam a revelar a riqueza do Arquipélago de São Pedro e São Paulo, a 950 quilômetros do Rio Grande do Norte
Roberta Salomone
Em sua famosa jornada a bordo do navio Beagle, que teve início em 1831, Charles Darwin encantou-se com as colônias de corais do Taiti e com as tartarugas gigantes das ilhas Galápagos. Em uma passagem muito menos conhecida, o naturalista inglês que criou a teoria da evolução surpreendeu-se no Brasil com a enorme quantidade de tubarões, peixes e aves que viu no Arquipélago de São Pedro e São Paulo. Em seus relatos de viagem, Darwin chama atenção para a brancura das ilhas, que atribui a um fator dos mais prosaicos: os excrementos de uma "multidão de pássaros do mar" cuja mansidão o impressionou. "Com um caráter tão tranqüilo quanto besta, eles são tão pouco acostumados a receber visitantes que eu poderia matar tantos quantos quisesse com meu martelo de geólogo", escreveu Darwin. Considerado um dos menores conjuntos de ilhas oceânicas do mundo, com cerca de 400 metros de extensão, o arquipélago fica a cerca de 1.000 quilômetros da costa do Rio Grande do Norte e forma um tesouro ecológico, econômico e científico desconhecido de grande parte dos brasileiros – até porque nem aparece em muitos mapas do país.
Tão rico e belo quanto na época em que a expedição do autor de A Origem das Espécies passou por ali, São Pedro e São Paulo tem posição geográfica privilegiada para novas descobertas científicas. Lá não há nenhum atrativo em terra firme. É no fundo do mar, a uma profundidade que ultrapassa 3.000 metros, que ficam escondidas as maiores preciosidades do território. São tubarões, atuns, lagostas, polvos e dezenas de espécies só encontradas ali, como o peixe-donzela Stegastes sanctipauli. Algumas têm propriedades medicinais promissoras. Um exemplo é a esponja Discodermia dissoluta, cujo potencial de prevenir a proliferação de células cancerígenas em seres humanos está em estudo. "A existência dessa espécie é de extrema importância para o Brasil. Só havia registros de sua existência antes no Mar do Caribe. A região é ainda pouco explorada e certamente haverá muitas outras descobertas", aposta Fernando Moraes, biólogo do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O potencial econômico das ilhas também é grande. O arquipélago está localizado na rota de peixes de alto valor comercial, como o atum, e apresenta indícios da presença de minerais nobres, como ouro, zinco e cobre. A confirmação da existência dessas riquezas só aumentará o interesse econômico no lugar, que já é uma das áreas mais importantes de pesca do Nordeste brasileiro. Todos os anos, cerca de 600 toneladas de peixes são capturadas nas proximidades das ilhas.
Descoberto em 1511 pelo navegador português Manuel de Castro Alcoforado, o ponto do Brasil mais próximo da África só começou a receber atenção especial há sete anos. Interessada em garantir as 200 milhas marítimas de zona de exploração econômica exclusiva, a Marinha providenciou a construção de uma estação científica e a ocupação permanente na ilha Belmonte, a maior do arquipélago. "A posição geográfica é única e extremamente favorável para pesquisas em diversos campos científicos. É preciso olhar com mais atenção aquela região", diz o contra-almirante José Eduardo Borges de Souza, secretário da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar. Hoje, cientistas das principais universidades do país se revezam a cada quinze dias no lugar desenvolvendo importantes estudos em diferentes áreas, como meteorologia, geologia e arqueologia subaquática.
A estonteante beleza não faz com que São Pedro e São Paulo apresente algum potencial para o turismo, como Fernando de Noronha. O pequeno grupo de ilhotas de rochas pontiagudas não tem capacidade de acolher muita gente ao mesmo tempo (a área da maior delas é de apenas 60 por 100 metros), não dispõe de água potável e é praticamente desprovido de vegetação. Além disso, os pesquisadores que já estiveram lá sabem que não é das tarefas mais fáceis ficar hospedado no paraíso. É preciso aprender a conviver com aves que, diferentemente da descrição de Darwin, nada têm de dóceis e dispensar qualquer conforto. A única casa do arquipélago fica na ilha Belmonte – onde também funciona a estação científica – e conta com apenas um quarto e uma cozinha, divididos em 50 metros quadrados. Erguida sobre as rochas, a construção tem estrutura reforçada para suportar as chuvas torrenciais e pequenos abalos sísmicos, não raros no local. "A distância do continente só aumenta os riscos e a insegurança. Ondas gigantes já destruíram parte da casa que construímos", conta a arquiteta Cristina Engel, que está desenvolvendo um novo projeto para a estação, previsto para ficar pronto no ano que vem.
Além de todas essas dificuldades, antes de aportar no arquipélago é preciso encarar uma penosa viagem de barco a partir de Fernando de Noronha. São no mínimo dois dias, e dependendo das condições da maré a navegação pode chegar a sessenta horas. Mas quem já foi lá garante que o primeiro mergulho nas águas cristalinas ao redor das ilhas vale todo e qualquer sacrifício. A prática do mergulho é restrita aos profissionais autorizados pela Marinha e exige muito cuidado, já que as correntes de superfície são extremamente fortes e perigosas. Para quem domina a técnica do esporte e tem o privilégio de visitar São Pedro e São Paulo, o local reserva experiências inesquecíveis. Como cruzar com um tubarão-baleia, o maior peixe do mundo, que está ameaçado de extinção e elegeu o lugar para fazer suas cada vez mais raras aparições.

Veja, 17/08/2005, p. 112-114

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