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Terras caídas ameaçam comunidade rural

A Crítica - www.acritica.com
Autor: Elaíze Farias
25 de Jul de 2010

O agravamento do fenômeno das terras caídas, desbarrancamento causado pela força da correnteza do rio Solimões, está acelerando o fim da Costa do Catalão, comunidade rural de Iranduba - município localizado a 27 quilômetros de Manaus.

As mais de 80 famílias que vivem no local dizem que sabiam que o desaparecimento da comunidade seria inevitável, mas jamais imaginavam que isso ocorreria de forma tão rápida.

"Terras caídas é um fenômeno comum na região. A cada ano vinha caindo um pedaço, mas nos últimos dois anos piorou. A comunidade viu que a situação era crítica quando o campo de futebol, onde a gente fazia a Festa da Couve, desapareceu por completo. Estamos ilhados", contou Amine Almeida, 26, presidente da Associação Comunitária da Costa do Catalão.

Localizada a dez minutos do Encontro das Águas, a Costa do Catalão é ocupada por famílias de agricultores cuja produção é responsável por parte da merenda escolar da rede pública do município e do Estado, em Manaus.

O local, cuja extensão de fundo chegava há 30 anos a mais de mil metros, agora não passa de 100 metros. Os agricultores não têm para onde correr. Na beira, o rio Solimões. Ao fundo, o lago do Catalão e mais adiante, o rio Negro.

Na semana passada, um novo desbarrancamento de terra provocou um vão de 300 metros de fundo e 100 de largura destruindo, parcialmente, o balcão de hortaliças. No dia em que esteve no local, a reportagem testemunhou o agricultor Dílson Lima e Silva, 64, desmontar sua casa pela segunda vez.

"Vou ficar só na parte de trás, na cozinha, que é para correr mais rápido quando a terra cair de novo", disse.

Acuados com a redução das terras, a rotina dos moradores tem sido desmontar as casas e construir novas em lugares mais distantes da margem. Os agricultores também se veem obrigados a improvisar.

A distância entre as plantações passou a ser de apenas alguns centímetros. Muitos roçados estão próximos aos esteios das casas. As famílias também evitam criar animais domésticos e galinhas, "para que eles não morram quando a terra cair", disse a agricultora Marina Ferreira.

Os moradores da comunidade também recorrem a paliativos de contenção. Cortam árvores prestes a cair para que a raiz permaneça ou espalham capim na margem. O chão também é um indicativo do perigo. Ao pisar, sente-se um efeito "esponjado".

"O Catalão está sumindo. Nascemos aqui, a gente gosta daqui, mas não temos como ir para outro local", lamenta o agricultor Jorge Luís Ferreira, 44.

Nos últimos anos 28 casas já teriam caído na Costa do Catalão devido ao desbarrancamento. Hoje, de acordo com um levantamento da Associação de Agricultores da comunidade, existem 76 casas, ocupadas por uma média de 80 famílias.

Fenômeno natural

Povoações mais próximas das margens são as mais afetadas pelo fenômeno das terras caídas, segundo o geólogo José Luiz Marmo. "As terras caídas não têm influência humana. É uma coisa natural. Os ribeirinhos procuram as áreas de várzea porque são mais férteis, mas também são mais instáveis. A correnteza vai solapando a base do barranco. Sem sustentação, o barranco acaba desabando. São sedimentos inconsolidados, fáceis de serem erodidos", explicou Marmo, supervisor de gestão territorial do Serviço Geológico do Brasil (CPRM).

Para o geólogo, quando a situação se agrava, infelizmente a população que ocupa as margens tem de se deslocar porque chega um momento em que ela não tem mais terreno para ocupar aquela faixa de terra mais próxima ao rio. Desde o ano passado, a CPRM vem realizando pesquisas sobre terras caídas na calha do alto rio Solimões, abrangendo cidades como Tefé, São Paulo de Olivença e Fonte Boa.

Segundo Marmo, são três os fatores que influenciam no fenômeno das terras caídas em nossa região: velocidade e força da correnteza do rio, constituição do barranco e declividade.

Festa do couve perdeu seu espaço

A produção de horticultura dos moradores da Costa do Catalão é tão expressiva que a comunidade tinha uma grande festa idêntica às realizadas nos municípios do interior do Estado: a Festa do Couve.

Desde o ano passado, os moradores realizam uma festa menor, numa área pequena, próximo às residências. O sustento das famílias vem da venda de toneladas de hortaliças para Manaus. Nos últimos anos, devido à redução dos terrenos, a capacidade de produção diminuiu.

"A gente já ficou sem produzir. Temos medo de perder os contratos", conta Jorge Luís Ferreira. Além de abastecer feiras, os agricultores da Costa do Catalão também vendem para a Agência do Desenvolvimento Sustentável (ADS), do Governo do Estado.

Os produtos são do Programa de Regionalização da Merenda Escolar (Preme). A última comercialização da ADS com a Associação de Agricultores daquela comunidade totalizou R$ 136,360 mil com a venda de couve, pimenta de cheiro, abóbora, cheiro verde, feijão de metro, limão e pimentão para o atendimento de 615 mil alunos da rede pública escolar. Os agricultores também comercializam sua produção na Feira do Cigs e no Frigorífico Vitello.

Famílias procuram novo lugar

As famílias da Costa do Catalão afirmam que produzir na várzea é melhor, mas que, para fugir do desastre, preferem ir para a terra firme. Um terreno na comunidade Janauari está sendo cogitado pela prefeitura de Iranduba, informa o prefeito Raimundo Nonato Lopes.

"Queriam levar a gente para a estrada, mas não daria para continuar as plantações. Preferimos ir para o outro terreno, no Janauari, que é próximo do rio", contou Amine Almeida. A área do Janauari está localizada a 20 minutos de lancha da Costa do Catalão.

Procurado pela reportagem, o prefeito Raimundo Nonato Lopes disse que outras comunidades do Iranduba também sofrem com o desbarrancamento mas a situação da Costa do Catalão é pior.

"Catalão é a mais atingida. Mas estamos solucionando o problema. Vamos desapropriar uma terra particular no Janauari. A gente imagina que em 90 dias vamos realizar a transferência deles", disse.

Segundo Lopes, a desapropriação deve custar à prefeitura R$ 250 mil. O secretário de produção rural de Iranduba, Celso Borghi, confirmou que o problema das terras caídas é mais grave na Costa do Catalão.

"O fenômeno se acelerou a partir de 2008. Num curto espaço de tempo as famílias não terão mais área para viver. Mas elas não querem se afastar do rio Solimões e preferem ir para o Janauari, em uma área de 50 hectares. Nosso desejo é fazer uma parceria com o governo e conseguir casas de vegetação e insumos para as famílias recomeçarem", explicou.

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