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Tapumes e 3h de trabalho: Maresias ganha 2 barracos em favela por semana

OESP, Metrópole, p. C1, C3
16 de Jul de 2011

Tapumes e 3h de trabalho: Maresias ganha 2 barracos em favela por semana

Reginaldo Pupo
São Sebastião

Não muito longe das mansões milionárias à beira-mar, cerca de 4 mil pessoas se aglomeram em duas favelas localizadas na Praia de Maresias, em São Sebastião, litoral norte de São Paulo. A situação não é diferente nas demais praias do município, como Juqueí, Barra do Saí, Boiçucanga e Camburi, entre outras. Só que ali surgem até dois barracos novos por semana e a ocupação ampliou o crescimento para 10% ao ano (quase o dobro da taxa municipal, de 5,5%).
Somente no primeiro semestre deste ano, foram registradas 81 ocorrências relacionadas a invasões de área ambiental - 47 delas em área de preservação permanente - em todo o município. No ano passado, no mesmo período, foram 60 ocorrências e, em 2009, 77 boletins foram lavrados pela Polícia Ambiental.
"A maioria das ocorrências é registrada justamente na Costa Sul", destaca o tenente Marco Aurélio Ribeiro da Silva, comandante interino da Polícia Ambiental no litoral norte.
Nordeste e Minas. Quem passa pela Rodovia Rio-Santos (que margeia a praia) em busca de ondas, sol e gente bonita, não imagina que no lado oposto da rodovia há uma ocupação clandestina que avança pelo Parque Estadual da Serra do Mar. A cada fim de semana, até dois barracos de madeira são erguidos ali, em menos de três horas.
A maioria dos moradores vem do Nordeste e de Minas, em busca de emprego. O surgimento também desenfreado de centenas de condomínios de luxo é o que atrai a mão de obra da construção civil. Levantamento feito pela Federação Pro Costa Atlântica, entidade que reúne as sociedades amigos de bairro da região sul, revela que São Sebastião cresceu 112% nos últimos 20 anos, proporção cinco vezes maior do que a cidade de São Paulo. Ainda segundo o levantamento, cerca de 22 mil pessoas vivem em núcleos de favelização.
Pelo fato de o local não ser regularizado, não há serviços públicos como coleta de lixo - que é lançado nos pequenos córregos que se formam nas dezenas de vielas de chão batido e fétido. Caminhar pelas vielas requer cuidado, pois em todo o percurso há lixo doméstico espalhado.
De olho neste nicho, empresas de ônibus criaram há quase duas décadas linhas diretas entre cidades do norte de Minas e São Sebastião, para facilitar a chegada desses moradores. Para driblar a fiscalização, diversos imigrantes chegam à capital paulista de ônibus e, de lá, "pulverizados" em vans, chegam de madrugada à região, já munidos de tapumes. Ao amanhecer, o barraco está pronto para moradia.

Secretário vê ''crime organizado ambiental''
''Após fiscalização, tudo volta'', diz Eduardo do Rego; para ele, tráfico atua nessas áreas

São Sebastião

Invasão. Apesar das ações da prefeitura e da polícia, que destroem regularmente barracos, bastam poucas horas para erguer uma casa ao lado
O secretário municipal do Meio Ambiente, Eduardo Hipólito do Rego, afirma que existe um "crime organizado ambiental" em São Sebastião, responsável pelas invasões em áreas que, teoricamente, deveriam ser protegidas. "O loteador clandestino é o nosso câncer. Ele é quem controla, explora e indica os locais a serem ocupados", explica. E acrescenta que na maioria dos bairros invadidos há bandidos por trás das ações. "Os traficantes têm certa autoridade nesses locais."
Segundo o secretário, a fiscalização é constante. "Mas chegamos a um ponto em que estamos correndo atrás, em desvantagem, pois quando um barraco ou área é desocupado, em poucas horas acaba reocupado."
Ainda de acordo com Rego, as investidas são feitas nos fins de semana, quando há maior estrutura de pessoal e viaturas. "No entanto, após a fiscalização, tudo volta ao normal, ou seja, continuam construindo onde não deveriam. A organização é muito forte", justifica.
PM. O tenente Marco Aurélio Ribeiro da Silva, comandante interino da Polícia Ambiental no litoral norte, afirma que a corporação também fiscaliza a área constantemente. Mas, segundo ele, a maioria dos casos se refere a ocupações irregulares sem restrições ambientais. "Fazemos quatro operações mensais na área do Parque Estadual em São Sebastião, com muitos resultados positivos, e, até hoje, sem a constatação de grandes desmatamentos", ressaltou.
"Agimos principalmente ao longo de cursos d"água. A maior parte da população não é consciente sobre a importância das matas ciliares e, como nossa região é rica em cursos d"água, muitos buscam tal ocupação ou são ludibriados com uma oferta de terreno barato sem saber da restrição ambiental." /Reginaldo Pupo, especial para o Estado

Kassab quer zerar áreas de risco nas próximas semanas

Caio do Valle e Tiago Dantas

O prefeito Gilberto Kassab (sem partido) reconheceu ontem que ainda há famílias em áreas de risco muito alto na cidade, e deu novo prazo para a remoção: "Nas próximas semanas." Em fevereiro, ele havia estipulado a transferência de todas até junho, o que não aconteceu.
De acordo com Kassab, a demora se deve ao "número maior de famílias" identificadas por agentes da Prefeitura do que as 1.132 inicialmente apontadas pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). O número chegaria a quase 2 mil.

Sem esgoto nem luz, mas com placas de ''vende-se''

São Sebastião

Edivânia Félix da Silva, de 25 anos, saiu de Lagoa Nova (PB) e mora em um barraco de madeira com três filhos, de 1, 5 e 7 anos. Bem na frente da sua porta passa um pequeno córrego, por onde outros moradores que moram acima de sua casa jogam seu esgoto. "Captamos a água de uma cachoeira, não tem tratamento nenhum", completa o pintor Abimael Pereira dos Santos, de 30 anos, que saiu de Baixa Grande (BA) para viver na favela de Maresias. "Precisamos de saneamento aqui, mas uma vereadora disse que isso será difícil, pois estamos em situação irregular. Ela sugeriu que a gente faça e pague do próprio bolso", diz Edivânia.
A comunidade também enfrenta problemas com relação à segurança, saúde e na área social. Antonio Alfredo Valle de Oliveira, de Tavá (CE), precisou fazer um curativo. "Tive de procurar um posto a 31 km daqui, no Morro do Abrigo." Segundo ele, há só dois médicos no posto local. "Não dão conta." Casos mais graves são encaminhados para o pronto-socorro de Boiçucanga, a 8 km de Maresias, e até a prefeitura já busca outras soluções.
Vende-se. Apesar dos problemas, há dezenas de barracos à venda nas diversas vielas. Em um deles, há até uma placa indicando quem é o engenheiro responsável pela "obra".

OESP, 16/07/2011, Metrópole, p. C1, C3

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110716/not_imp745696,0.php
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http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110716/not_imp745722,0.php
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110716/not_imp745723,0.php

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