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Tailândia convive com desemprego e abandono após ação contra desmate

OESP, Vida, p. A22
30 de Mar de 2008

Tailândia convive com desemprego e abandono após ação contra desmate
Com economia que dependia de atividade ilegal, cidade tem cerca de 12% da população desempregada

Lisandra Paraguassú

Nas ruas e vielas dos bairros mais pobres de Tailândia (235 km ao sul de Belém) as placas de "vende-se" aparecem com freqüência. São resultado direto da crise que se instalou na cidade com a chegada da Operação Arco de Fogo, em que a Polícia Federal e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) iniciaram, há um mês, o desmonte das ações ilegais de desmatamento e da venda dessa madeira.

Com a economia dependendo em mais de 70% da atividade ilegal, Tailândia tem hoje uma fila de desempregados de mais de 8 mil pessoas, a maioria irregular e sem benefícios. Representam 12,4% dos 64.281 moradores do município.

Mas, nas ruas da cidade, as queixas contra a operação não vêm somente de quem perdeu o emprego. "Era para ter começado há muito tempo atrás, ia ser muito melhor para nós", defende Raimundo Silva, de 37 anos, ex-carregador de madeira em uma serraria, hoje desempregado e dono de uma casa de três cômodos que tenta vender por R$ 5 mil, a metade do que diz valer.

Raimundo, que sustentava a mulher e três filhos com R$ 500 que ganhava na serraria, não tinha carteira assinada, por isso ficou sem direito de receber o seguro-desemprego. Também não está incluído no Bolsa-Família. Diz estar sendo expulso, pela segunda vez, da cidade em que vive. "Vim de Dom Eliseu (PA) porque lá a madeira acabou e as madeireiras mudaram. Aqui ia ser a mesma coisa. A madeira está acabando", afirma.

A conta que se faz hoje em Tailândia é que o desmatamento descontrolado tirou 80% da madeira que existia na região. As maiores madeireiras já estavam trazendo material de outros municípios. Os salários haviam diminuído, assim como o número de empregos. A operação federal só teria acelerado o processo.

Já a queixa de quem perdeu o emprego, mesmo que fosse precário, é não ter chegado com os policiais uma alternativa, seja ela a reforma agrária - complicada, numa área em que ninguém sabe quem é o dono real de mais da metade das terras -, instalação de empresas ou mais benefícios por meio do Bolsa-Família, já que o programa hoje atende menos de 30% das famílias pobres da cidade. Das mais de 30 pessoas desempregadas entrevistadas pelo Estado nenhuma está no programa.

REGISTRO

Até agora, o governo federal não mandou equipe de fiscalização do Ministério do Trabalho ao município, apesar dos pedidos dos delegados da PF que coordenam a Arco de Fogo. A operação é a maior investida policial na Amazônia Legal destinada a reprimir o desmatamento, com previsão de durar mais de um ano. No período, os policiais devem passar pelos Estados da Amazônia Legal - Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Maranhão (oeste do Estado), Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins -, principalmente nos 36 municípios que mais desmataram em 2007.

Das 90 serrarias existentes em Tailândia, mais de 70% não assinam a carteira dos empregados. Muitas nem mesmo pagavam todos os salários devidos. "Ficaram com a minha carteira presa um ano. Entregaram agora que a empresa fechou, branquinha. Não pagaram a dispensa nem o mês que deviam", diz Antônio Pereira da Silva, de 40 anos.

James Lima Oliveira, também um ex-funcionário sem carteira, reclama que agora querem usá-los contra a operação. "Agora só tem santo, mas era tudo na ilegalidade. A cidade não pode viver de serraria e carvoaria. Ou trabalha legal ou desmantela tudo de vez."

MUDANÇA

Muitos madeireiros fecharam as portas e se mudaram para outras cidades, onde a madeira é abundante e a fiscalização não chegou. Mesmo quem está em Tailândia já mandou os empregados para casa. Na fila do seguro-desemprego, a lista de requisições é grande. São cerca de 5 mil que tiveram registro em carteira.

Daniel da Silva, de 31 anos, é um deles. A serraria Fênix, onde trabalha, foi uma das poucas da cidade que estavam regulares e autorizadas a continuar trabalhando. Mas o dono, Ernando Ferro, não consegue achar madeira legal para cortar e terá que parar. Deu aviso prévio aos funcionários. Na tarde de quarta-feira, Daniel ajudava a serrar as últimas toras em seu último dia de trabalho. "Vou pedir o seguro-desemprego e ver o que acontece. Se não melhorar, vou embora."

Quem não tem o benefício se vira como pode, recebendo cestas básicas e donativos da prefeitura. Evandro França e sua mulher Elza têm uma banca de roupas na feira da cidade e uma lojinha em frente a sua casa, na Vila Macarrão. Evandro quer ir embora, já decidiu procurar emprego em outra cidade. "Ele não tem paciência. Eu vou ficar cuidando da loja. Uma hora as coisas melhoram", diz Elza, cujo faturamento caiu pela metade desde o início da crise.

HISTÓRICO

Tailândia vivia de madeireiras e carvoarias. A madeira criou na cidade, que começou como acampamento de colonos, uma falsa sensação de prosperidade. "Aqui circulava muito dinheiro", dizem moradores. A atividade atraiu gente de todo o País. E junto também apareceu a violência. A cidade figura, segundo o Mapa da Violência 2006, como a sexta mais violenta do País. "Aqui se matava por qualquer coisa. Até dentro da igreja já entraram e roubaram", conta Maria Sousa, dona, juntamente com o marido Ronaldo Oliveira, de um mercadinho. "Por isso essa operação é ruim, mas é boa. O dinheiro diminuiu, mas faz um mês que não morre ninguém de bala", diz Ronaldo.

OESP, 30/03/2008, Vida, p. A22

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