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"A sua luta é a nossa luta": Yalorixá entrevista Sônia Guajajara

Carta Capital https://www.cartacapital.com.br/
Autor: Felipe Milanez
31 de Mar de 2018

O Fórum Social Mundial, em Salvador, que ocorreu entre 13 a 17 de março, foi um momento de encontros, convergências de pensamentos, e muito pesar pelo assassinato de Marielle Franco.

Em um desses encontros, a líder indígena e secretária executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Sonia Bone Guajajara, pré-candidata à vice-presidência da Republica em chapa liderada por Guilherme Boulos, pelo PSOL, foi entrevistada pela Yalorixá do terreiro Ilê Axé Oyá, Nivia Luz.

Ela também é mestranda em Cultura e Sociedade pelo Instituto de Humanidades, Artes e Cultura (IHAC), na Universidade Federal da Bahia (UFBA), e ativista pelo respeito à diversidade religiosa, pela defesa do ambiente e a preservação do Parque São Bartolomeu, contra o racismo e o machismo.

Na entrevista, publicada abaixo, Sônia e Nívia falam sobre o impacto do assassinato de Marielle Franco, vereadora do PSOL no Rio e apoiadora da candidatura da líder indígena e de Boulos. Elas conversam sobre intolerância religiosa, assédio de igrejas evangélicas nos terreiros e nas aldeias e a união das lutas populares.
"A morte da Marielle pode significar um divisor de águas"

Por Nivia Luz

Vivemos no Brasil um Estado de exceção, um cenário de barbárie em que pesa a morte cotidiana de corpos negros de mulheres e homens da periferia das capitais do país. Quando teremos paz e poderemos falar de equidade racial, de gênero e social? Quando poderemos respirar aliviados pela redução de cortes de arvores e fim do desmatamento?

Que Brasil é esse que declara guerra aos seus cidadãos, que povo é esse que "elege os próprios inimigos"? Quem somos nós? Fomos forjados pela resistência dos povos indígenas e africanos, temos herança, somos a diversidade, a soma do que de mais bonito possa existir. Precisamos fazer a revolução! Somos força!

Essa entrevista com a Sônia Guajajara é um indicio de que começamos a revolução, mudaremos a nação, os racistas, os machistas, homofóbicos e nenhuma forma de preconceito ou opressão passarão.

Nivia Luz: O Brasil parou por conta do assassinado da vereadora e ativista Marielle Franco, que lutava justamente para combater crimes desta natureza. O que fica Sonia?
Sonia Guajajara: Esse crime hediondo é uma resposta do sistema e uma mensagem direta para nós que estamos na militância, que enfrentamos os poderosos, e uma mensagem também para a favela e para os indígenas que sempre estivemos marginalizados. É um recado direto para todos nós que lutamos por igualdade e justiça. É como se dissessem: "não ultrapassem esse limite que aqui não pertence a vocês. Isso é nosso, você ultrapassou e vai morrer por isso."

É um recado muito direto, muito difícil. Por outro lado, a morte da Marielle pode significar um divisor de águas para a consciência das pessoas e o despertar da luta, para a gente se juntar e fortalecer os nossos movimentos. Esse tiro que acertou a Marielle acertou a todas nós. A democracia já é frágil, e mostra que precisamos continuar fortes e resistentes para fazer esse enfrentamento em conjunto.

NL: Como fazer ecoar a voz de uma maioria oprimida pelo Estado?
SG: Só por meio de muita resistência, muita resistência mesmo. Hoje, temos as mídias alternativas, as redes sociais, que conseguem amplificar essa voz. Até a repercussão do crime de Marielle se deu por conta da rápida repercussão das redes sociais, que chegaram fora do país atingindo a imprensa internacional, que já começaram a apresentar o caso e a denunciar, não deixando tempo para a imprensa brasileira negar o ocorrido.

Tiveram que mostrar o crime. Mas, é muito difícil, nossas vozes dificilmente alcançam as estruturas legais, a imprensa e autoridades. Mas, é somente com muita força, e acho que essa força vem de todas as pessoas que acreditam nessa transformação coletiva e que está aqui na base, espalhada por todo o Brasil e clamando por justiça. A força vem de todas nós que estamos sempre nos apoiando.

NL: Qual a sua proposta, enquanto mulher indígena, para transformar o Brasil em um país mais igual?
SG: Estamos na construção da formação e fortalecimento de alianças entre os movimentos, para a superação da desigualdade, da violência e da corrupção. Para isso, precisamos lutar fortemente contra o modelo de desenvolvimento econômico. O atual modelo é altamente depredador e destruidor. Destrói o ambiente e as pessoas, acabando com os direitos sociais e coletivos, não respeita a presença dos povos originários, dos negros e negras, e as mulheres que são a todo tempo violentadas, apresentam problemas reais e atuais que precisam ser superados.

Nós precisamos do apoio da população e dos movimentos organizados, para que juntos possamos fazer a reconstrução do país. Temos um sistema político completamente conservador, um congresso nacional conservador que dita às regras, e para mudar isso, somos nós que temos de agir. Não podemos esperar que eles nos coloquem como prioridade ou aguardar uma mudança ética por parte deles para atender os nossos interesses. Isso não vai acontecer.

NL: Sobre intolerância e racismo, sabemos dos ataques sofridos pelo povo de santo pelas igrejas neopentecostais e os danos causados a esses espaços de resistência. Como se da esta relação das igrejas neopentecostais com os povos indígenas?
SG: Há uma grande influência contra a cultura indígena pela alegação de que praticar os rituais é um pecado. Creio que é muito grave a situação das igrejas e religiões ao entrarem nas aldeias, nas terras indígenas, e tentar dominar, manipular, comprar a consciência e fazer essa lavagem cerebral nas pessoas de que o jenipapo ou o urucu é condenado pela religião.

E os índios acabam acreditando, de tal forma que enfraquece a identidade e a cultura. Isso é muito grave, nós temos muito a lamentar pelo assédio que as igrejas fazem nas aldeias e terreiros, assim como em outras culturas, qual não é diferente no território indígena.

E nós não conseguimos impedir isso, de fazer com que os nossos povos deixem de seguir essas religiões. Nós temos falado muito em nossas reuniões e nas assembleias sobre a gravidade desse assédio, principalmente porque esses mesmos protestantes neopentecostais que chegam na aldeia pela igreja como se fossem amigos, são os mesmos que estão na bancada evangélica no Congresso Nacional, votando todo dia a favor de medidas anti-indígenas e de projetos de leis contra nós índios.

Mesmo não sendo 'ele' quem esteja lá sentado, é quem manda os 'seus' lá nas aldeias. Ou seja, quem está lá pregando, está a mando de alguém. É muito grave essa relação de evangelização proselitista, e precisamos achar um jeito de reverter isso. Sei também que fazem trabalhos sociais importantes em comunidades, e isso não pode ser desprezado. Mas gostaria que eles mesmo seguissem o que pregam em nome de Jesus, que é o respeito a todos, o amor ao próximo, independente dos seus credos, raça, orientaçãoo sexual. A pauta conservadora que levam ao congresso, a intolerância, não está de acordo com o que acreditamos ou defendemos.

NL: Eu agradeço, Sônia. Queria apenas lhe desejar o melhor e ressaltar que, a sua luta, é a nossa luta. Ter uma mulher como você, representando não só os povos indígenas, mas também nós, mulheres negras, é de muita esperança, a historia do povo negro nesta terra, não foi diferente das dos povos indígenas, das barbáries as quais nossos ancestrais foram submetidos, que refletem até hoje nas relações raciais deste país.

Ao assumir a posição de uma liderança religiosa, de uma mulher de Axé, de Terreiro trago um compromisso com legado do meu povo, assim como você. A sua trajetória caminha para manter viva a história e ao mesmo tempo melhor o presente pensando no futuro. Quero agradecer por isso e afirmar que nos manteremos de pé, a luta é nossa, e todo apoio lhe será dado. Muito obrigada!

Marielle Franco vive em nós!

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