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13 de Fev de 2025
STF cobra atuação do governo Lula sobre áreas demarcadas enquanto Congresso articula PEC que resgata marco temporal
Ministro Gilmar Mendes demandou que Executivo apresente até o fim da semana uma proposta de como pretende indenizar proprietários que perderam o direito de morar em locais destinados a povos originários
Mariana Muniz e Camila Turtelli
13/02/2025
O governo federal vem sendo pressionado em duas frentes para alterar a sua atuação na demarcação de terras indígenas, bandeira de Luiz Inácio Lula da Silva desde a campanha eleitoral de 2022. No Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Gilmar Mendes cobrou o Executivo para que apresente até o fim da semana uma proposta de como pretende indenizar proprietários que perderam o direito de morar em locais destinados a povos originários. Já o Congresso se organiza, com forte mobilização da bancada ruralista, para tentar emplacar uma nova legislação que trata do marco temporal, o que contraria o Palácio do Planalto e o próprio Judiciário.
Gilmar Mendes, decano da Corte, também é o relator de ações que questionam a lei do marco temporal. A tese já foi considerada inconstitucional, mas voltou a ser apreciada pelo STF após o Legislativo aprovar um projeto sobre o tema. Segundo o texto, a demarcação só poderia ocorrer se o território estivesse ocupado pelos indígenas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
Processo de conciliação
Desde o ano passado, o Supremo tem realizado audiências de conciliação para tentar um acordo sobre o tema. De um lado, indígenas pedem a derrubada da lei, que na visão deles coloca em risco os territórios demarcados. Do outro, proprietários de terras querem se manter nos locais que já não eram ocupados após 1988.
Os participantes das audiências apresentaram suas sugestões na segunda-feira e o ministro deve elaborar um documento até o fim da semana reunindo pontos de consenso e divergências. A ideia é que já na próxima semana os interessados se reúnam para buscar um acordo e debater eventuais ajustes textuais na proposta final de alteração legislativa.
Um dos pontos que devem constar nesse documento, porém, é uma proposta sobre a previsão de pagamento de indenização prévia a proprietários de terrenos em locais ocupados tradicionalmente por indígenas. Esse ponto já havia sido previsto na decisão do STF que invalidou a tese do marco temporal em setembro de 2023, mas ainda não foi contemplado na sugestão apresentada pelo governo.
Por isso, na audiência realizada segunda-feira, o juiz auxiliar do gabinete de Gilmar Mendes, Diego Veras, pediu à União a apresentação da proposta quanto à indenização.
- O prazo é exíguo. Se a proposta não vier até sexta-feira (amanhã), não temos condição de submetê-la à votação na mesa na próxima segunda-feira. O ministro Gilmar Mendes reforçou a preocupação quanto ao tempo para o governo dispor sobre a questão indenizatória - afirmou o juiz auxiliar do ministro.
O imbróglio existe porque proprietários de áreas rurais pedem a indenização sobre o valor da terra nua e sobre benfeitorias realizadas nas terras. Além disso, querem que o pagamento seja precedente à desocupação da área demarcada.
A proposta que deverá ser apresentada ao Supremo até amanhã vem sendo elaborada de maneira unificada pela Advocacia-Geral da União (AGU), pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Uma reunião extraordinária em 18 de fevereiro foi reservada para um esforço concentrado entre os participantes para avançar nos debates. Caso não haja consenso entre as partes que integram a comissão, um texto-base será proposto pelo gabinete do ministro relator.
Apesar dos acenos entre Lula e o novo comando do Congresso, os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), sinalizaram apoio a debates relacionados ao tema.
A ideia dos parlamentares é alterar a Constituição para resgatar a tese do marco temporal, considerada inconstitucional após aprovação de um projeto de lei. Com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC), a ideia é tentar emparedar os demais Poderes.
No Legislativo, a expectativa dos ruralistas é que temas sugeridos pela bancada avancem, principalmente no Senado, onde se concentra atualmente a maior parte das tramitações consideradas prioritárias pela bancada, como o próprio marco temporal e o licenciamento ambiental.
- O pau e o machado: é direito deles tentar e é dever nosso manter (o marco) - diz o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP).
Deputados e senadores esperam mais empenho de Alcolumbre do que do ex-presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já que o atual dirigente ganhou o apoio formal da bancada e é mais ligado ao setor do que seu antecessor.
Além disso, Alcolumbre já deu sinais de sua inclinação à pauta ruralista, antes mesmo de se eleger. No fim do ano passado, ele reacendeu o debate sobre a demarcação de terras indígenas, ao dizer que se sentia "enganado" pelo governo que, por meio de decretos, demarcou terras indígenas no começo do mês, em Santa Catarina, enquanto representantes dos três Poderes conduziam um acordo sobre a questão em uma mesa de negociações.
O movimento deu força à bancada para voltar a se movimentar também com a PEC do marco temporal, de autoria do senador Hiran (PP-RR). O texto está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e já tem relatório favorável de Esperidião Amin (PP-SC).
- Queremos colocar um ponto final nessa questão - afirmou o senador Zequinha Marinho (Podemos-PA).
Prioridades da bancada
Outro projeto que a bancada ruralista pretende avançar sob nova gestão é a Lei Geral do Licenciamento Ambiental, criticado por ambientalistas, com resistência em setores do governo, e relatado pela senadora Tereza Cristina (PP-MS), vice da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Também está no radar o projeto que trata sobre regularização fundiária, que está na Comissão de Agricultura e deverá ser presidida esse ano pelo senador Zequinha Marinho (Podemos-PA).
- Espero que Alcolumbre dê apoio firme e forte ao agro, porque somos o setor que está carregando o país nas costas, apesar da alta dos alimentos - disse Tereza.
No fim do ano passado, a bancada entregou aos novos presidentes do Congresso uma lista com temas prioritários, incluindo o marco temporal e temas como o projeto que mantém o Bolsa Família para contratados por safra; a lei de reciprocidade ambiental, que aplica sanções a países que restringem produtos brasileiros por justificativa ambiental; e o Programa de Apoio à Tecnologia no Agronegócio Nacional (Paten), que apoia o desenvolvimento do campo.
- A Câmara aprovou muita coisa no ano passado e nossa pauta está muito mais no Senado agora - disse a senadora.
Para contemplar esse movimento e reforçar sua força no Senado, o presidente da bancada ruralista, deputado Pedro Lupion (PP-PR), montou sua chapa para o novo biênio com mais senadores do que no ano passado, quando tinha apenas Tereza e Zequinha Marinho entre os senadores na direção. Este ano, além dos dois, estão ainda Alla Rick (União-AC), Marcos Rogério (PL-RO) e Jayme Bagattoli (PL-RO).
Na lista de prioridades da bancada, há ainda vetos de Lula. A frente trabalha para pautar logo na primeira sessão do Congresso, prevista para ocorrer em março, o veto à isenção fiscal para os Fiagros, fundos de investimento voltados para o setor agropecuário, barrados pelo presidente na Reforma Tributária.
-Estamos falando de uma nova forma de financiamento do setor agropecuário. Esse veto não era necessário, e um acordo sem mudanças significativas seria apenas "chover no molhado". Na próxima sessão do Congresso, vamos atuar para derrubar os vetos aos fundos -disse Lupion em evento do setor nesta semana.
A bancada também tenta derrubar o decreto do governo que deu à Funai poder de polícia para proteger terras de comunidades originárias e aumentou a tensão entre a gestão Lula e o agronegócio.
Integrantes da bancada ruralista defendem que essa atribuição continue apenas com os órgãos de segurança estaduais e a Polícia Federal (PF), de modo a evitar a "insegurança no campo" e uma "atuação militante da Funai" na resolução dos conflitos. Já ativistas classificam a medida como uma forma de fortalecer o combate à criminalidade nas terras indígenas.
Em paralelo, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, tem feito movimentos para se aproximar da bancada.
- É essencial que o agro esteja unido e preparado para mostrar ao mundo as conquistas e boas práticas da agropecuária brasileira - disse o ministro.
Em nota, o MPI disse que é um dos representantes da União que participa tanto da Comissão quanto da elaboração do texto base resultante das audiências. E que na audiência realizada na última segunda-feira "foi representado pelo secretário executivo Eloy Terena, que reiterou a posição do governo federal de que é necessário encerrar a discussão sobre o marco temporal, haja vista que o próprio Supremo Tribunal Federal já decidiu que é inconstitucional e a Carta Maior reconhece os direitos dos povos indígenas como direito originário".
https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2025/02/13/stf-cobra-atuacao-…
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