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SP propõe acordo com Rio sobre Paraíba do Sul

O Globo, País, p. 7
21 de Mar de 2014

SP propõe acordo com Rio sobre Paraíba do Sul
Cabral diz que técnicos acham obra inviável: 'Nada que prejudique o abastecimento do estado será autorizado'

Silvia Aamorim e Fábio Vasconcellos
opais@oglobo.com.br

SÃO PAULO E RIO- Após ter sua proposta de captação de água da bacia do Rio Paraíba do Sul para abastecer a Região Metropolitana de São Paulo criticada por prefeitos de cidades do Vale do Paraíba e pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Rio, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), disse ontem que vai buscar obter um consenso para implementar a medida.
Alckmin voltou a defender que a obra de interligação entre as represas do Rio Jaguari e de Atibainha, ambas em São Paulo, não prejudicará em nada o abastecimento de água no Estado do Rio.
- Nós entendemos que o melhor caminho é o da boa política (entre os estados), porque não há incompatibilidades. Por isso, fizemos questão de conversar com o governo federal - disse Alckmin ao GLOBO.

No entendimento do governo paulista, a obra - estimada em R$ 500 milhões e com duração de 18 meses - poderia ser feita mesmo sem concordância do governo fluminense, mas Alckmin prefere o diálogo:
- São dois reservatórios paulistas, e, nesses casos, quem tem que dar a outorga (para a obra) é o Daee (Departamento de Águas e Energia Elétrica), que é do governo estadual. Mas não queremos uma saída jurídica. Não queremos fazer em contraposição a ninguém. Queremos o entendimento.
No Rio, o governador Sérgio Cabral afirmou, por meio de uma rede social, que jamais permitirá mudanças no abastecimento do Rio que prejudiquem a população e as empresas do estado. Por enquanto, a medida depende da aprovação da Agência Nacional de Águas (ANA), responsável por elaborar um parecer técnico sobre a viabilidade do projeto.
"Jamais permitirei que se retire água que abastece o povo do Estado do Rio de Janeiro. O governador Alckmin, com quem tenho excelente relação, me ligou para expor essa ideia. Disse a ele que formalizasse a proposta, e que eu a enviaria aos órgãos técnicos. Mas já adianto: nada que prejudique o abastecimento das residências e das empresas do Estado do RJ será autorizado", escreveu Cabral.

EM 8% DO TEMPO, SEM ÁGUA SUFICIENTE
À noite, em entrevista à TV Globo, Cabral antecipou que técnicos do governo já adiantaram que "é uma possibilidade muito remota (a obra), porque ela implica prejudicar o abastecimento" no Rio.
- Os meus técnicos já adiantaram que é uma possibilidade muito remota, eu diria inviável, porque ela implica prejudicar o abastecimento da população do Rio, e isso não será tolerado.
Segundo o secretário estadual do Ambiente do Rio, Indio da Costa, o Rio enfrenta problemas no abastecimento em períodos de estiagem, e a captação da água por São Paulo pode ampliar o problema:
- Em 8% do tempo, não temos água suficiente para o nosso estado do jeito que está o Rio Paraíba do Sul. Se a gente for captar sem ter um estudo aprofundado, esse risco de aumentar para 10%, 15% ou 30%, é muito grande.
Alckmin voltou a defender que a obra não vai mudar em nada a quantidade de água no Paraíba do Sul destinada ao abastecimentos do Estado do Rio.
São Paulo quer retirar do rio cinco metros cúbicos por segundo de água, apenas em situação de crise, quando o Sistema Cantareira ficar abaixo de 35% da sua capacidade. Akclmin também destacou que a obra teria caráter de armazenamento de água em tempos de abundância para usar em tempos de seca e que isso beneficiaria tanto São Paulo como o Rio.Janeiro. Existe uma regra operativa que garante ao Rio de Janeiro uma vazão mínima de 119 metros cúbicos por segundo, e ela será mantida.
Alckmin atribuiu boa parte das críticas à proposta paulista a "desconhecimento do projeto". Ele explicou que o sistema seria de mão dupla, permitindo também que o Sistema Cantareira pudesse socorrer o Rio se fosse preciso:
- Há necessidade de mais informação. Não tem nenhuma transposição de água entre dois rios. É uma simples interligação de duas represas. Nos últimos dez anos, em três faltou água no Cantareira e, em sete, sobrou água, que tivemos que jogar fora. No mundo inteiro, você interliga reservatórios para ter mais segurança hídrica sem prejuízo de ninguém.
Na avaliação do professor Paulo Canedo, da Coppe/UFRJ, há risco de a obra causar prejuízo para o Rio, impactando indústria, agricultura e moradores.
- Não há dúvida de que a abstração de água pela capital paulista introduzirá problemas ambientais, como poluição, e dará um estresse hídrico maior para os usuários, sejam os industriais, sejam os agricultores, sejam as cidades.

Firjan considera cenário preocupante, porque o Rio Paraíba do Sul já sofre em épocas de seca
Estudos estimam que aumento de consumo no Estado do Rio pode chegar a 40% até 2030

A Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) afirmou ontem ver com preocupação a proposta de transposição de águas da bacia do Rio Paraíba do Sul, que abastece o estado. O gerente de Meio Ambiente da Firjan, Luís Augusto Carneiro Azevedo, disse que o cenário já é preocupante porque a bacia do Paraíba do Sul "não vive um conforto hídrico" passando, muitas vezes, por dificuldades durante os períodos de seca. Para piorar, segundo ele, há estudos que estimam um aumento de até 40% no consumo de água no Rio de Janeiro até 2030.
- O governo de São Paulo fez um estudo em 2008 e chegou a nove alternativas para ampliar o abastecimento de água, duas delas envolvem captação de água da Bacia do Paraíba do Sul. Se São Paulo tem nove al¬ternativas, nós, no Rio, só temos o Paraíba do Sul. Não temos escolha. Por isso, vemos com preocupação a proposta de captar água do Paraíba do Sul - observou Azevedo.

ESPECIALISTA CRITICA PROPOSTA
O presidente do Conselho Mundial da Água, Benedito Braga, minimizou o impacto:

- Não existe risco de desabastecimento porque esse reservatório (bacia do Paraíba do Sul) é muito grande. Existe uma obrigação da operação da represa de liberar 10 mil litros por segundo para esses municípios. Essa liberação não será violada com a transposição de cinco mil litros por segundo para São Paulo
A medida, no entanto, é criticada por outros especialistas. Professor do Departamento de Recursos Hídricos do Instituto de Tecnologia da Aeronáutica (ITA), Wilson Cabral explicou que falta um melhor planejamento no uso da água em São Paulo. Especialista em gestão de recursos hídricos, Cabral vê riscos na proposta defendida pelo governo paulista.

- O Paraíba do Sul já não é um rio tranquilo em disponibilidade e qualidade de água. Não é também um rio no qual podemos tirar mais água sem comprometer quem hoje depende dele. Esse é um ponto. O outro é que o consumo de água em São Paulo vem aumentando de maneira muito pouco controlada. Há tempos São Paulo procura resolver a questão sempre com mais captação e cada vez mais distante, sem discutir melhor como é a gestão do consumo. Há água suficiente, por exemplo, no Tietê para atender à Região Metropolitana, só que ela é inutilizável.

Para ANA, impacto só em situações extremas
Agência diz que há como reduzir os problemas para o Estado do Rio

-Rio e Brasília - O presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu, disse ontem à Rádio CBN que a captação de água por São Paulo da bacia do Paraíba do Sul poderá causar impactos para o Estado do Rio em casos extremos. Por isso, ele considera que é preciso oferecer contrapartidas e projetos adicionais que assegurem ao Rio condições normais de abastecimento em qualquer cenário.
Andreu disse ainda que a poluição no Rio Guandu, que abastece o Rio, é responsável por grande desperdício de água.
- Estamos tratando de um fenômeno que não é regular. Existe sempre um grande nível de incerteza. Então, sob condições extremas, realmente existe algum impacto. A questão é discutir qual é a intensidade desse impacto e quais são as garantias que você pode oferecer de obras complementares, inclusive, que reduzam esse impacto para o Rio. Em condições extremas, sem dúvida, há impacto. Em condições normais, o impacto é insignificante - disse ele à CBN.
De acordo com Andreu, São Paulo pode fazer a captação sem necessitar de uma autorização do governo federal ou do Rio. Apenas teria que se submeter a regras estabelecidas pela ANA.
- Evidentemente, nós teríamos que impor regras para essa decisão de São Paulo, de tal forma a minimizar, reduzir ou eliminar os impactos para o Rio.
Sobre a preocupação da Cedae de que a mudança afetaria o fornecimento de água do Sul e do Norte do estado, ele diz que a Cedae poderia se esforçar para ter uma gestão mais eficiente:
- É possível manter as condições, ganhar produtividade, se houver uma gestão mais eficiente, principalmente para as questões de lavoura. É possível fazer isso sem água adicional.
Andreu também aponta para o fato de que a poluição do Rio Guandu é responsável por um grande desperdício de água.
Em Brasília, Andreu afirmou que o governo de SP tem autonomia sobre o uso da água do Rio Jaguari - um afluente do Rio Paraíba do Sul -, mas disse também que está certo o governo do Rio, ao exigir que a captação não traga problemas de abastecimento para seu estado:
- O governador (de SP) tem a competência (de usar a água do afluente), assim como o do Rio está correto em exigir garantias de que não aja impactos.

MESMO BARCO

COMPREENDE-SE a preocupação do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, com a crise de abastecimento de água na região metropolitana da capital do estado.
MAS, DAÍ a haver a transposição de águas do Paraíba do Sul sem os devidos cuidados com o que acontecerá no próprio interior de São Paulo e em todo o Estado do Rio, vai uma grande distância.
SÃO PAULO e Rio dependem do mesmo Paraíba. Logo, cariocas, fluminenses, paulistanos e paulistas estão no mesmo barco. Problemas que afetem uns cedo ou tarde prejudicarão outros.
ASSIM, O uso da água do Paraíba pela cidade de São Paulo tem de ser uma questão tratada por todos os interessados, com a participação do governo federal.
O TEMA é muito sério e requer uma abordagem compartilhada entre os entes federativos envolvidos no assunto, e sob a coordenação da União. O ideal é que haja uma política clara e aprovada por todos para o uso emergencial de mananciais.

O Globo, 21/03/2014, País, p. 7

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