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Serraria é encontrada em terras do Incra

OESP, Vida, p. A17
31 de Jan de 2008

Serraria é encontrada em terras do Incra
Em assentamento de Querência, o flagrante da derrubada da floresta

José Maria Tomazela

Terça-feira, véspera da visita da ministra do Meio Ambiente, Marina da Silva, a Mato Grosso. Uma equipe da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, acompanhada pela reportagem do Estado, testemunha um flagrante de derrubada da floresta. Querência, a 600 km de Cuiabá, está no entorno do Parque Indígena do Xingu e é o cenário do corte ilegal de madeira e de tiros disparados a distância.

Os motoqueiros - nome dado lá aos homens que manejam as motosserras - conseguiram se embrenhar na mata, mas algumas toras ainda estavam no local, escondidas numa esplanada, clareira aberta na floresta. A madeira era retirada da área de reserva do assentamento Pingo D'Água, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Vários carreadores foram abertos para o transporte das toras pesadas, arrastadas por tratores.

A esplanada estava no lote 394, do assentado identificado apenas como Cláudio. A casa de tábuas tinha sido transformada em alojamento, com catres espalhados pelo chão, e servia de depósito para o combustível dos equipamentos. No terreno funcionava também uma serraria improvisada. A casa estava vazia, mas com uma porta aberta, o que leva a crer que os ocupantes saíram às pressas. O único acesso ao lote havia sido bloqueado com troncos e a equipe teve de caminhar por quase um quilômetro.

Foi o tempo necessário para a fuga dos madeireiros. O agente ambiental Aparecido Sidney, que ficou para trás com o veículo da fiscalização, ouviu três disparos no meio da mata. O analista de meio ambiente Joelson de Figueiredo Campos, que chefiava a equipe, considerou a situação de risco, sendo melhor deixar o local. A polícia não acompanhava a fiscalização.

De acordo com Campos, os madeireiros fizeram um 'arrastão' na floresta, efetuando corte seletivo de espécies nobres. Foram encontrados, 'fatiados', troncos de garapeira, madeira bastante resistente e usada para fazer vigas ornamentais. Ele identificou também jatobás e angelins. 'Provavelmente, o assentado vendeu a madeira, com o compromisso dos madeireiros limparem a área.'

O passo seguinte, segundo ele, seria o corte raso e a queima da mata. O corte e a retirada da madeira dificilmente são detectados pelo sistema de satélite que monitora o desmatamento, pois a mata fica rala, mas continua em pé. 'Só quando a área for toda desmatada ou queimada é que o satélite vai registrar.' Munido de aparelho de GPS, o fiscal anotou as coordenadas da área e informou que vai notificar o Incra. 'Aqui está tudo ilícito', comentou. A fiscalização chegou ao local por acaso.

O objeto da ação era uma área de desmatamento de 150 hectares localizada na mesma região. Esse desmate tinha sido registrado pelo sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Campos estava convencido de que se tratava de um desmatamento antigo, mas com a passagem bloqueada por troncos, não foi possível ir até o local indicado pelo GPS.

Para chegar até ali, a equipe rodou 188 km por estradas de terra e lama, a partir da cidade de Canarana, onde fica a sede regional da secretaria. Ao longo da MT-020, as áreas de cerrado, mata de transição e floresta deram lugar a imensas plantações de soja. De vez em quando, surgem restos de mata transformados em pastagens.

PASSO-A-PASSO

'Essa área foi desmatada há dois anos e queimada para virar pasto', observa o analista. Mais para frente, ele vê restos de árvores calcinadas. 'Desmatou, botou fogo e vai destocar, provavelmente para plantar arroz.' Depois do arroz, vem a soja. Um pouco adiante, um arrozal se espalha entre leiras de madeira amontoada. 'Essa foi cortada há três ou quatro anos', calcula.

Em Querência, as lavouras de soja se perdem no horizonte. As porções de mata se assemelham a pequenas ilhas cercadas de lavoura por todos os lados. Nos raros locais onde existe floresta, há marcas de incêndios recentes.

Na Fazenda Tanguro, do governador Blairo Maggi (PR), um trecho da mata foi queimado para dar lugar a um pasto, mas as marcas do fogo são antigas. Há também uma área reflorestada com seringueiras. Em 66 km da estrada, roda-se sem sair da fazenda, uma das maiores da região. É o único trecho em que ainda existe floresta dos dois lados da via. Mas há também soja a perder de vista. As lavouras invadem a área urbana de Querência, onde se instalaram grandes empresas de grãos, como a Cargill e ADM.

As queimadas também atingiram áreas sem floresta. Agricultores e pecuaristas usam o fogo para limpar os terrenos. 'Muitos desmatamentos registrados pelo Deter eram áreas já desmatadas', diz Campos. Ele reconhece que a região perdeu grande parte da cobertura original. Pela lei, só se pode abrir 20% em áreas de floresta e 35% no cerrado. Em matas de transição, valem os 20%. 'Está evidente que se desmatou além da conta.'

No assentamento Pingo D'Água, a fiscalização encontrou outro desmate recente. Trinta hectares foram derrubados e queimados. A sobra foi empurrada com tratores. O fogo se alastrou mata adentro. 'Isso é criminoso! Não tem justificativa', reagiu Campos. Segundo ele, as situações que configuram crimes ambientais serão investigadas e os proprietários, identificados. Os relatórios devem ficar prontos ainda nesta semana. 'Quem estiver fora da lei será autuado.' Uma outra equipe reforçada deve voltar à região nos próximos dias.

De acordo com o ambientalista Márcio Santilli, do Instituto Socioambiental (ISA), o período de estiagem em 2007 coincidiu com a recuperação nos preços da soja e da arroba do boi. 'Muitas áreas já abertas que ficaram sem uso no período da crise voltaram a ser trabalhadas com o uso do fogo.' Áreas de floresta também queimaram, por fogo acidental ou criminoso. 'O grileiro quer abrir a terra e aproveita a seca para pôr fogo.'

OESP, 31/01/2008, Vida, p. A17

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