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Seca pode bater recorde na Amazônia

FSP, Ciência, p. 8
22 de Out de 2010

Seca pode bater recorde na Amazônia
Estiagem de 2010 já empata com a de 2005, e nível de rio chega perto de baixa histórica; Inpe estuda fenômeno
Pesquisador reluta em culpar aquecimento por problema; mudanças no oceano Atlântico podem estar entre as causas

Claudio Angelo

A seca de 2010 ainda não terminou na Amazônia e pode ultrapassar a de 2005 como a mais grave da região nas últimas quatro décadas.
O nível do rio Solimões atingiu sua maior baixa histórica no oeste do Amazonas. Em Manaus, o Negro se aproxima do nível de 1963, o mais baixo em um século.
Mesmo que a previsão não se confirme, a floresta já terá registrado três estiagens extremas em 12 anos, duas delas nos últimos cinco anos: 1998, 2005 e 2010.
E isso se ninguém incluir na estatística a seca de 2007, que só atingiu o sudeste amazônico e deixou 10 mil quilômetros quadrados de floresta calcinados na região.
Cientistas do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) estão coletando dados de chuva e vazão de rios para tentar descrever o fenômeno deste ano. O que eles sabem, por enquanto, é que esta é uma estiagem diferente de tudo o que já se viu.
"Esta seca não foi anunciada", diz José Marengo, climatologista do Inpe.
Segundo ele, nos eventos extremos de 1998 e 2005, a região começou a secar já no fim dos anos anteriores. "Neste ano, tivemos reduções muito pronunciadas em maio, 40% menos de chuva. Na de 2005, chegou a 50% de redução já no início do verão", afirma ele.
Em comum, ambas as secas têm o fato de não terem sido causadas por El Niños, como foi o caso de 1998. Naquele ano, apesar de a redução de precipitação ter batido o recorde, os rios amazônicos não sofreram tanto.
"Achava-se que El Niños fortes explicassem as secas, mas não é isso o que está acontecendo agora", diz Marengo. "O El Niño deste ano foi fraco", continua.
Segundo Javier Tomasella, também do Inpe, a vazante anormal do Negro pode ser explicada pela redução do volume dos afluentes da margem sul do Amazonas.
Como o Negro é "represado" pelo Solimões em Manaus, a baixa deste automaticamente faz aquele vazar.
Marengo diz que o aquecimento anormal do Atlântico tropical norte pode explicar parte da seca.
O transporte de umidade para dentro da Amazônia é influenciado por ventos que sopram do oceano. Quando o Atlântico esquenta demais, ele concentra as chuvas sobre a água mais quente e afasta a umidade da região.
Essa também é a explicação provável da seca de 2005, que coincidiu com uma temporada de furacões anormal na região do Caribe.
Alguns estudos detectaram a influência do aquecimento global no fenômeno de 2005. "Mas a incerteza é grande", diz Marengo. Para ele, a chance de influência humana nesses extremos climáticos é "50% a 60%".

NOVO CLIMA
Seja como for, o cenário atual parece uma "avant-première" do futuro clima da região amazônica.
"Aquela Amazônia que tinha estações chuvosas tão bem definidas que você podia ajustar seu calendário por elas acabou", afirma o ecólogo Daniel Nepstad, do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).
Segundo Nepstad, outro fator por trás das secas pode ser a grande quantidade de queimadas na região -a fumaça inibe a chuva, como já comprovaram diversos estudos na última década.
"A meu ver, é uma mistura de agropecuária e gases-estufa, é difícil destrinchar quanto é um ou outro", afirma o pesquisador. "Não sou climatologista, mas o tempo tem mudado nestes meus 25 anos de Amazônia."

Manaus e região sofrem com isolamento
Kátia Brasil

Com o nível do rio Negro próximo de atingir uma vazante (descida das águas) histórica, Manaus e ao menos 25 comunidades ribeirinhas em seu entorno já sofrem isolamento fluvial.
Há ainda escassez de água potável -muitos poços artesianos secaram. Com a baixa das águas, em alguns trechos do rio Negro é difícil navegar.
No domingo, cinco homens que viajavam para uma comunidade de Manaus enfrentaram risco de morte. A voadeira (canoa com motor) deles encalhou. Ao caminhar pelo leito do rio, ficando atolados. "Desidratados, conseguiram se arrastar até a margem e pediram socorro pelo celular", disse o major Henrique Santos, piloto do helicóptero da Polícia Militar, que fez o resgate.
Manaus estuda decretar situação de emergência. No Amazonas, 35 dos 62 municípios já fizeram isso, e um município está em estado de calamidade. São 66 mil famílias afetadas pela vazante dos rios Solimões, Juruá, Purus, Madeira e Amazonas.
Ontem, o rio Negro marcou nível de 13,93 m. A mínima histórica foi registrada em 1963, com 13,64 m. Está chovendo na região, mas um novo recorde de vazante pode acontecer neste fim de semana, diz Valderino Silva, que há 40 anos faz monitoramento no porto de Manaus.

FSP, 22/10/2010, Ciência, p. 8

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2210201002.htm
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2210201003.htm

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