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Rota para o Pacífico

OESP, Economia, p. B6
27 de Jul de 2008

Rota para o Pacífico
Brasil investe US$ 1,8 bilhão na integração física da América do Sul

João Domingos

Com investimentos feitos ou contratados calculados em US$ 1,860 bilhão na infra-estrutura dos países do norte e oeste da América do Sul, o Brasil está abrindo o até então intocável santuário da Amazônia para os vizinhos hispânicos, no maior projeto de integração econômica e fronteiriça da região desde que nela aportaram portugueses e espanhóis. É uma quantia US$ 380 milhões maior do que o R$ 1,5 bilhão investido no Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), a maior licitação realizada no final dos anos 90.

Ao mesmo tempo, a construção de pontes, estradas e hidrovias dá ao País condições concretas de avançar rumo aos portos do Pacífico a partir do Peru, do Chile e do Equador, com a possibilidade de diminuir em aproximadamente 6 mil quilômetros a distância comercial com os mercados da Ásia.

O cálculo do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior é de que a redução na distância barateará em até US$ 30 o custo da tonelada do produto brasileiro exportado. Também estão sendo feitos investimentos na infra-estrutura da Venezuela, Guiana e Suriname para que os produtos possam chegar aos portos dos países do Caribe.

O Programa de Financiamento às Exportações (Proex) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) têm sido os principais instrumentos para tornar viáveis os projetos de integração da América do Sul a partir do Brasil. Além da infra-estrutura em transportes, eles contemplam ainda comunicações e saneamento básico.

Para a execução dos serviços podem ser contratadas somente empresas brasileiras, uma exigência da lei. Desse modo, o governo do Brasil financia as exportações de bens e serviços brasileiros, como obras de engenharia, pagas em reais às empresas.

Como esses projetos envolvem fornecedores, que vão de máquinas e geradores de energia até uniformes de operários e alimentos para o acampamento, cada empresa brasileira que ganha uma licitação internacional leva junto centenas de outras, muitas delas pequenas e médias. Em conseqüência, a contratação de uma grande empreiteira lá fora acaba por abrir postos de trabalho no Brasil.

MENOS PRESSÃO

A integração da América do Sul pela Amazônia tem ainda um outro objetivo estratégico dentro do xadrez geopolítico mundial. O governo brasileiro acredita que a ligação de todos os países amazônicos ajudará a aliviar a pressão feita hoje sobre a Amazônia brasileira.

Interligada, a região será vista não mais como um enclave verde dentro do Brasil, mas como de responsabilidade igual também por parte da Bolívia, do Peru, do Equador, da Colômbia, da Venezuela, da Guiana, do Suriname e até da França, por causa da Guiana Francesa. O conjunto de países teria não só muito mais cacife para as negociações a respeito do clima e emissão de poluentes, mas também um considerável poder de fogo em caso de invasão.

Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou com o presidente da Bolívia, Evo Morales, um convênio que prevê empréstimos de US$ 270 milhões ao vizinho, destinados à construção e asfaltamento de 508 quilômetros da Ruta 08, que ligará a capital, La Paz, a Porto Velho, em Rondônia.

Essa estrada foi prometida há 105 anos pelas autoridades bolivianas e há 40 anos aguarda pelo asfalto. Caberá agora ao Brasil construir a ponte de cerca de 1,8 quilômetro sobre o Rio Mamoré, na divisa entre os dois países.

Outros trechos de rodovias que estão sendo feitos no leste e centro da Bolívia possibilitarão ao Brasil acesso ao vizinho, a partir de Mato Grosso e São Paulo, para Cochabamba, Santa Cruz de La Sierra e La Paz, e passagem para os portos de Antofagasta e Arica, no Chile, no chamado Corredor Bioceânico.

Daqui a menos de dois anos deverão ficar prontos os 2,5 mil quilômetros da rodovia que ligará Rio Branco, no Acre, aos portos de Ilo, Matarani e San Juan, no Peru. O Brasil investiu US$ 420 milhões nessa rodovia, além de outros US$ 19 milhões na ponte entre Assis Brasil (Acre) e Inãpari. A estrada avança pela Amazônia peruana, passa por Puerto Maldonado, capital do Estado de Madre de Dios, e Cuzco, nos Andes, e segue para o Pacífico. De acordo com informação do governo peruano, as obras estão dentro do prazo previsto e a nova rota deverá ser inaugurada em 2010.

Coube a dois consórcios brasileiros a construção de 1.009 quilômetros dessas estradas. Eles foram formados pelas construtoras Norberto Odebrecht, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão e Camargo Correa. Do lado brasileiro, a estrada já está pronta. São 220 quilômetros pavimentados entre Assis Brasil e Rio Branco.

Essa estrada deverá servir de alternativa para o escoamento da produção de soja, carnes e produtos industrializados das Regiões Norte e Centro-Oeste do Brasil para países da Ásia. Hoje, sem a rota do Pacífico, os produtos são embarcados principalmente pelos Portos de Santos e de Paranaguá, depois de percorrer pelo menos 3 mil quilômetros dentro do território brasileiro.

A idéia, de acordo com informações do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, é aumentar o comércio entre Brasil e Peru num primeiro momento. Num segundo momento, será ativado o projeto de exportações de produtos brasileiros para a Ásia, com a utilização de acordos de preferências tarifárias feitos pelo Peru com Estados Unidos, Canadá, Cingapura, China, Tailândia, Coréia do Sul, Índia, Japão e União Européia.

PRIORIDADE

"Na diplomacia brasileira, a prioridade é a integração sul-americana, num processo que envolva o Brasil e os demais países da região", diz André Bevilacqua, da Coordenação-Geral Econômica da América do Sul do Ministério das Relações Exteriores. "Nesse contexto, a infra-estrutura tem papel fundamental; é impossível fazer a integração fronteiriça, social e econômica sem ela", acrescenta ele.

Além dos projetos para Região Amazônica, o Brasil ofereceu financiamentos também para outras regiões em todos os outros países da América do Sul, América Central e do Caribe. Juntos, os projetos de todas as áreas somam US$ 7,3 bilhões. Entre eles está o projeto da segunda ponte sobre o Rio Orinoco, na fronteira com a Venezuela; a Hidrelétrica de San Francisco, no Equador; a segunda ponte sobre o Rio Paraná, na fronteira com o Paraguai; a segunda ponte do Rio Jaguarão, na fronteira com o Uruguai; a duplicação da Auto-Estrada do Mercosul; a ponte sobre o Rio Tucutu, no Suriname; e o Eixo Multimodal de Manaus a Manta, no Equador.

Fazem parte ainda das obras de integração da América do Sul com financiamentos brasileiros novas linhas do metrô de Caracas; a Ferrovia de Carare, na Colômbia; a Ferrovia Santa Cruz e as Rodovias Concepción-San Matias e Tarija-Bernejo, na Bolívia; a ampliação do metrô de Santiago; a ampliação de rede de gasodutos Albanesi e CAM Mesa e o Aqueduto Santa Fé, na Argentina, além de uma adutora e distribuidora de água em Montevidéu, no Uruguai.

Dinheiro para construir a estrada virou jóias e sapatos

Em 1903, o Brasil pagou à Bolívia 2 milhões de libras esterlinas pelo Acre. Foi a indenização oferecida depois de o governo de Rodrigues Alves apoiar a revolta de seringueiros brasileiros contra La Paz, que resolvera contratar o consórcio norte-americano Bolivian Syndicate para cobrar impostos sobre o lucro da venda da borracha. A revolta dos acreanos foi liderada por Plácido de Castro, que deu nome a um dos municípios do hoje Estado brasileiro.

Feitos os acertos diplomáticos, ficou combinado que com o dinheiro pago pelo Acre a Bolívia construiria uma estrada de ferro no hoje Estado do Beni, que ligaria o Rio Mamoré, já na fronteira com o Brasil, à capital La Paz. A estrada nunca foi construída. Dizem que 1 milhão de libras foi usado para que a mulher de um dos dirigentes do país vizinho comprasse jóias, roupas, sapatos - a ponto de ser considerada mais chique que a rainha da Inglaterra. O outro milhão sumiu.

O Estado amazônico de Beni espera a estrada há 105 anos. Há 40 anos, foi feito um traçado na terra, que leva a La Paz, 1 mil quilômetro ao sul. Em tempos de seca, são três dias de viagem até a capital. Nos primeiros 400 quilômetros, o terreno é plano, mais seguro. Depois, rumo aos Andes, começam as subidas, os despenhadeiros. Na seca, a viagem até La Paz dura três dias; durante as águas, até dez dias.

No plano ou nos Andes, os povoados são escassos. Às vezes há algumas casinhas ao redor de um posto de combustível, onde moram comerciantes de folhas de coca - receita para aliviar os efeitos das alturas -, de refrigerantes, doces e bolachas, geralmente fabricados no Brasil. Por perto, há sempre um acampamento policial num ponto de pedágio improvisado por algumas cordas que impedem a passagem de quem não pagar 2 bolivianos (cerca de R$ 0,50). Ônibus especiais - conhecidos como minissaias -, de mecânica precária, percorrem as também precárias rodovias com malas no teto, onde há de tudo, de roupas a cachorros e porcos.

Os veículos não têm documentos. "Aqui em Riberalta, se um dia vier a fiscalização, vão sobrar só os carros do governo e o meu", diz Jaime Cuellar, dono de uma farmácia e de um Mitsubishi. Jaime é um dos poucos proprietários de automóveis em Riberalta. O forte lá são as motos, aos milhares, a maioria importada do Brasil. Ninguém usa capacete ou retrovisor.

Riberalta tem pouco mais de 100 mil habitantes. A principal atividade econômica é a extração da castanha-do-pará, agora patenteada como castanha-do-brasil. Apesar das dificuldades, quem nasceu em Riberalta se orgulha disso.

OESP, 27/07/2008, Economia, p. B6

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