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Rodízio no ar

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: CAPOBIANCO, João Paulo
31 de Mai de 1996

Rodízio no ar

João Paulo Capobianco

Poucos se dão conta, mas a poluição já provoca um rodízio permanente em São Paulo. É o rodízio de interesses que, ao contrário daquele que visa diminuir o número de veículos em circulação na Cidade nos meses de inverno, não tem nada de preocupação com a saúde pública.
Uma simples consulta aos arquivos de notícias veiculadas pela grande imprensa nos últimos anos permite confirmar esse fato.
De externalidade, que não fez parte de quase nenhum programa de governo dos candidatos à Prefeitura nas últimas eleições, o controle da poluição atmosférica rapidamente virou um dos maiores contratos assinados entre a municipalidade de São Paulo e uma empresa privada: o que criou o Programa de Inspeção e Manutenção de Veículos. Contrato milionário, polêmico, contestado judicialmente e que não vai levar a nada porque o governo estadual, através do Detran, não vinculará o licenciamento ao certificado ambiental a ser expedido pela Prefeitura. Afinal, o licenciamento de veículos é competência do Estado, diz o governador Mário Covas.
O interessante é que o mesmo prefeito que agora quer implantar o programa de controle de emissão, é um dos mais pródigos nos investimentos em obras para o transporte individual. Túneis e viadutos, túneis e avenidas, túneis e túneis que já consumiram o valor equivalente a uma linha completa de metrô, que seria capaz de transportar milhares de pessoas com muito mais segurança e sem poluição. Mas o metrô é competência do Estado, diria o alcaide.
E quem não se lembra do MTBE, a novidade que a Petrobrás inventou sem nenhuma consulta prévia a ninguém. Mais poluente do que o álcool adicionado à gasolina, a idéia só não prosperou porque um levante de prefeitos e governadores dificultou o uso dá mistura em suas áreas de atuação, sob os protestos do presidente da estatal, para quem a questão dos combustíveis é competência do governo federal.
Esses fatos, que revelam a absoluta falta de coerência, planejamento, integração entre os órgãos de governo e, pior, falta de responsabilidade do poder público, têm contribuído para transformar a poluição do ar em São Paulo em um dos mais graves problemas de saúde pública deste final do século. O Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da Faculdade de Medicina da USP, que desde 1980 vem se dedicando ao estudo dos efeitos da emissão de poluentes por veículos, comprovou o aumento da taxa de óbitos na população de mais de 65 anos, nos períodos de pico de poluição. O Instituto da Criança do Hospital das Clínicas divulgou, em 1995, dados não menos alarmantes: o atendimento a problemas respiratórios cresceu cerca de 30% de maio a agosto de 1994 e 10% das internações de crianças têm relação direta com a poluição atmosférica. Nos dias de pior qualidade do ar a mortalidade causada por problemas respiratórios aumenta pelo menos 12% entre idosos e 15% entre as crianças com menos de 5 anos, segundo o Laboratório de Poluição Atmosférica e Ambiental do Hospital das Clínicas.
Esses são os números mórbidos de uma cidade que possui insuficientes 13 mil ônibus, a maioria em péssimo estado, e um metrô com apenas 43,5 quilômetros de linhas, capazes de transportar somente 2,6 milhões de passageiros por dia.
Diante deste cenário e considerando o aumento exponencial da concentração de poluentes atmosféricos, em decorrência do crescimento no número de veículos em circulação após o Plano Real, e; as previsões de que este ano o inverno será mais rigoroso que os anteriores, o rodízio proposto pela Secretaria do Meio Ambiente é uma medida indispensável para minimizar o problema. A oposição ã proposta sob o argumento de que não há alternativas de transporte para as pessoas que deixarão seus carros na garagem não pode ser aceita, simplesmente porque essas alternativas são inviáveis a curto prazo.
Parece piada de humor negro; mas em meio a este caos que está se transformando a cidade de São Paulo, onde quase não há investimentos sérios no transporte coletivo e a população é obrigada a conviver com o rodízio de veículos, o prefeito de hoje é aquele governador que, como prova máxima de seu reconhecimento pelo desempenho dos atletas canarinhos que venceram a copa de 70, premiou os justamente com um fusca.

João Paulo Capobianco, ambientalista, é secretário-executivo do Instituto Socioambiental

OESP, 31/05/1996, Espaço Aberto, p. A2

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